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Faixa Vermelha 7000 (1965): A história da NASCAR e da automobilística são o foco em divertido filme de Howard Hawks



Mike Marsh (James Caan) e Jim Loomis são dois pilotos de corrida na equipe de Pat Cassarian. Jim aguarda sua noiva Holly, mas antes de sua chegada um acidente acontece. Ned Arp, um jovem, talentoso e ambicioso piloto se junta ao time e seduz Julie, a irmã de Pat. O terceiro membro da equipe é o mulherengo Dan McCall que traz de Paris sua namorada Gabrielle, que despertará o interesse de Mike. Dirigido por Howard Hawks, é considerado um dos filmes mais criativos e bem regidos da longa carreira do prolífico diretor, marcando a forma e o estilo das coberturas automobilísticas no jornalismo e na televisão


O filme começa com uma equipe de corrida dirigida por Pat Kazarian começa com dois pilotos, Mike Marsh e Jim Loomis, mas um acidente em Daytona resulta na morte de Jim. Sua namorada Holly McGregor chega tarde demais para a corrida e se sente culpada por não estar lá.


Um jovem piloto, Ned Arp, se junta à equipe e também faz uma jogada para a irmã de Kazarian, Julie. Um terceiro motorista, Dan McCall, chega da França e traz a namorada Gabrielle Queneau, mas logo desenvolve um interesse romântico por Holly.


Arp fica gravemente ferido em um acidente, perdendo uma mão. Mike, por sua vez, não liga para os modos de Dan com as mulheres e tenta tirá-lo da pista em uma corrida, mas Dan sobrevive. Ele e Holly acabam juntos, mas Mike é consolado por Gabrielle.





História por trás do filme


A partir da década de 1920, Daytona Beach foi um lugar de grandes corridas de stock cars nos Estados Unidos, essas corridas consistiam no uso de carros originais sem nenhum tipo de modificação para corridas, sendo altamente populares nas regiões do interior dos Estados Unidos, especialmente no estado da Carolina do Norte, as corridas também eram associadas a venda ilegal de bebidas alcoólicas durante a lei seca. Carros de contrabandistas de bebidas alcoólicas ilegais tinham seus motores modificados para facilitar a fuga da polícia, o que deu origem às corridas como forma de diversão nos momentos em que seus motoristas não estavam utilizando esses veículos para o transporte de álcool.


A NASCAR foi fundada em 21 de fevereiro de 1948 por William France e Ed Otto. Antes dessa data, William já organizava corridas que envolviam carros normais de passeio modificados em busca de maior potência e velocidade. A criação da associação foi necessária para padronizar as regras buscando um crescimento desse tipo de competição.




A primeira prova disputada pela NASCAR aconteceu no circuito de terra do Charlotte Speedway na Carolina do Norte em 19 de Junho de 1949. Nesse primeiro ano de competição a categoria teve 8 etapas e foi chamada de Strictly Stock correndo apenas com carros originais de fábrica sem modificações. Em seu segundo ano de atividade, a categoria passou a se chamar Grand National e durante essa década de 1950, foram permitidos modificações nos carros que trouxessem performance e segurança.


Nesses primórdios da NASCAR, os circuitos possuíam uma extensão variando entre 800 e 1 600 metros, a exceção ficava para o circuito de Darlington construído em 1950 com 2 200 metros, sendo na época o mais rápidos dentre os utilizados. Quase todas as etapas eram realizadas no sudeste americano por causa dos altos custos de transporte dos carros por longas distância na época.




A Daytona 500 é considerada a corrida mais importante e prestigiosa do calendário da NASCAR, levando de longe a maior premiação. A corrida serve como evento final da Speedweeks e também é conhecida como "The Great American Race" ou " Super Bowl of Stock Car Racing". Desde o seu início, a corrida foi realizada em meados de fevereiro. De 1971 a 2011, e novamente desde 2018, o evento esteve associado ao fim de semana do Dia dos Presidentes, que ocorre no domingo antes da terceira segunda-feira de fevereiro. Em oito ocasiões, a corrida foi disputada no Dia dos Namorados. Desde 1997, o vencedor do Daytona 500 foi presenteado com o Harley J. Earl Trophy em Victory Lane, e o carro vencedor é exibido na condição de vencedor da corrida por um ano no Daytona 500 Experience, um museu e galeria adjacente ao Daytona International Speedway.


Na Daytona 500 de 1960, logo na primeira volta, houve uma colisão entre 37 dos 68 carros que estavam na prova, os carros rodam, depois baterem uns aos outros e alguns chegam até a capotar. Os capotamentos ocorrem após batidas em outros carros ou subidas de ré (isso ocorreu com um carro dos anos 1940 que bateu em outro carro da mesma época), até hoje é considerado um dos maiores acidentes da história do automobilismo, junto com a tragédia de Le Mans em 1955. 


O desastre de Le Mans em 1955 foi um acidente durante a corrida automobilística 24 Horas de Le Mans, em 11 de junho de 1955. Os carros envolvidos no acidente atingiram vários espectadores, matando mais de 80 deles, além do piloto francês Pierre Levegh. Este acidente é considerado como o pior acidente da história do automobilismo. Após os anos 60, a NASCAR começou a fazer modificações na categoria para melhorar a sua segurança. Na metade dos anos 60, os carros passaram a ser construídos especificamente para as corridas.




As atenções para o esporte começaram a crescer quando montadoras de veículos passaram a utilizar a categoria para promover a venda de seus carros, entre essas empresas estavam a Ford, a Chevrolet e a Chrysler que ajudavam nos custos das equipes participantes. Muitas equipes e pilotos passaram a viver inteiramente do automobilismo.


A NASCAR realizou grandes mudanças em sua estrutura no início da década de 1970 com o patrocínio da empresa de tabaco RJR mudando o nome da sua principal divisão para Winston Cup, as mudanças tomaram forma no sistema de pontuação e maior premiação aos pilotos e equipes. Algumas provas passaram a ser parcialmente transmitidas por programas esportivos da rede ABC. Esses fatos deram início à era moderna da NASCAR.


A primeira transmissão de uma prova completa e ao vivo ocorreu em 1979 nas 500 milhas de Daytona. Realizada pela CBS, essa prova em seu final ocasionou uma briga entre pilotos que se envolveram em um acidente. Esses fatos criaram uma aura de drama e emoção em torno da NASCAR aumentando sua procura tanto por espectadores e anunciantes.


Como destaque, o filme contém o aparecimento de um Shelby GT-350 1965, correndo na pista:





E um dos personagens dirige um Cobra Daytona Coupe. Para os entusiastas de Shelby, este é um dos poucos filmes em que eles apareceram. O carro usado no filme é Chassis #CSX2601, o quarto dos seis coupes construídos. Na vida real, este carro participou de oito corridas da FIA em 1965 (Daytona, Sebring, Monza, Spa, Nürburgring, LeMans, Reims, Enna) e ganhou quatro vezes na classe GT III (Monza, Nürburgring, Reims, Enna). Depois do filme, ele foi comprado por um dos pilotos que o pilotaram, Bob Bondurant. Bondurant o vendeu em 1969.




O filme foi baseado em uma ideia original de Howard Hawks, embora o roteiro tenha sido escrito por George Kirgo. Hawks disse que o filme apresentaria "três histórias de amor quentes e antiquadas sobre esses pilotos e suas garotas. Eles têm seu próprio código. Eles brincam com o perigo. Eles não são caras durões, mas falam muito mal. A imagem terá uma espécie de sentimento de guerra: na noite de sexta-feira, uma menina não sabe se um menino ainda estará vivo na noite de sábado.


Hawks disse que originalmente queria contar apenas uma história, mas então "de repente me dei conta. 'Isso é muito preenchimento'. Hoje o público está muito à frente de nós. Então, acrescentei mais duas histórias e agora contamos muito mais em algumas cenas sem ter que conduzi-las passo a passo. Em outras palavras, despojado de todos os elementos não essenciais. "Hawks disse que em seu filme" você não liga para quem ganha a corrida; são as pessoas que contar."


Howard Hawks teve sucesso descobrindo estrelas no passado (Lauren Bacall, Carole Lombard, George Raft) e decidiu lançar o filme com seis estreantes, mais Charlene Holt e Norman Alden. Ele disse que demorou cinco meses para lançá-los. Os seis recém-chegados foram Gail Hire, Mariana Hill, Laura Devon, James Ward, John Crawford e James Caan (embora Caan estivesse em Lady in a Cage). Howard Hawks considerou escalar Paul Mantee, que havia feito Robinson Crusoe em Marte da Paramount, para o papel principal, mas escolheu outra estrela da Paramount, James Caan. 


Carol Connors foi uma cantora que vendeu mais de 8 milhões de discos. Ela escreveu duas canções para o filme: "Wildcat Jones" e "Prudence Pim of the PTA". 


George Takei aparece em um papel coadjuvante um ano antes de sua performance em Star Trek. Teri Garr parece não ter sido creditado como dançarina go-go em uma boate.


As filmagens começaram em janeiro de 1965. O piloto da NASCAR, Larry Frank, ajudou a filmar o filme permitindo que a equipe de filmagem montasse câmeras em seu carro. Mais tarde, Frank dirigiu o carro-câmera em uma corrida da NASCAR.


O filme apresenta faixas como Daytona International Speedway, Darlington Raceway e Atlanta Motor Speedway. Neste filme, ele apresenta muitos acidentes da temporada, incluindo o violento acidente de A. J. Foyt no Riverside International Raceway no início do ano. Os carros com câmera foram fornecidos pela empresa Ford e participaram de uma corrida regular com um piloto regular. "Estamos tentando dar a sensação do que significa ir tão rápido - 170 mph - em um carro."





Leitura do filme


Esse deve ser um dos filmes mais criativos e diferentes de Hawks. Somos levados a uma aventura no mundo e na história do automobilismo, com planos muitos criativos e técnicas de filmagem que parecem ter estabelecido a linguagem padrão de como se cobrir e televisionar as corridas, sejam de stock car, formula 1 ou outros. 


O plano geral cobrindo os carros, a câmera de dentro do carro, o pit stop, a narração em over amarrando tudo que está acontecendo na tela a uma narrativa fácil de compreender para todos. Estão aqui vários elementos empregados até hoje na cobertura das corridas. Isso nos faz pensar o quanto o cinema, ao se inspirar e retratar certos universos como do esporte, inspirou certo elementos da cobertura midiática e da cultura pop.


Entretanto, Hawks tinha seu próprio estilo de fazer cinema, e obviamente não perderia de transformar um filme sobre automobilismo, em uma grande screwball comedy sobre sexualidade, a fragilidade masculina, o ego e a visão das mulheres desse universo.


Primeiro, um dos homens da trama utiliza seu carisma para conquistar as mulheres, as usa e depois a descarta. Já o outro, é apaixonado por uma francesa de "má reputação", e mesmo gostando de fato dela, não consegue esquecer que ela não é mais virgem, boicotando o romance. Depois, pela disputa masculina um deles sofre um acidente e fica mutilado, mas eles encaram isso como se não fosse nada. 


Do outro lado, as mulheres aproveitam esse universo das corridas para se darem bem, afinal é um esporte que movimenta muita grana como shows, apostas e tudo mais. De certa forma, Hawks está propondo que esse universo das corridas e do "melhor homem" é mais feminino e vantajoso para as mulheres do que para os homens. Enquanto elas entendem aquilo como uma cultura e uma indústria a ser explorada, para os homens sobra o papel de se colocar em risco de morte, como um herói grego, para manter o animo das massas. 


O automobilismo é mostrado como o pão e circo perfeito por Hawks, pois dentro dessa lógica do "melhor" é mais fácil de explorar as pessoas sem elas perceberem: o mito da meritocracia. Aqui as corridas se tornam uma boa metáfora da visão capitalista de democracia, onde o melhor deve vencer mesmo que os outros percam suas vidas. A visão suicida do "jogo" é naturalizada, e no final os corredores já aceitam naturalmente seu destino, como se não houvesse opção ou final feliz. As mulheres, aceitam essa condição masculina e se tornam cínicas, aproveitando elas mesmas desse universo imposto das corridas, aproveitando para ganhar liberdade e ficando com os espólios. A parte onde Gabrielle aprende a dirigir é uma boa alegoria do clima de liberação feminina da época, bem capturado por Hawks ao longo do filme em vários outros momentos, como mostrar várias mulheres dirigindo diversos veículos ou trabalhando. Só direi que para os mais atentos nessa cena da corrida com o Shelby GT as falas do casal soam descontextualizadas, típico de uma screwball comedy.


As corridas servem como metáfora perfeita da democracia sendo dobrada pelo capitalismo e transformado em uma Roma moderna, onde as corridas são o Coliseu. No Brasil da época, era vigente o regime golpista militar, e não seria difícil de ouvir a defesa do regime pelo mito da eficiência e progresso industrial. A lógica do discurso do "mais preparado" e do "vencedor" do filme, são bem semelhantes a justificativa do golpismo do regime militar.


Em termos de técnica, o filme é um show visual. O design das roupas, a decoração dos ambientes, os penteados da época, os carros. Todo o filme é um show visual estético do universo das corridas. Há notavelmente um controle maior por parte de Hawks do que está dentro e fora de cada quadro do filme, levando esse a ser obviamente o filme com a direção mais perfeita e rigorosa de Hawks, que era um apaixonado por carros. As técnicas de filmagem já mencionadas, assim com os planos internos, dão ao filme um visual pulp único e maravilhoso. A trama deixa um pouco a desejar, e funciona quase como um pano de fundo trágico para justificar a narrativa. Serve como uma ironia, uma crítica, mas cativa pouco. Sendo um dos filmes de Hawks com o roteiro mais morno. Se você não gosta de filmes de corrida ou se interessa pela história da automobilística, não será a trama que fará você gostar, sendo melhor deixar passar esse filme então. Mas se você gosta de filmes clássicos, com diretores bons e temáticas diferenciadas, pode curtir bastante o filme, pois ele é divertido e nos apresenta um universo pouco explorado nos filmes. 


Este é um filme raro, então não sei onde está disponível. Consultem aqui 




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