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O Último Pistoleiro (1976): O último filme de John Wayne reflete de maneira existencial a morte dos faroestes clássicos



O pistoleiro John Bernard Books (John Wayne), que está por volta de seus 60 anos, descobre que sofre de um câncer em estágio terminal e que lhe restam poucos meses. Ele então decide voltar para a cidade onde nasceu. Mas sua chegada logo se torna o assunto na boca de todos da região. Embora Books buscasse tranquilidade na cidade, ele logo percebe que terá de enfrentar alguns pistoleiros que desejam um último duelo


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Este é um filme único. A primeira coisa que mais chama atenção é sequência inicial, onde há uma montagem com vários filmes de John Wayne diferentes, como se fosse uma linha do tempo e como se todos os filmes de faroeste do ator se passassem no mesmo universo, em uma ideia meio "Wayneverse".



Depois, um John Wayne bem velho escapa de um assalto como se fosse rotina, e vai direto para o consultório de seu amigo médico, que é James Stewart. Eles chegam a comentar que fazia mais ou menos 15 anos que eles não se viam, parecendo uma referência a O Homem que Matou o Facínora, filme que eles fizeram juntos. 



Wayne faz referência a uma dor na lombar que por sua vez, lembra o tiro que ele levou de uma mulher em, se não me engano, El Dorado, filme da trilogia de Rio Bravo. O que se descobre é que ele está com câncer, com Stewart dando mais ou menos um prazo de 3 meses de vida para ele. O debate entre os dois é profundo e reflete metaforicamente o próprio filme em si, uma vez que esse foi de fato o último filme da carreira de John Wayne, que morreu exatamente de câncer 3 anos depois do filme, em 1979. Assim, aqui a morte é a metáfora perfeita para o fim da carreira, para morrer nas telas. Por isso tudo nesse filme soa como um adeus a cultura do faroeste.



Como último conselho, entretanto, Stewart alerta que em seu lugar, tendo ainda capacidade física, ia preferir morrer em uma situação que ele pudesse escolher do que agonizando com câncer, pois segundo o médico, sua morte seria dolorosa e agonizante. Em outras palavras, o médico sugeriu que ele morresse em combate.



Ele decide então ir até uma pensão da cidade e alugar um quarto. Ele afirma para a proprietária que ele era o delegado federal Bill Hancock. Entretanto, o filho dela o reconhece como sendo um pistoleiro local que matou mais de 30. 



Sabendo a verdade, a locatária pede para que ele deixe o lugar, devido a sua reputação de fora da lei violento. Entretanto ele se recusa a sair pois decidiu morrer naquele quarto, afinal ir para outro local daria muito trabalho e tomaria tempo. Só que ele prefere não revelar que está doente e morrendo para ela, muito provavelmente por a considerar uma mulher atraente. 



Ela se chateia e manda chamar o delegado local para retirá-lo. Entretanto o delegado era um conhecido de Wayne, e para ele Wayne diz que está morrendo. De maneira sinistra, o homem começa a sorrir, de maneira macabra, de felicidade pela notícia, pois segundo ele estava esperando resistência e também pelo seu legado de pistoleiro. Uma cena no mínimo macabra, apesar de seu tom cômico.



A presença de Books vira notícia em toda a região e logo também de sua morte. Repórteres vem o visitar para conseguir a sua última entrevista. Os comerciantes locais buscam cada um ficar com uma memória dele para tornar-se mais famosos. Por exemplo, o barbeiro ao cortar seu cabelo pede para ficar com as mechas cortadas como uma recordação para atrair clientes, ao que ele concorda. Mas o coveiro local, por sua vez, oferece um plano funerário grátis, ao que Wayne recusa por afirmar que sabe que ele vai cobrar para visitantes pagarem uma tacha para visitar seu túmulo. Sempre há alguém para se lucrar com a morte das pessoas. 



Assim, com todos os locais sabendo, foi questão de tempo até a dona da pensão descobrir que ele estava doente. Contraditoriamente ela sente pena dele e eles acabam se envolvendo. As cenas com ela funcionam como reflexão da necessidade do cowboy precisar uma hora se aposentar, algo que ele não poderá fazer. São cenas não tão românticas quanto são filosóficas. 



A aproximação entre os dois desperta certa admiração do filho da dona da pensão por Wayne. O problema é que ele é um pistoleiro, um bandido, e logo seu legado não é algo positivo para se deixar. Aqui temos uma reflexão do porquê ele não tinha família, filhos e esposa: o legado dos cowboys era algo negativo pelo histórico de violência, que como em Shane, ninguém quer deixar para seu filho. Isso levou a uma vida de solidão, onde não há raízes para ficar no final da vida.



Aqui temos uma grande metáfora do cinema de faroeste, que depois dos anos 70, viu o seu desaparecimento quase por completo nos anos 80, com pouquíssimos filmes do gênero. A volta dos filmes de faroeste aconteceu nos anos 90, mas com poucos filmes ainda. E só recentemente, pós 2010, que o faroeste voltou com tudo. Muito provavelmente pelo fato das pessoas estarem enjoadas de filmes de ação genéricos onde a violência é sem propósito, onde o faroeste acaba empregando a violência melhor em suas tramas.


A cena final é interessante. O confronto surge de maneira aleatória, apenas pelo fato do dono do saloon estar recalcado com a fama de Wayne. Ele quer poder ter a chance de matar Wayne antes que ele morra, só para roubar os holofotes para si por causa da fama do pistoleiro. Nisso ele consegui juntar um grupo de recalcados com Wayne para ajudar no plano. Então é um confronto que começa meio na covardia mesmo, de maneira inesperada. O problema é que, por outro lado, Wayne não tem o que perder. Ele vai para o confronto com tudo e elimina quase todos os algozes. Mas o barman escondido atrás do balcão sai e o acerta com um tiro de escopeta 12 pelas costas. Wayne cai, mas o filho da dona da pensão que estava ali é vou tudo, pega a arma de Wayne e descarrega contra o último agressor. 



A cena final é muito simbólica pois depois de atirar, o jovem fica olhando para arma e Wayne olhando para ele em seus últimos instantes de vida. O rapaz então joga arma longe, o que Wayne aprova e em seguida morre. O sentido dessa cena é justamente a justificativa narrativa e cinematográfica para o uso da violência em bons filmes de faroeste como os de Wayne: a força deve ser usada apenas para se proteger e proteger alguém e não como orgulho e forma de poder. Aqui Wayne revela seu lado motivador e confirma que sua ideia era sempre servir como uma figura de referência, uma figura de coragem para enfrentar os problemas, e não pelo poder.



Um filme sensacional, com uma direção impecável de Don Siegel, criadora de uma tendência estilo de filmar, meio arrastado e intimista, confrontando grandes paisagens com a particularidade da vida das pessoas, dando a sensação de que as pessoas são pequenas perante os rumos da vida. Muitas das cenas inspiraram Os Oito Odiados e Django Livre, ambos de Tarantino. 



Wayne está perfeito neste filme. Ele está maduro, longe de seu jeito debochado de Ringo, de No Tempo das Diligências. Isso faz com que em várias cenas o ator reflita em seu personagem que ele deveria ser mais educado com as pessoas ao redor. Que o mundo estava muito mudado, mas que isso era bom pois era melhor que a vida que ele teve e as escolhas que teve que fazer. Em outras palavras, isso significa que as pessoas queriam viver uma vida melhor e serem respeitadas, e isso estava certo pois ele era grosseiro por ter tido uma vida ruim.


O elenco de apoio e a ambientação do filme são profundamente orgânicas, passando credibilidade ao filme.



Não é um filme muito alegre, que nos dá vontade de estar no Velho Oeste andando a cavalo, mas na verdade um filme intimista, reflexivo. Fazendo pensar qual o valor da vida, se estamos aproveitando direito nosso tempo na terra e qual seria um legado para se deixar. Um filme eterno.


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