El Dorado (1966): Visão escapista de Hawks substitui a violência bang bang pelo elemento da compreensão da dor através da sátira
Faroeste produzido e dirigido pelo experiente diretor Howard Hawks, e estrelando mais uma vez o astro do cinema John Wayne. Escrito pela famosa Leigh Bracket e foi baseado levemente no romance The Stars in Their Courses de Harry Brown. O filme começa quando Cole Thornton, experiente atirador que vem ajudar um antigo amigo, o agora xerife bêbado e maltrapilho interpretado por Robert Mitchum. Sendo o filme o segundo da 'trilogia espiritual' que começou com Onde Começa o Inferno (Rio Bravo, 1959). John Wayne interpreta Cole Thornton, agora atirador de aluguel que está para fazer um trabalho para Bart Jason, o antigo xerife local que se aposentou e deixou em seu lugar seu velho amigo bêbado xerife J.P. Harrah, que agora questiona Cole. O elenco foi composto por James Caan como um jogador jovem, como também Charlene Holt, Ed Asner, Paul Fix, Arthur Hunnicutt, Michele Carey como Joey e Christopher George.
O xerife maltrapilho J.P. Harrah veio para El Dorado para conversar com seu velho amigo, Cole Thornton, perguntando se ele estava trabalhando para Bart Jason, Harrah conta que Jason está tentando tirar a velha família MacDonald da terra deles.
Kevin MacDonald e sua família escuta sobre a chegada de Thornton e teme o pior. Seu filho mais jovem, Luke dorme na vigília e atira em Cole sem ver depois dele recusar o serviço privado que ia fazer como mercenário.
Cole atira em Luke que morre gerando grande comoção, e sua irmã, Joey, a filha Josephine do bando que atira em Cole para vingar o irmão e acaba acertando na mosca, o que deixa Cole com uma bala travada nas costas depois de Cole trazer o corpo de Luke e fica com a bala presa na espinha depois do tiro disparado por Joey. Maudi aqui é a continuação espiritual de Feathers de Rio Bravo (Onde Começa o Inferno), a figura da dona do Saloon (restaurante/bar).
O médico local Doc Miller não consegue remover, então a bala se aloja cansando paralisia de parte do corpo de Cole, esse médico disse não ser bom de especialização o suficiente para uma cirurgia da magnitude que Cole precisa.
Então Cole passa o filme inteiro evitando ir ao médico, o que faz ele ter crises de dor intensas. Ele depois de 6 meses encontra um jovem inocente que acabou de matar Charlie Hagin por ter matado seu pai adotivo. Cole Thornton interfere e salva Mississippi da retaliação pela morte de Charlie, de seus amigos Milt e Pedro.
Aí Nelse Mcleod oferece um trabalho em El Dorado para Thornton impressionado, e que o Xerife teria virado um bêbado depois de uma garota lhe ferir o coração. Thornton recusa Mcleod, e ele e Mississippi voltam para El Dorado.
Eles encontram com Maudie e o policial de Harrah, que confirma a história de Nelse. Depois da briga de socos com o bêbado Harrah, Thornton concorda em tentar usar uma poção para tentar trazer Harrah de volta do estado de coma alcóolico.
Depois de três homens serem alvo no MacDonald's, Thornton, Bull Mississippi e Harrah caçam o homem dentro de uma igreja antiga, um dos homens escapa, o que acaba levando para Jason, quem Harrah havia prendido e que esperava julgamento.
Mississippi para Joey de matar Jason e eles começam a se envolver. Bull torna Mississippi oficial mas esquece as palavras, sendo no fim apenas um juramento de 'eu prometo'. Eles patrulham a cidade para manter a paz e impedem uma ataque da gangue de McLeod na cadeia, onde Harrah é atingido na perna.
Maudie traz alguns suprimentos para eles e acaba na cadeia onde os homens de McLeod começam a perseguir ela e seus funcionários quando ela foi na cadeia visitar Thornton, aí ele sofre um ataque e fica paralisado, acabando sendo levado por Mcleod. Harrah por sua vez, concorda em trocar Jason por Thornton e deixar a cidade, apesar dos protestos de Thornton. Jason e McLeod e seus homens sequestram Saul MacDonald e exigem que Kevin dê os direitos hídricos de suas terras para livrar eles.
Thornton vai até o saloon enquanto Harrah, Bull, e Mississippi vão atrás. Depois que Bull dá o sinal, Thornton abre fogo contra Mcleod e o resto liberta Saul. Joey salva a vida de Cole Thornton, quando ela antes tinha tentado matar ele para vingar a morte acidental de seu irmão.
O novo assistente do doutor Miller é o Dr. Donovan que concorda em operar Thornton se ele ficar na cidade. Thornton depois diz que vai desistir de ficar andando por aí a ermo e pretende depois ficar com Maudie.
Bastidores e história por trás do filme
As telas dos créditos exibidas no início com imagens de cavalos e paisagens rurais foram feitas pelo pintor Olaf Wieghorst, um sueco.
Uma curiosidade é que tanto Rio Bravo como El Dorado foram co-escritos pela autora Leigh Brackett, que escreveu The Big Sleep (1946), The Long Goodbye (1973) e The Empire Strikes Back (1980).
Esse filme foi o penúltimo feito por Howard Hawks, ele morreria em 1977. Howard Hawks queria fugir da tradicional tragédia grega presente no espírito do faroeste e por isso mudou o tom da história de El Dorado no meio do caminho.
As filmagens começaram de 17 horas e duraram até de madrugada para mostrar esse carácter de entretenimento que Hawks queria dar para filme. O próprio John Wayne vinha da recuperação de um câncer. Charlene Holt, a Maudi do filme, foi namorada de Howard Hawks na vida real. E depois das filmagens, a Joey (Michele Carey) passou a morar na vida real com o ator James Caan.
Os cenários dos filmes de Hawks tinham esse tipo de relacionamento, tão básicos dentro das comédias e de filmes de aventura. Certamente Grant/Arthur e Bogart/Bacall tinham essa lógica, por exemplo em Only Angels Have Wings. Já Rio Bravo, começava com uma certa tendência satírica, como visto também por John Wayne em Hatari!, ou a paródica canção de Red Line 7000, como também em El Dorado é onde esses desafios vem e vem por conta da questão geracional da idade, e não exatamente um "problema com mulher" como na maioria dos western, mas sim uma dor na coluna ou a idade tanto de Cole (John Wayne), como do xerife Harrah (Robert Mitchum).
O arquétipo que se quer questionar e satirizar seria do "forte, homem silencioso". Outro filme que foi marcante pelo mesmo arquétipo foi Por um Punhado de Dólares, com Clint EastWood, de 1964. O mundo de 1966 era diferente do mundo da época de 1959, quando Rio Bravo (Onde Começa o Inferno) foi lançado.
Segundo Robin Wood em seu livro sobre Howard Hawks, existe dois modos que os críticos enxergam El Dorado, o primeiro ângulo é daquele que assistiu Rio Bravo, vê as similaridades e atualizações sobre o filme, e decide que o filme é parecido com El Dorado, ou a posição daquele que viu Rio Bravo como grande filme, e que acabou por isso, considerando El Dorado menor conta disso.
Sendo o grande filme de 1966, El Dorado mostra uma forma de casting que denota a visão da figura do "cara machão", estrelando John Wayne, Robert Mitchum e James Caan, sendo três protagonistas. Outra curiosidade é que El Dorado foi inspiração para o filme Assault On Precinct 13 (1976) de John Carpenter.
Poster de divulgação de El Dorado. |
Minha leitura do filme
Achei o filme ímpar em relativizar certos aspectos que ainda eram mais punitivos ou utópicos. Como a visão de desarmamento que seria substituída pela figura do artista músico. A pistola sendo trocada pelo violão, considerada na época uma visão hedonismo e mesmo utópico sendo revista em El Dorado.
Não tinha mais o Dean Martin do primeiro filme. Como era uma forma de continuação espiritual, os arquétipos dos personagens e até mesmo as linhas temporais e narrativas eram as mesmas dos personagens de Rio Bravo, só que atualizadas. Uma outra curiosidade é que o título de El Dorado, tanto em pt de Portugal, como em pt brasileiro foi lançado com o mesmo nome. Outra curiosidade em relação ao nome, é que o título de ambos os filmes tanto Rio Bravo, quanto El Dorado é de origem toponímica, o que demonstra essa ligação com um pedaço de terra ou lugar que os faroestes possam ter.
No filme, é referenciado a parte de cultura popular envolvido no mito do El Dorado, da cidade perdida feita de ouro que os cronistas espanhóis se refestelavam falando sobre no começo da descoberto do "Novo Mundo". No filme fala sobre o poema de Edgar Allan Poe, El Dorado. Quando o poema é citado é como John Wayne pergunta para Mississippi (a figura do "jovem" do filme).
Ao fim da Segunda Guerra Mundial, o consumo dos westerns aumentou muito com a realização de grandes filmes, ao estilo "filmes tese" de faroeste, como Consciências Mortas (1943), ou mesmo High Noon (Matar ou Morrer), de Fred Zinneman, que foi a motivação inicial para o primeiro filme de Rio Bravo, o primeiro filme. Outros filmes como Shane e Rastros de Ódio também fazem o mesmo efeito impactante que suscitar importantes debates, refletindo enquanto parque, o próprio gênero.
O gênero do Spaghetti Western começou a ficar em alto com filmes como os de Sérgio Leone, e sua influência posterior ao anos de 1950 em Hollywood foi enorme também e ajudou a influenciar os westerns de retomada nos Estados Unidos.
André Bazin em O western ou o cinema americano por excelência, escrito em 1953, falou os westerns como o mais típico dos tipos de filme americanos, sendo o western uma forma de união do mito fundador com um meio de expressão.
A filosofia dos westerns também tem um pé vindo da literatura, a influência vinda das paisagens descritas por Mark Twain, ou a filosofia transcendental de David Thoreau, a figura do heroi típico de James Fenimore Cooper, todos eles foram influência no arquipélago dos arquétipos dos westerns.
A falta de interesse das novas gerações, principalmente a partir dos anos 60, permitiu o western abandonar os elementos mais tradicionais para embarcar em novas aventuras linguísticas. Isso Howard Hawks soube demais. Como veterano e dono de um estilo ousado, ele fez o seu próprio tipo de western. As mudanças culturais nos anos 1960, a guerra-fria, a necessidade de incorporação da pauta dos jovens, ignorados na américa depois do início da Guerra do Vietnã, em 1959 (ano de Rio Bravo), os jovens passaram a questionar a autoridade nacional dominante a diversificação dos gêneros mais populares que se bifurcaram em filmes de ficção científica, aventura, romances policiais e os filmes de ação.
A poesia mostra um cavaleiro que busca o El Dorado de maneira idealista sendo uma metáfora para sonhos e esperança de todos dentro do western, sendo irônico por ninguém na história do filme ter essas esperanças na sua vida. A fala errada parece um elemento de propósito para o intuito do filme. Isso pode ser muito significativo para o contexto dos faroestes que é a Corrida do Ouro na Califórnia no século XIX, isso influenciou toda a estética dos westerns americanos e suas histórias clássicas.
A relação de Feathers com Chance (Cole no segundo filme) no primeiro filme é de relativa independência dos pares, o que gera um desconforto por parte da nova encarnação de Feathers, Maudie, que em El Dorado resolve terminar com Cole, o que leva o nosso herói a tentar convencer ela de ficar em um gesto romântico.
Aparentemente, Hawks perdeu a fé em tentar fazer algo completamente novo, e decidiu se inspirar na lógica antiga de Rio Bravo (Onde Começa o Inferno). Depois da confusão com os homens de Burdett. No El Dorado, o antigo personagem de Dean Martin agora é interpretado por Robert Mitchum, como se ele tivesse ficado com o lugar de xerife antigo de John Chance, que agora era Cole (John Wayne). O roteiro original foi tirado de um romance de Harry Brown: The Stars in their Courses (1960), o que objetivava em ser uma adaptação ao estilo de tragédias gregas.
A diferença está no uso dos tons de humor e violência, não tão presentes em Rio Bravo. Por isso seria uma continuação espiritual. Algumas coisas são muito inovadoras. Como a imitação de um homem chinês por James Caan, são mais grotescas e humorísticas do que em Rio Bravo, ou a "cura" do alcoolismo de Mitchum que seria o personagem ligado espiritualmente ao personagem de Dean Martin em Rio Bravo.
O argumento de Robin Wood no seu livro de 1968, nos informa, que até mesmo as similaridades de Rio Bravo com El Dorado enquanto trilogia eram semelhanças diferenciadas. A questão do humor e da violência.
Por outro lado, em alguns momentos a violência presente em El Dorado é maior do que em Onde Começa o Inferno com certa tendência de excessos em termos de violência e de dor, como visto no Luke que ao levar um tiro prefere se matar para não continuar sentindo dor. Ou a ironia de achar que poderia "se curar" o alcoolismo de Harrah, a imitação caricata forçada de James Caan como homem homem chinês são exemplos dessa linguagem desleixada satírica, são mais grotescas e satíricas do que em Rio Bravo, que ainda mantém um tom romântico e humanista mais profundo. El Dorado, ao mesmo tempo é de uma ironia refinável.
Em 1966, os Estados Unidos passava por um recrudescimento de sua política externa. O presidente da época era Lyndon B. Johnson, um democrata com mãos de ferro, mas de "aceitou" o movimento dos direitos civis, em troca de intenso controle na América Latina e afins dentro da hegemonia e influência dos americanos. Com o assassinato de Kennedy, a extrema direita americana se alinhava aos interesses dos movimentos socialistas que odiavam Kennedy, como Cuba.
O debate seria em torno de aceitar o sistema ou lutar contra ele. Esse tipo de debate dentro de filmes de western são escamoteados por materialidades específicas. Existem os faroestes românticos, os de bang bang puro, ou ainda aqueles que discutem fatores sociais e históricos, como Os Brutos Também Amam.
Sérgio Buarque de Holanda em seu livro, Visão do Paraíso, demonstra o carácter idílico ser um traço normalmente associada ou com a américa como um todo, ou de maneira mais específica é ligada historicamente com a figura dos "lançados" estrangeiros que iam "fazer a américa", sendo essa uma expressão uma frase que mostra esse carácter de "descobrimento" e escapismo retirado de viagens e sociedades consideradas "exóticas" e longevas.
Por isso o título não precisa ser traduzido em português de Portugal ou do Brasil, pois nas duas culturas o sentido é o mesmo, parecido com a brincadeira de tradução do filme Cry Macho. A questão do humor do filme consegue ser respeitoso com a relação do tema principal do filme que é sobre sentir dor. Ou seja, uma mudança na perspectiva do western clássico, onde o problema seria o romantismo das mulheres, ou a violência dos homens, em El Dorado as mulheres são bem resolvidas e independentes, e os homens parecem um pouco perdidos em suas dores e formas de experiências passadas para florescer no público essa simpatia pelas pessoas.
Apesar dessa visualização da dor, isso não altera o tom colorido e divertido que o filme possa ter. Outra diferença para Rio Bravo é que o alcoolismo de Dude era levado muito a sério. Seu personagem espiritual na sequência da trilogia interpretado por Mitchum, por sua vez, não era considerado tão alcóolatra.
Essa metáfora é compreendida uma vez que o novo xerife chega em seu amigo Cole Thornton, o antigo xerife que era o Chance da outra história, e por isso que é relativizado o alcoolismo do novo xerife, por ele ter sido já o policial com problemas com álcool de Rio Bravo (Onde Começa o Inferno).
No início do filme, o personagem de John Wayne é perguntado pelo xerife o motivo de estar fazendo segurança privada de um grupo que o xerife não confiava. Em El Dorado Hawks está apostando mais alto para recapturar o sentido de contradição e espontaneidade que ele associa aos filmes de faroeste na sua visão.
Outra característica para além da dor seria o elemento de envelhecer o que está presente fortemente em El Dorado, como evidenciado no conflito inicial entre Harrah (o xerife atual), e Cole (o xerife antigo).
Outro fator discutido nos Estados Unidos era a estratégia Cloward-Piven, sendo uma proposta delineada nos Estados Unidos em 1966 por dois sociólogos e ativistas que defendia a sobrecarga do sistema público do estado de bem-estar dos Estados Unidos, para precipitar logo uma crise que levaria a substituição do antigo sistema de bem-estar por uma sistema nacional de renda anual garantida e, assim pondo fim à pobreza.
Apesar de aparentemente artificial e satírico, o filme acaba rendendo enquanto filme pessoal. A doença, a dor e a velhice são metáforas das fases da vida dos personagens e arquétipos dos westerns, nem sempre sendo apenas uma reflexão profunda sobre idade, envelhecimento e arquétipos do faroeste.
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