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Hunters - A Caçada (2020): Baseada na historia real do cientista nazista Wernher von Braun que trabalhou para a NASA, série é uma grande decepção

                           



         
Na trama há centenas de oficiais de alto escalão nazistas na cidade de Nova York, em 1977, e que estão conspirando para criar um Quarto Reich nos Estados Unidos. A série acompanha o grupo de caçadores de nazistas liderados por Al Pacino. Uma surpresa no início, tem momentos eletrizantes no meio, mas final é polêmico.

 Hunters foi a surpresa de 2020. A série produzida pela plataforma de streaming da Amazon, apresenta a proposta diferenciada de  trazer os nazistas direto do conflito da Segunda Guerra Mundial até 1977, quando se passa a trama. Em uma encenação pulp, com estilo de quadrinho e influencia de exploitation, a trama explora a hipótese de cientistas, engenheiros e outros nazistas sobreviventes à guerra, terem vindo para os Estados Unidos e viverem entre nós como pessoas normais. 



               
Conspiratória, a produção tem poucos nomes conhecidos, sendo Al Pacino o mais conhecido deles. Ele interpreta Meyer Offerman, um velho judeu sobrevivente ao holocausto. 

            
Acompanhamos a perspectiva de Jonah, jovem fã de quadrinhos e filmes de super heróis, que vende drogas para completar o orçamento. Ele mora com a sua avó e pensa em fazer faculdade, mas elas são pagas nos EUA e ele não possui dinheiro suficiente. Mas um dia, um assassino anônimo entra em sua casa e mata sua avó, sem que ele consiga nem ver o rosto do assassino que some na escuridão. 



                        
No velório de sua avó, ele conhece Meyer Offerman mas só entra para seu grupo quando é preso pela polícia ao tentar oferecer drogas para a gangue do seu bairro para que encontrassem o assassino de sua avó. Offerman paga a fiança e manda um motorista para levá-lo da delegacia direto para sua mansão, onde ele apresenta o passado do conflito entre judeus e nazistas, em uma metáfora macabra com um jogo de xadrez. 




                 
Sim, eu disse grupo. Ao estilo professor Xavier, Offerman coordena um grupo de "Caçadores" de nazistas, formados em sua maioria por judeus mas tendo também uma moça negra, Roxy, e um homem oriental, Joe, que não fica claro se é chinês ou vietnamita. Isso dá ao grupo um ar de "Xmens comunista". Muitas das vezes os personagens se perguntam como os governantes e políticos americanos permitiram que nazistas andassem livremente pela América. E a resposta vêm quando se apresenta quem são as pessoas que os nazistas perseguem: comunistas, judeus e gays. O macartismo da América ajudou nisso. 

                 
Há também a personagem da policial Millie Morris, que é negra e lésbica. Tentativa identitária de representatividade, ela acaba agindo como personagem que representa o "centro" político, reguladora da guerra entre caçadores e nazistas. Porém, ela acaba agindo como o personagem mais contraditório da trama. Se repararmos, na introdução da série onde se apresenta um tabuleiro de xadrez dividido entre os Caçadores e os nazi, o boneco da policial está posicionado do lado dos nazi, e isso faz todo sentido ao longo da série. Ela descobre que os nazi estão envolvidos na trama, desde a NASA, mas quem ela de fato prende na série é Meyer Offerman. 




Ela só fica do lado dos Caçadores quando acontece uma crise maior que tenta destruir toda a cidade, na noite conhecida como "a Caçada". Mas no fim das contas seu personagem serve para provar que entre os nazi e a resistência dos caçadores, o melhor é o judiciário, a policia e o Estado. Mas se for assim como que os nazi vieram para América? Assim, o enredo da policial é contraditório e hipócrita, que tenta provar que a "justiça é maior" mas isso não acontece de fato por uma série de acontecimentos da história que incluem seu chefe na polícia ser amigo dos nazistas e o final trágico da série.



                  
Confesso que gostei bastante da ideia da trama. Um grupo de caçadores de nazistas. que possuem esconderijos que vão da NASA até a gabinete da presidência da república, que na época era do presidente Carter. 


A narrativa tem fundos de verdade, se inspirando na história do engenheiro Wernher von Braun. A BBC falou do caso de Wernher em 2016, contando como o engenheiro e cientista de Hitler apresentou o programa Man In Space, série de televisão produzida por Walt Disney. 


Com "camundongos animados, princesas em perigo ou cervos órfãos, e até uma", o engenheiro apresentava a imagem sobre o futuro da exploração espacial, em perspectiva que interessava à NASA. Ele chegou até mesmo a conhecer Kennedy, havendo fotos dos dois juntos. Só que 10 anos antes, Wernher von Braun estava no comando do programa de mísseis de Hitler. 


O verdadeiro Wernher von Braun em seu programa de televisão


Alguns podem considerar a série violenta, já que os Caçadores são à favor da tese de que devemos ser fascistas com os fascistas, tendo momentos bem gráficos. Mas ao mesmo tempo eles sempre tentam apresentar as provas e ouvir a versão dos nazistas para saber se realmente são as pessoas certas. Só que isso as vezes descamba para a tortura brutal, passando por torturar um nazista com o som, a fazer uma nazista comer fezes.

                        
Offerman, o grande líder do grupo, é construído por Al Pacino de modo genial. Obscuro e traumatizado pelas experiências do holocausto, ele sempre possui lições sobre a moral e a ética das interações sociais. Sua linguagem corporal de bom velhinho paternal, combinada com um personagem litúrgico e calculista por trauma e lutas, fazem Offerman quase uma figura de liderança política dentro da série. Ele é o líder motivacional, onde todos do grupo de certa forma se espelham nele, e Jonah como o membro mais jovem é o que mais fica exposto a influência de Offerman. 

    
Existem muitos momentos marcantes na série, onde a história é dirigida de uma maneira muito empolgante, que não deixa nunca a trama da história morrer. A cena que toca The End do The Doors, no nono episódio, é eletrizante. 

               
 Porém, é aqui que tudo acaba. E aqui terei que dar um spoiler para explicar o fato de a série ter se tornado uma grande decepção para mim. Acontece que na seasson finale da série um plot twist jogou toda a narrativa pro ar, invertendo a lógica, parecendo que a série sofreu uma intervenção para que fosse menos ideológica, afinal atacar os nazistas pode irritar muitos membros da mídia americana. E agora vêm o SPOILER: Offerman na verdade era também um médico nazista escondido, e o verdadeiro Meyer havia morrido há anos no campo de concentração. Sim, isso mesmo, e Jonah ao descobrir isso tem uma crise moral e o mata, onde a metáfora parece o momento de frustração com o líder populista. O problema é que isso não faz o menor sentido.

            
Offerman sempre se apresentou como um homem de paz e construtivista. A escolha de Al Pacino, sendo o único ator realmente famoso do elenco, é a carta de apresentação da série, sendo como muitos espectadores vão chegar até ela. E então a produção pega o ator pelo qual todos estão vendo a série, chamam ele de traidor, apresentam que ele não era quem era e o matam, seguido de uma cena ridícula e pretensiosa a qual Jonah diz que vai assumir o lugar de Offerman, pois ainda ainda há muitos nazistas a se caçar, tentando criar um gancho para a segunda temporada. Porém isso é impossível, pois a série se enterrou morreu, acabou ao matar Offerman, pois a quebra de seu caráter, relacionando isso com o nazismo e extremismo racial, faz com que seja impossível acreditar na causa dos Caçadores. 
       
                       
Fora isso, é um insulto ao espectador e a comunidade judáica, como se quisesse atingir o próprio público que quiseram atrair inicialmente. Não fomos nós que pedimos para gostar do Offerman, foi a série que colocou Al Pacino para interpretá-lo, sabendo ser a estrela da produção. E mais, tocaram na questão do totalitarismo, criaram toda uma estrutura de reparação histórica, onde finalmente veríamos a revanche histórica dos judeus contra os nazistas, que nunca existiu. 


Então, a série relativiza tudo, dizendo que quem era judeu na verdade era nazista e quem era nazista era judeu. Tudo errado. Basta que tentemos imaginar como contaríamos esta versão da história para um sobrevivente do holocausto para notarmos como ela é absurda. Não suficiente, ainda somos levados à uma cena final non sense, que mostra que a Coronel dos nazi, principal vilã, sobreviveu e está na Argentina em um chá com ninguém menos que Hitler, que está vivo em uma cena ridícula e caricata. Assim como sobreviveu o principal assassino dos nazi, que na cadeia começa uma rebelião para fugir. Teoria da conspiração pura, que explica porque o Museu de Auschwitz criticou a série. Com essa falha de caráter não há como a série vingar, tornando-a uma triste decepção que vai ficar esquecida na memória.

                               
O ridículo Hitler da série
                                      


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