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Yesterday (2019): Filme pergunta, e se os Beatles nunca tivessem existido?

   
      Mais novo longa do britânico Danny Boyle, diretor de clássicos como Transpotting, Quem quer ser um milionário e 127 horas; Yesterday é um filme que aproveita a era das teorias da conspiração para lançar uma trama do gênero: e se os Beatles nunca tivessem existido?

       Sargento Pimenta e a banda dos corações solitários? Vivemos em tempos curiosos. A velocidade e superconexão da internet permite uma onipresença. Isso dá a sensação de que se alguma dessas referências desaparecer das redes, essa coisa pode deixar de existir. Essa é a ideia explorada pelo filme Yesterday (2019).

        Sendo o mais novo longa do britânico Danny Boyle, diretor de clássicos como Transpotting, 28 Days Later, Quem quer ser um milionário e 127 horas, Yesterday é um filme que aproveita a era das teorias da conspiração para lançar uma trama do gênero: e se os Beatles nunca tivessem existido? Essa ideia parece inspirada na teoria da conspiração que diz que Paul McCartney teria morrido em um acidente de moto nos anos 60 e sendo substituído por outra pessoa nos álbuns posteriores. A tese é tão embasada que existe até análise de capas dos discos, como a capa de Sgt. Pepper parecer um velório, o Yellow Submarine parecer um caixão e no Abbey Road, Paul segura o cigarro com a mão direita quando ele é canhoto.

        O filme parece ter aproveitado esse universo das conspirações sobre famosos na internet, para trazer as telas a história de Jack Malik, cantor e compositor de barzinho. Na trama, Jack é um cantor que ainda não é famoso e está passando por maus bocados na vida pessoal e também financeiramente. Jack pensa constantemente em abandonar a música, e sua única apoiadora real é sua empresária e amiga, Ellie. Ele ganha a vida trabalhando como repositor de estoque em um mercado. Seus pais e amigos até o apoiam em ser músico, mas não levam tanta fé no sucesso de Jack, e por isso parece que eles nunca estão prestando muita atenção em suas músicas. Sua única música realmente “conhecida” é “Summer Song”, que é a música constantemente pedida por seus pais e amigos, afinal é sua única música.

        Depois de um show frustrado em um festival onde pensou que seria um sucesso, Jack está voltando para casa de bicicleta e acontece um apagão mundial, e durante a escuridão repentina da rua ele não vê o ônibus se aproximando e atingido em cheio, sendo arremessado longe. Quando acorda no hospital, Jack está com ferimentos no rosto e pelo corpo e perdeu alguns dentes. 

Momento em que Jack é atropelado por um ônibus

      Logo após alguns diálogos com os amigos ele percebe que o quê parece impossível acontece: no apagão e acidente os Beatles deixaram de existir. Jack vai para casa, procura no Google e não encontra nada sobre os Beatles. Junto com eles outras coisas deixaram de existir também, como o Oasis, uma piada pronta do filme. Outras coisas ligadas a cultura jovem e de massa também, como a Coca Cola, cigarros e etc. Ou seja, toda a cultura dos “Baby Boomers”, como se nunca tivesse tido o boom da cultura jovem do pós-guerra deixou de existir.




         Jack então vê sua oportunidade de ouro: regravar todas as músicas dos Beatles que ele lembra como se fossem deles. Ele passa a reescrevê-las e grava um EP com elas, distribuindo-o em seu emprego para os clientes e outras pessoas, o quê faz com que em pouco tempo apareça na televisão local, mesmo que com tom jocoso. De primeira, a ideia não dá muito certo, pois por mais que as músicas sejam os clássicos dos Beatles, as pessoas estão dispersas demais com a internet e seus próprios gostos e vidas que não dão muita atenção. O espírito coletivista, de trabalho em grupo, que marcou os Beatles, deixou de existir e as pessoas estão individualistas.

       A metáfora aos tempos atuais é perfeita, fazendo-nos questionar se os Beatles realmente nunca existiram ou se as pessoas apenas não lembram mais deles. Jack então é descoberto por Ed Sheeran, que vai a sua casa e quer produzi-lo. A piada é que seus pais tratam Sheeran como se fosse qualquer amigo de Jack: eles não o conhecem, trazendo a piada de que os músicos famosos de hoje em dia são desconhecidos. É engraçado também por quê Sheeran já foi processado por plágio, e é isso que Jack está fazendo com os Beatles.

       Na verdade, a mensagem saudosista do filme é justamente que hoje em dia, com celulares e computadores, talvez os Beatles não fizessem o mesmo sucesso do que em sua época. Quando surgem outras duas pessoas que lembram dos Beatles em uma coletiva de imprensa, eles perguntam sobre a existência dos Beatles, bem na frente de todos os jornalistas, o quê nos sugere que todos sabem que as músicas de Jack não são deles. Mas como a lembrança dos Beatles é distante eles curtem mesmo assim, tal como uma memória seletiva. Isso dá a entender que na cultura da celebridade vale mais a produção do que o conteúdo das músicas. Se tiver alguém produzido no palco, o público vai ver e logo ele fará sucesso. Assim o filme passa a ideia de que hoje em dia é melhor ser desconhecido e ter uma vida em paz e feliz, do que ter que lidar com a responsabilidade e pressão do sucesso.

        No final, Jack fala toda a verdade ao público durante um show. E reforçando a ideia de que todos sabiam e não ligavam, eles continuam gostando de Jack. Então Jack diz que subirá todas músicas dos Beatles para download grátis na internet. Isso é um recado: Beatles deveria virar domínio público em breve. Talvez isso explique por quê sir Paul McCartney, detentor dos direitos dos Beatles, disse que não gostou o filme.

          Yesterday é um filme divertido, com uma montagem de videoclipe ou show de rock, trazendo um dinamismo musical as cenas, estética que está bem popular nos últimos tempos por causa dos filmes de banda que vêm sendo lançados, como do Queen. Um tanto quanto saudosista e talvez por isso tenha sido esquecido pelo Oscar. A fotografia e a direção parecem estar em uma simbiose muito bem orquestrada, onde as cenas combinam muito bem com o processo de redescoberta das músicas dos Beatles. Se você não for fã de Beatles talvez não goste do filme, pois ele é voltado em grande parte para explorar as músicas como se descobríssemos elas pela primeira vez, muito provavelmente com a intenção de apresentar a banda para novas gerações através do filme. Mas uma coisa é certa: um mundo sem os Beatles é um mundo muito pior. 



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