A Vida de Donald Trump (2020): Três gerações que criaram um império baseado em ideias de pureza racial
Atualizado em 13/10/21
Diferente da imagem que construiu para si de “self made-man”, brincalhão, extrovertido e que sabe lidar com a cultura popular, Trump que ainda parece o principal candidato do partido Republicano para 2024, sempre foi um playboy rico, frustrado e paranoico com a própria imagem. Seu sucesso político e sua riqueza estão muito mais associados a golpes dados utilizando brechas legais e contratuais. Seu status polemista e de descolado foi muito bem construído junto aos tabloids e revistas, que ele manipulou bem ao longo dos anos. Mas é tudo fachada
Trump já afirmou diversas vezes em entrevistas: “não gosto de
falar do passado”. Mas há pouco tempo, o canal History Channel
produziu um documentário em três partes, com uma 1h de duração
cada parte, chamado “A Vida de Donald Trump”. O documentário é
interessante pois diferente do que todos já conhecem de Trump e as
eleições em 2016, pouco se fala sobre seu passado. Assistindo,
percebi o quanto sabemos pouco sobre quem de fato é Donald Trump e
isso revela muito sobre a espetacularização de nossa sociedade, no dizer de Guy Debord, e
sua cultura da celebridade. Apesar do documentário por vezes reificar Trump como grande persona, às portas de uma candidatura a reeleição,
acho interessante entendermos melhor porque Trump, apesar de
enfadonho, consegue ter algum tipo de adesão dos eleitores
americanos por um carisma e poder com origens familiares e históricas
mais profundas.
Para começar, grande parte da riqueza de Trump é vinda de seu avô
e de seu pai. Gwenda Blair, autora do livro “The Trumps: Tree
Gemerations That Build an Empire” de 2000, mostra como seu avô,
Friderich Trump veio da Alemanha, onde trabalhava em uma vinícola,
para os Estados Unidos em 1885, aportando em Nova York. Frederich
Trump nasceu em Kallstadt, na Baviera, então Império Alemão.
Depois disso, motivado pela “Corrida do Ouro”, foi para o
nordeste de Seatle, em uma cidade conhecida como Montecristo. As
operações de busca do ouro nessa cidade eram curiosamente financiadas por Rockfeller, o grande magnata e empresário. Nessa
época nos Estados Unidos, tudo que você precisava para se tornar
dono de uma terra e proprietário era encontrar ouro ou prata nela e
declarar ao Estado americano. No caso do avô de Trump, ele
falsificou documentos afirmando que havia encontrado ouro quando
nunca havia cavado sequer um buraco. Ele declarou o espaço ao Estado americano, e com as terras adquiridas construiu um hotel que tinha
como objetivo abrigar os mineiros e viajantes que passavam pela
cidade, aproveitando a tendência para fazer um negócio. Em sua
hospedagem ele oferecia boa comida, roupas e além de “quartos
para moças”, um código da época para prostitutas, parte dos
negócios da hospedagem.
Em
1887, Yukon começou ter um boom de descoberta de ouro, e como isso
era bom paras negócios de Friederich, decidiu viajar para lá até
Dawson City. A viagem era dura, feita a pé, atravessando montanhas
com uma multidão, formando uma fila indiana. Friederich fez seu
negócio então em uma região acidentada, conhecida por ser um
cemitério de cavalos que morriam na trajetória. Ao longo de toda a
estrada, construiu uma série de restaurantes em tendas, que
alimentavam os viajantes como uma espécie de foodtrucks do passado,
servindo hambúrgueres de cavalo aos viajantes. Dawson era
estratégico, pois era por onde todos os mineiros deveriam passar
para trabalhar. A imprensa da época falava bem de sua comida. Com a
vinda da linha ferroviária, Friederich colocou seu hotel e seu
restaurante em uma balsa, e os transportou para White Horse, cidade
que receberia a linha de trem. Lá montou o White Horse Hotel, antes
mesmo que o trem começasse a passar, sendo o primeiro a ter um hotel
na cidade, o que foi vantajoso economicamente para Friederich.
Seu
filho, “Fred” Trump, pai de Trump, era mais visionário, e
investiu o dinheiro conquistado pelo pai para o ramo imobiliário. O
pai de Trump, viu que o lugar ideal para começar seu negócio era o
Queens, se valendo da construção de pontes para os subúrbios de
Nova York, visando a construção de casas para pessoas populares,
construindo-as da maneira mais barata possível. Foi nesse momento
que os negócios da família Trump passaram de bem-sucedidos e ricos,
para empreendimentos milionários e corporativos, levando a fundação
da FHA, empresa do ramo imobiliário.
Em
uma família de 5 filhos, Trump era apenas o filho do meio e seu pai
deu uma educação bruta e voltada aos negócios para os seus filhos.
Dizia aos seus filhos homens: “vocês são assassinos e reis”.
Segundo Michael D'Antônio, autor de “The Truth About Trump”, há
um mito na família de Trump onde eles se consideram “superiores
geneticamente e racialmente”.
Donald
Trump vivia a sombra de seu irmão mais velho e favorito de seu pai,
também chamado de Fred. Fred era o mais cotado para herdar os
negócios do pai, enquanto Donald só chamava atenção dos pais
pelos problemas que dava. Se comportava mal na escola, e inspirado na peça e filme “West Side
History”, comprou um canivete, o que fez seu pai o matricular em uma
escola militar. Foi um período duro na vida do jovem Donald, criado
em uma casa de elite, com conforto, comida e cama quente, passando a
um dormitório, tarefas e castigos físicos dos superiores e alunos
veteranos.
Anos
depois, seu irmão Fred contrariou seu pai nos negócios, o que fez
Donald se aproximar da administração dos negócios do pai. Nesse
período, final dos anos 70 e início dos anos 80, sua empresa e do
pai foi processada pelo governo americano por fazer esquemas de
contratos desvantajosos para pessoas negras que buscavam alugar suas
casas. Contratos de pessoas negras que tentavam alugar casas na
chamada “Trump Village”, tinham a letra “B” de “Black”
marcadas no contrato. Trump foi a julgamento e fez um acordo para
conseguir silenciar o caso. Foi nesse mesmo período que Trump, dada
a má imagem de sua empresa com o caso, decidiu transferir os
negócios para Manhattan, e lá começou a construir sua imagem de
“playboy” do ramo imobiliário.
De
construção de casas, Donald Trump começou a transferir o negócio
para compra de edifícios para aluguel de salas e escritórios
comerciais. Através de diversas jogadas e armações em fechamentos
de contratos, que jogavam bancos contra prefeituras em questões de
taxas e créditos, Donald começou a transferir os negócios da
família do ramo imobiliário de casas populares, em uma pirâmide
corporativa ligada ao mercado financeiro. As polêmicas sobre
contratos adulterados tomavam os jornais, e isso dava mais
repercussão a Trump na mídia como jogador feroz no ramo dos
negócios. É assim que vai construir a sua “Trump Tower”.
A
prefeitura de Nova York lançou um edital para isenção fiscal de
construção de imóveis, e Trump inscreveu seu projeto no edital.
Trump era a favor de isenções concedidas pelo Estado, indo contra a
ideia de livre mercado defendida hoje por ele e seus apoiadores. Só
que seu projeto foi recusado por se tratar de um hotel voltado a
construir apartamentos de luxo. O caso deu muita mídia a Trump na
época, fazendo-o aparecer na televisão com discurso radical, controverso e
que atacava os jornalistas, desde os anos 80.
Ele
construiu a Trump Tower mesmo sem isenção, e os trabalhadores da
construção dizem que não recebiam bons salários e alguns dizem
ter sido pagos apenas com vodca pelos trabalhos na obra. Trump sempre
foi bom com rituais. Quando a obra foi terminada, Trump fez uma
grande festa de comemoração e lá estava a mídia dando cobertura a
ele, pois era visto como um empresário fazendo crescer o ramo de
negócios e comércio em Nova Iorque.
Império
construído, Trump passou a construção de sua imagem. Frequentava
as principais boates americanas, saía com modelos e gastava milhares
de dólares em apenas uma noite para construir uma imagem descolada
como status social. Então casou pela primeira vez, com Ivana Trump,
uma moça de família vinda da Tchecoslováquia comunista. Os
dois passaram a frequentar todas as festas da socialite e da elite
novaiorquina, saindo em tabloids e revistas da época como um
empresário de negócios bem-sucedidos e descolado.
É
claro, como seu pai, Donald Trump teve ajuda do governo para manter e
expandir sua riqueza, e foi assim que apoiou a candidatura de Ronald
Reagan, foi a convenções do Partido Republicano e foi apoiado em
seus negócios pela linha econômica seguida pela administração
Reagan. Trump construiu cassinos em Atlantic City, o Trump Plaza e o Trump Castle, quando a cidade decidiu legalizar a jogatina para
melhorar as receitas públicas. Trump organizou lutas de box em seus
cassinos, onde foram artistas como Joe Perry do Aerosmith, Mike
Tyson, Jack Nicholson e outros, atraindo mais mídia e sendo
celebrado pelos jornais e revistas mais uma vez. Trump chegou até
mesmo a lançar um livro, “Art of the Deal” em 1987, um
livro de dicas de negócios para investidores e empresários. Porém,
logo no início dos anos 90, a maré mudou e investidores começaram
a se retirar de suas empreitadas. Isso fez com que Trump começasse a
dever aos bancos e a ser cobrado por eles. Por exemplo, o banco
cobrou uma hipoteca que tinha como garantia o iate de Donald Trump.
Donald decidiu então entregar o barco ao banco, que ficou
impressionado pois não sabiam o que fazer com um barco, e decidiram fazer
um acordo com Donald. Assim foi que Trump percebeu que ele não teria
como falir, pois seu dinheiro era tanto que o seu status o
impediam de falir, permitindo-o sempre fazer acordos.
Então
que Trump, durante os anos 90, ele transformou suas empresas em públicas com a intenção de poder falir essas empresas de
propósito. Contratos muito bem amarrados garantiam o lucro de Trump
e a falência dos investidores, quebrando pequenas empreiteiras, e
garantindo que Trump pudesse perder empresas mas manter a fortuna
declarando falência de suas empresas.
Foi
dessa maneira que Trump e sua família construíram seu poder e
riqueza para então chegar a política e presidência da república:
sem mérito. Trump não é um empresário, liberal e capitalista de sucesso. Sua família sempre aproveitou iniciativas estatais dos
Estados Unidos para criar e expandir seus negócios, muitas das vezes
com fraudes, como a feita por seu avô para construir seu primeiro
hotel, e com jogadas contratuais que passavam pessoas e parceiros
para trás.
Diferente da imagem que construiu para si de “self
made-man”, brincalhão, extrovertido e que sabe lidar com a cultura
popular, Trump que ainda parece o principal candidato do partido Republicano para 2024, sempre foi um playboy rico. Seu sucesso político e
sua riqueza estão muito mais associados a golpes dados utilizando
brechas legais e contratuais. Seu status polemista e de descolado foi
muito bem construído junto aos tabloids e revistas, que ele
manipulou bem ao longo dos anos. Mas tudo é fachada, e seus
apoiadores e eleitores talvez devessem pensar para próxima eleição:
“será que estou defendendo realmente um empresário bem-sucedido,
liberal e meritocrata ou apenas alguém rico e dissimulado e que
corrompe o Estado como o pior dos Democratas que ele tanto critica?”.
A mesma coisa serve para refletir sobre como Bolsonaro se elegeu no Brasil, fazendo um discurso onde se apresentava como candidato popular e com muitas mentiras, mas nunca fez questão de esconder sua boa relação com um playboy rico como Trump. Muito pelo contrário, sempre exibiram a amizade. Mas então onde está a meritocracia que Bolsonaro tanto prega? Fica a reflexão.
O documentário "A Vida de Donald Trump" estava grátis no canal do History do Youtube, mas infelizmente não está mais. Vocês só podem ver no History 2. Tem também uma série na Netflix, "Trump: Um Sonho Americano" que vale bastante a pena. Para saber mais tem esse documentário que também é bom:
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