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Não Olhe Para Cima (2021): O que o princípio da falseabilidade científica de Karl Popper pode nos ensinar sobre sátira da Netflix


Don't Look Up, é um filme americano de comédia e ficção científica, dirigido por Adam McKay. Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence são dois astrônomos, que no meio de uma reunião de pesquisa para o doutorado de Kate, que trabalha no Subaru Telescope, preveem com cálculos que em seis meses meteoro gigante vai cair na terra e destruir a humanidade. O elenco ainda conta com a participação especial de Paul Guilfoyle, Ariana Grande e Meryl Streep, no papel de uma presidente negacionista, que em meio a escândalos e reeleição, passa a negar a existência do meteoro. A presidente, ao estilo Trump e Bolsonaro tem seu chefe de gabinete seu filho, Jason Orlean (Jonah Hill). Apesar de todos os avisos, a agenda das notícias e dos governantes inicialmente nega a ideia da crise, mas depois abraçam quando se torna rentável lucrar com a desgraça e desespero das pessoas com o fim do mundo. Indicado ao Globo de Ouro, incluindo Melhor Filme


Kate Dibiasky é uma candidata a PhD trabalhando no Subaru Telescópio e descobre dessa forma um objeto não identificado que cairá na terra. Seu professor, Dr. Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) calcula que vai demorar 6 meses pro cometa atingir a terra e que causará grande extinção da espécie. Na primeira reunião que vemos no filme, ele mostra o bonequinho do Carl Sagan, e pergunta: "O que Carl Sagan faria?". 




O chefe do programa planetário da NASA, Dr. Teddy Oglethorpe (Rob Morgan) Diabiasky e Mindy apresentam suas descobertas para a Presidente Janie Orlean (Meryl Streep) e ao seu filho, Jason Orlean (Jonah Hill).




Oglehorpe pede para Dibiasky e Mindy para vazar o conteúdo para a mídia em um programa apresentado por Brie Evantee (Cate Blanchett) e Jack Bremmer (Tyler Perry). 


Quando os apresentadores não levam a ameaça a sério, Dibiasky é publicamente renegada pelo seu namorado que a denuncia, enquanto Mindy recebe uma grande aprovação por parte do público, virando a cara do "apoio da ciência" ao governo de Orlean. O engraçado é que para os cientistas do filme parece mais importante a fama da sua descoberta e que isso gere para eles respeito e autoridade através da ciência. Essa seria a grande crítica do filme.


Enquanto isso, o cometa é negado publicamente pelo diretor da NASA, depois disso a Nasa anuncia uma parceria com a BASH (uma das empresas de tecnologia que mais investiram na campanha de Orlean e eles agora pretendem colocar em órbita drones com energia nuclear para explodir e explorar as riquezas do cometa (uma referência ao debate sobre o 'fracking' e os poços de exploração de riquezas minerais). 




Orlean e Peter Isherwell (Mark Rylance) querem explorar os recursos do cometa, e esquecem do aviso original que seu impacto destruiria a terra. Em uma das partes do filme, Kate Dibiasky tenta voltar e entrar em contato com seus pais, e ela é mal vista por ser "contra os empregos que o cometa vai dar" em uma referência de que a postura dos cientistas era mal vista pela povo comum, no caso, sua própria família. Quando Orlean se vê envolvida em um novo escândalo sexual, ela divide a atenção da mídia, e melhora seus índices de aprovação. 


A Casa Branca ignora Kate Dibiasky e Oglehorpe enquanto contrata o Dr. Mindy como conselheiro científico do governo. Kate revela que o governo tem um plano de deixar o cometa atingir a terra de qualquer jeito, protestos são vistos em todo lugar, enquanto a palavra de ordem é "look up".

 



Enquanto o Dr. Mindy se tornou um dos maiores propagandistas das oportunidades que o "cometa traria" para a economia. A opinião de todos fica dividida. 


Quando Kate Dibiasky volta para Illinois, ela começa um relacionamento com Yule  (Timothée Chalamet), e conhecemos a esposa oficial do Dr. Mindy June (Melanie Lynskey) que vai confrontar o caso que Randall teve com a jornalista. Depois de se arrepender, Dr. Mindy busca no supermercado largado e faz umas "compras" e leva comida para sua casa e visita seus filhos (dois homens adultos) que não visita há tempos.




Alguns acreditam que os cientistas estão fazendo alarmismos, e outros que o cometa nem mesmo existe (como também uma metáfora aqui da covid-19). Os cientistas organizam um protesto em oposição a campanha Don't Look Up, com a slogan Just Look Up, chamando os outros países para participar. 


Quando a presidente Orlean corta Índia, a China e a Rússia do acordo, esses países tentam explodir eles mesmos o cometa. Quando o objeto se choca com a terra, inicialmente parece nada, depois parece um grande fim, como na ideia do "fim da história". Os cientistas se reúnem todos na casa de do Doutor Mindy e de sua esposa e ela admite que também já o havia traído na época da faculdade. No fim, todos comentem sobre o café enquanto todos morrem tentando esquecer... Uma grande confusão e uma grande metáfora da administração e do governo de Donald Trump.




Bastidores e contexto da produção


O filme foi inicialmente produzido em 2019 e era da Paramount, mas a empresa desistiu do filme com a chegada da pandemia e vendeu os direitos para a Netflix (o que já significaria uma grande chance do filme ser ruim) por conta dessa troca. Vários atores do filme original mal participaram do bit final. 


Muita gente apareceu no crédito, mas foi excluída no recorte final do filme, mostrando que houve uma briga de faca pelo seu recorte final. O filme foi anunciado no dia 8 de Novembro de 2019 e foi anunciado pela Paramount Pictures, que iria distribuir o filme, sob o banner da Hyperobject industries, quando a Netflix foi lá e adquiriu o filme, Jennifer Lawrence foi adicionada ao casting quando a Netflix assinou. O filme tem grande elenco, mas a atuação de alguns atores poderia ser melhor.  O ritmo do filme é de humor ácido, também fruto da experiência do diretor do filme como roteirista do famoso programa da televisão americana Saturday Night Live por duas temporadas.  


Em Outubro de 2020 foi anunciado Leonardo DiCaprio, Meryl Streep, Janah Hill, Himesh Patel, Timothée Chalamet, Ariana Grande, Scott Mescudi e Tomer Sisley, Paul Guilfoyle foi anunciado em Maio. DiCaprio ficou meses discutindo as partes do roteiro que ele queria mudar. A fotografia principal do filme teve que ser adiada devido ao problema da covid-19. A filmagem começou em 18 de Novembro de 2020 em várias localidades de cidades de Massachusetts, como  Boston, Brockton, Flamingham e Westborough,  para parecer New York. 



Minha leitura do filme


O filme começa com uma reunião comum de pesquisa, onde Dr. Randall Mindy faz uma reunião junto ao seu grupo de pesquisa. O veredito dado pelos cálculos é de 99% de certeza do mundo acabar. Agora, que esse processo foi uma metáfora da covid, e principalmente do governo de Donald Trump já sabemos. Também sabemos que o Estados Unidos recusou a administração de Hillary Clinton. Quando no filme a presidente aparece abraçando o seu marido, a impressão era ser Bill Clinton. Ou seja, na opinião do filme seria muito mais populista uma eleição de Hillary. Para o filme, é como se Hillary Clinton e Trump fossem a mesma pessoa, o mesmo grupo político


O truque ensinado pelos críticos para analisar filmes desse porte, é fácil. Apenas precisamos ver o filme e retirar do contexto dele a referência daquilo que parece externo. Um filme sobre catástrofe normalmente é referência a momentos de grandes crises, como essa que os Estados Unidos tem passado. Os filmes como Armagedon ou Top Gun, ou "The Rock", filmes ao estilo de Jerry Bruckheimer (Estados Unidos salvarão o mundo, etc), e se orgulhavam de um certo nacionalismo dos funcionários públicos que parece o filme refletir ser nulo hoje em dia, como uma crítica ao estilo "eles não estão mais acreditando". Esse tipo de filme tem estado em baixa, demonstrando a baixa na crença do sistema americano público. 


Quando no filme, os cientistas pedem por uma intervenção direta para salvar o mundo, eles acham que isso vem da política e do bem tratamento que eles podem receber como cientistas demonstrar o poder da ciência em si. Isso foi realmente muito debatido no contexto de pandemia. O que pode explicar o motivo do filme ter sido abandonado por quem queria fazê-lo originalmente. Os últimos 40 minutos de filme podiam muito bem ser cortados e não adicionam absolutamente nada para a história. Mas o sentido geral de crença nas formas mais absurdas de vínculos e formas de populismos institucionais gerados pela necessidade reativa de participação e reconhecimento talvez seja a melhor contribuição do filme. 



Mas a derrota total e o "fim do mundo" se constituiu como uma metáfora muito óbvia e triste. Se nada os cientistas podiam fazer, qual o motivo do filme mostrando "eles como corretos" ? Talvez por isso, o filme ainda seja um "quase lá". Tendo a sua fórmula original extremamente copiada do clássico Southland Tales, que entrega  a crítica completa de como a cultura da celebridade se atrelou ao capitalismo de vigilância. 


A Kate, radical de esquerda,  de cabelo ruivo estiloso, piercing, candidata perfeita a doutorado, tem suas descobertas ignoradas, e sua personalidade contestada por não ser tão dócil e controlável quanto o cientista chefe Dr. Randall Mindy, que chega a fazer propaganda para a Bash (uma empresa que parece referência a Tesla do Elon Musk, e a privatização das operações no espaço). Kate termina namorando um cara estiloso também, mas que por sua vez, era um evangélico. 




Para aproveitar a retórica da crise, a coisa do "todos nós vamos morrer", o filme é original por pensar que essa retórica por mais que seja na história do filme verdadeira, serviu apenas para mais engajamento político á toa. No fim do filme, os cientistas nada podem fazer pela humanidade, eles apenas tentam seguir até o fim com a festa e jantar de família, e fazem oração. 


Nesse momento, a ciência vira religião e se prova apenas como costume. Por isso trago aqui a noção de verificação, ciência e verificabilidade e falseabilidade científica foi proposto por Karl Popper como forma de descrição da forma americana de se fazer ciência influenciada pela Círculo de Viena (por mais que Popper fosse parte do grupo, era crítico a ele). Esse complexo científico, militar americano sempre foi muito forte e o filme reflete sobre o fim dessa cultura. Para ele, haveria uma diferença entre o mundo natural (da causa e efeito imediata) e o mundo social (que denota uma concepção que tem que envolver as outras pessoas e o senso comum). 


Karl Popper elabora uma concepção de três mundos de diferenciação do conhecimento subjetivo do conhecimento objetivo. O conhecimento subjetivo é o conhecimento do estado de espírito, que perpasse um ser cognoscente que participa ativamente das análises.  Karl Popper era um positivista lógico do círculo de Viena. 


Mas também ele era um dos mais ferozes críticos do princípio de verificação que norteava o grupo. Popper era um austríaco radicado na Inglaterra. Mas a influência do Círculo de Viena no período posterior a Segunda Guerra nos Estados Unidos foi imensa. Com nomes como o polonês Alfredo Tarski e Kurt Friedrich Gödel, principalmente uma grande influência em filósofos da filosofia americana como Williard Van Quine e Nelson Goodman. O racionalismo crítico de Popper nos ajuda a enxergar o grande problema da retratação dos cientistas do filme. A linguagem rigorosa dos positivistas antigas ficaram para trás dentro da nova mentalidade científica que seguia bastante o parâmetro de Karl Popper. 


A recusa da visão dogmática da ciência é uma questão que pode ajudar a entender melhor o filme. No sentido da mentalidade científica ser por essência uma busca pelo primeiro momento científico da dúvida, e muito menos o momento da descoberta e da "batalha pela verdade". Para Popper, o princípio de irrefutabilidade, como a teoria do meteoro do filme, que dava quase 100% de chance de ocorrer já é em cima uma teoria falha, por não permitir a refutabilidade (falseabilidade) do principal dado da pesquisa.  Quando Descartes estabeleceu a ideia do sujeito cognoscente na ciência, era uma forma de dizer "penso, logo existo". Esse sujeito que pensa, é excluído do processo científico na visão que de que o problema, a pesquisa ou o processo pode ser dado sem a presença do ser humano analítico que participa do processo. Sendo esse talvez uma das maiores falhas do empirismo cego, ou do imperativo categórico de um Kant, por exemplo. 


A Ciência e Falseabilidade são critérios intrínsecos a qualquer teoria científica que se preze. Karl Popper recusa a premissa do filme de que a experiência empírica das ciências naturais podem ser interpretadas literalmente por nós através da percepção sensorial, Karl Popper era contra isso. No filme, tem um frame de uma cena onde mostra várias medias pranks (brincadeiras de mídia, falseflags), como mostra também uma checagem desse material. 


No filme, quem sofreu com fake news foi Kate, por encabeçar um movimento chamado "Don't Look Up" (ao estilo Yes, we can), uma referência a formação de bandeiras, slogans e ditos populares, tão comuns ao processo de corrida eleitoral nos Estados Unidos. Se a direita da presidente, que é ao estilo Bolsonaro e Trump faz seu comício em cima do contrário da frase dos cientistas. Se os cientistas pedem para "look up" e são a esquerda leve, a direita pede para não olhar, e é intencional ser essa campanha a campanha do nome do filme, porque demonstra que o próprio filme também tem lado e finge não ter. 



O autor Imre Lakatos, também opinou sobre o que considerava como ciência. A ciência estaria presente no que seria o respeito que o homem sente pelo conhecimento, como uma de suas características mais peculiares. Conhecimento vem do latim e se chamava scientia, sendo a classe do tipo de conhecimento mais respeitável. 


O que distinguiria superstição, da ideologia, ou da pseudociência? Teria um parâmetro? A igreja católica cerca vez já excomungou copernicanos, o Partido Comunista, perseguiu mendelianos que entendiam ser "pseudo ciência". Ou seja, não é apenas uma questão de filosofia de salão ou de vida, sendo vitais para o entendimento geral que o trabalho científico exige do cientistas mais do que apenas o entendimento da fórmula, e do calculo exato, predispõe também uma certa ética científica, uma forma de ética não prescritiva, no sentido dela não poder ser desligada.  


A teoria científica exatamente se distingue do mito que capacidade de sua falseabilidade. Ou seja, é apenas ciência se passível de ser remissível, ou testado, como certo ou errado. Uma forma de descrição do método de Karl Popper ele propõe em seu raciocínio que falar que "um cisne é branco" é apenas uma informação observacional não uma informação que anula a outra. 


Por exemplo, se acharmos um cisne negro, não significa dizer que está errado todos os outros serem cisnes brancos. Mas se faço uma pesquisa usando dados estatísticos para comprovar que todos os cisnes são brancos, logo estarei errada com as palavras na hora de descrever o cisne negro, sendo uma variável hipotética se uma teoria em cima dos cisnes brancos for desenvolvida. E com apenas essa descrição podemos entender o problema da ciência no filme. 


Ao gritar que "nós vamos todos morrer" como Kate, ou tentarmos fazer um movimento cultural de certo ou errado a partir de nossas teorias científicas nos tornavam reféns da nossa própria falseabilidade. Porque ou é certo, e eu estou certo junto, ou está errado e eu vou "destruir o mundo" como na metáfora paranoica e totalitária do filme. O Dr. Randall Mindy fez uma abordagem diferente e também muito ruim. Retratando caras ao estilo do Átila Iamarino, que no início da pandemia fez um discurso de pânico afirmando que nunca sairíamos da pandemia, algo que gerou mais ódio do que alertou a população. 




Esses cientistas começam a fazer propaganda para certo órgão, atitude política e social e sanitária, como tomar a vacina, e logo o ato de tomar vacina se torna um ato ideológico. Aqui a metáfora óbvia é sobre as vacinas e o contexto da pandemia. Ao estilo quem toma vacina, "acredita" e é de esquerda, e quem não acredita é o inimigo de direita. Simples assim. O filme ainda brinca que como eles são cientistas de faculdade pública, do Michigan, eles não são levados a sério. O que leva Kate na cara da presidente suas altas notas no vestibular para "ser levada a sério"(sim, bobo assim). Quando os cientistas de Harvard e outras ivy leagues confirmam seus cálculos a notícia é então considerada verdadeira. A fofoca de tabloid do casal de Ariana Grande só vem complementar o caldo, na medida que não parecem o que mina a ciência, mas a forma mais narrativa de passar a mensagem daquilo que a ciência não consegue. 




Se analisarmos o filme fora da questão do meteoro que vai destruir a terra, o filme é essencialmente um filme que ridiculariza a media e a agenda dos meios de comunicação como parte da justiça. Quando os cientistas falham em "avisar a humanidade" do perigo eminente (como sempre presente no imaginário americano), eles se tornam parte do sistema ao produzir soluções falsas, levantamento de bandeirinhas e coisas do tipo. Essa parte do filme é mal feita. Se eles fossem cientistas de verdade. 


Outro exemplo de uma ideia de Karl Popper em seu trabalho O balde e o holofote: duas teorias do conhecimento (1999), ele demonstra que a mente não funciona com um receptáculo vazio preenchido com impressões ou aprendizado direito do ambiente. Para ele, a mente humana produz conhecimento como se estivesse fotografando, é como um holofote, ela produz enquadramentos, sendo ativa e detecta e propõe suas soluções e problemas. Ou seja, se o cientista participa ativamente da promoção de sua ideia, descoberta, e aí pode ser uma teoria, uma nova espécie que leva o nome do cientista que a descobre, como até mesmo no filme se brinca com isso como meteoro sendo nomeado em sua homenagem.


Para pessoas como Karl Popper não é dever do cientista a atitude do "vou salvar o mundo", pois o cientista apenas é dado a tarefa de demonstração descontinuada e aleatória. No sentido de que para os do Círculo de Viena, apenas constatações feitas a posteriori de eventos podem ser constatações e elaborações científicas. 


A lição que podemos aprender com o filme, é sobre como nós interpretamos a catástrofe. Para os cientistas antigos, a ciência e a política deveriam andam não muito próximos, ou completamente separados. Deveria haver uma distância capaz de possibilitar a neutralidade da ciência. Ou seja, Karl Popper seria contra aquele dinheiro extra do cnpq (em tese, é claro).  O cientista que participa ativamente do engajamento, da percepção científica, a la Carl Sagan está fazendo um serviço como Vila Sésamo, de pedagogia mesmo. Ele está ali para fazer uma campanha social, não tem seu foco em continuar pesquisando para achar mais alguma coisa. Se eles fossem cientistas de verdade, como na vida real, a tarefa deles era continuar procurando de maneira neutra, sem ir a mídia, sem ir para a internet, nada disso. A tarefa deles seria continuar o cálculo de previsão de danos e riscos.


 No caso do meteoro, seria calcular o perímetro de dano e impacto do objeto, quantas fatalidades, plano de contingenciamento e evacuação... Como não teve isso, o filme é uma comédia. Basicamente, eles querem dizer que nada científico importa, ao começar pelos cálculos.  Voltando ao Karl Popper, e ali está a resposta para os dilemas dos cientistas do filme. O limite da percepção do conhecimento científica envolve o cientista de uma ética mais profunda que a do senso comum, com responsabilidades mais claras e distintas. Por isso na visão de Karl Popper o cientista não poderia nem mesmo ter partido político (imagina se fosse assim?). 


Karl Popper foi educado em uma escola particular, tinha sido filho de um casal de judeus que depois se converteu ao protestantismo. Quando tinha 16 anos abandonou a escola aborrecido. E não conseguiu passar em seu primeiro exame da Matura de admissão na universidade, por ter sido examinado por um professor que tinha discordâncias. Foi reprovado em lógica e latim, matéria dada por Edgar Zilsel que acreditava na quantificação aristotélica geral, e Karl Popper não.   O exame que fez exigia uma tradução do Horácio do latim ignorada pelo candidato. 



A covid-19 trouxe a preocupação com a ciência quase como uma mantra, e o filme é bem de direita por apontar isso. Temos a sensação de que os cientistas por falta dessa ética estão mais perdidos do que os cidadãos comuns. Como visto com os grandes problemas vividos tanto por Kate (Jennifer Lawrence), que foi abandonada pelo namorado ator do filme Yesterday. Ou quando ela volta para ver sua família, e sua família a considera uma radical e pede para ela ir embora.



Também quando o Doutor Randall (Leonardo DiCaprio), trai a esposa (a eterna Rose de Two and Half Men) com a apresentadora do jornal loira (uma rica que já fez 4 metrados para "esquecer" a família e fala 4 idiomas).




Primeiro tentamos o engajamento, a elaboração de uma campanha de "conscientização", e depois desistimos e sentamos esperando "o fim do mundo", como na metáfora horrível do filme. 


Para Popper, o princípio de verificabilidade dos pensadores do próprio Círculo de Viena era errado. Era um dos principais pontos combatidos por Popper. Para ele, uma proposição só poderia ser considerada a partir refutabilidade (ou falseabilidade). Ou seja, a ciência não é como uma descoberta única, como aconteceu com a metáfora da maça que todos entenderam sobre a gravidade de Newton. A ciência seria um processo mais duro de anonimato e ética que exige um respeito pelo acontecimento, de forma que a ciência é quase nula como arte da previsão, sendo esta uma arte dada mais aos governos do que aos cientistas. Existem dois momentos do saber científico que são distintos. 


O primeiro mais chato e enfadonho e que constitui 99% do tempo do cientista é o processo das práticas diárias, onde o cientista tem que se reavaliar e aceitar qualquer crítica a sua ideia. Já esse segundo e glorioso momento, seria o momento reativo, o momento revolucionário, quando o cientista acha algo, faz uma descoberta e tem que defender esse processo.


Para Popper a verificação científica tem um sentido negativo por causa da falseabilidade natural das teorias científicas. Para ele, estava ali o segredo da ciência, é para ela ser defendida enquanto método, tentativa e erro, do que enquanto verdade científica. Ou seja, se um teoria ciência é adorada por todos a sua volta, há de se desconfiar dela, pois ela nasce sem o critério de refutabilidade (falseabilidade). 


Ou seja, a adulação e adoração política da ciência faz com que ela já nasça morta. Para Popper, é impossível uma pesquisa, uma teoria ter todo apoio político em um primeiro momento, pois o trabalho do cientista é um trabalho a posteriori, não salvacionista religioso. O novo filme da Netflix não vai mudar o mundo, nem o que pensam os negacionistas, mas certamente é uma pedida bem legal para um fim de noite e reflete bem os tempos atuais. 


Disponível na Netflix



Comentários

  1. Escreveu uma epígrafe do tamanho de um capítulo inteiro, e não descreveu nada de verdadeiro, a não ser, sobre a sua conveniencia visão para algumas ideias que em sua concepção, de alguma maneira, você acha que fortalece suas narrativas ideológicas.

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  2. Tudo bem, esse é seu ponto de vista... mas você já pensar que você não está olhando pra cima?
    Que de fato a missão espacial sitada no filme existe e eles vão tentar explorar os minérios de um cometa em breve, e se na realidade esse cometa estiver vindo para a Terra e eles estiverem encobrindo o fato?
    De qualquer forma, olhe um pouco mais pra cima também, como obordado no filme, nem tudo é política .

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  3. Penso que a obra (o filme)ñ tem tantas pretensões científicas ou filosóficas a esse nível de profundidade e complexidade. É didático sim, ressalta com muita habilidade de como nos deixamos alienar pelo diversionismo e nos sujeitamos cordeiramente a interesses individualistas pouco republicanos e a rendição da mídia a esses interesses. É mais superficial do q você pretende. De propósito.

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  4. A resenha segue o ritmo e problema do filme: poderia ser reduzido pela metade sem comprometer o conteúdo, ao contrário.

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  5. Bem bom. Mas Karl Popper foi inserido meio que à força aee. O princípio de falsibilizacao ficou meio confuso e perdido, bora venha sempre à tona quando se falar de ciência. Mas pra mim, a ciência é apenas (mais) um dos cenários e panos de fundo. O filme, a meu ver, tem mais relação com a "Sociedade do espetáculo de Debord".
    A catastrofe, nada mais é que o ponto de ebulição do que vivemos atualmente com a manipulação desmedida nas mídias e redes sociais

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