Um vírus toma conta da sociedade. Só que ao invés de doentes ou zumbis, todos se tornam apáticos: deixam de sentir qualquer tipo de emoção e sentimento. Eis então que uma pessimista escritora se torna a última esperança para restaurar o equilíbrio emocional da humanidade
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Astrônomos descobrem um sinal de rádio proveniente de um sistema estelar a 600 anos-luz de distância e determinam que ele codifica uma sequência de RNA. Pesquisadores do governo iniciam tentativas de implantar a sequência de RNA em diversos organismos.
Cerca de um ano e meio depois, em um laboratório do Instituto de Pesquisa Médica de Doenças Infecciosas do Exército dos EUA, dois pesquisadores estudam camundongos infectados quando um deles infecta um dos pesquisadores. A infecção se espalha por toda a equipe da instalação, que começa a disseminá-la ainda mais através de placas de Petri contaminadas.
Sobre essa parte do laboratório, eu preciso dizer que ou essas pessoas são muito burras ou muito pouco profissionais. Você está em um laboratório estudando contaminações, você entra na sala e vê um rato duro de morto, o que você faz? Você sai correndo! Mas a moça não só vai lá para mexer no rato morto e ver "o que aconteceu", como ela também tira as luvas de proteção, pois não consegue sentir nada com a luva. Aí ela toma uma mordida do rato. Eu sei que de alguma maneira a ideia da série é apresentar um "apagão" da eficiência, mas aqui o nível de estupidez da representação é um pouco simplista.
Porém, essa série tem uma pegada meio metafórica, onde as coisas acontecem foram de ordem, onde causa, motivo e resultado se confundem. Isso vai acontecer várias vezes ao longo da série. E logo depois de vermos a moça que foi mordida pelo rato convulsionar sinistramente, ela simplesmente para e melhora. Uma cena depois, quando seu parceiro de laboratório está na maquina de refrigerante tentando pegar algo para ela beber, já que ela estava se sentindo mal, então ela se aproxima e dá um beijo nele, contaminando-o. Acredito que a leitura aqui é o casal já possuía um envolvimento, o que prejudica em possíveis erros, uma vez que eles vão limpar a barra um do outro.
Um mês depois, vemos a escritora de romances Carol Sturka (Rhea Seehorn) retorna para casa, em Albuquerque, após a turnê de seu novo livro, Os Ventos de Wycaro. A personagem é uma obvia referencia a autores contemporâneos de literatura fantástica, como J.K. Rowling ou Diana Gabaldon (autora de Outlander), mais esta ultima, já que livros seus aparecem nesse episódio.
Carol viaja acompanhada de sua empresária e namorada, Helen, demonstrando que Carol é lésbica. Elas param em um bar para tomar um drinque, onde Carol demonstra que despreza sua série Wycaro e seus fãs. Helen a encoraja a terminar o rascunho de seu projeto mais sério.
É importante notar nesse inicio como Carol já estava inserida em um ambiente "blasé". Era um ciclo fechado, um pouco burguês e elitista. Então, isso já gerava uma profunda apatia em Carol, que obviamente não está feliz, mas engole pois a vida é "boa".
Elas saem para fumar, e Carol percebe aviões sobrevoando o local de forma uniforme. De repente, um homem bate sua caminhonete em outro carro no estacionamento; Carol corre para ajudá-lo, mas o encontra convulsionando; ela se vira para Helen, que também está convulsionando e cai no chão. Ela corre para o bar em busca de ajuda, mas encontra todos os outros igualmente inconscientes. Incapaz de dirigir seu próprio carro por ter falhado no teste do bafômetro, Carol rouba a caminhonete do homem, coloca o corpo inconsciente de Helen nela e dirige em alta velocidade para um hospital.
Esse início tem um clima de filme de zumbi muito bem produzido. O terror de Carol é muito genuíno, bem feito. A série realmente prende aqui, mas pena que perde um pouco a força por já conhecermos a sinopse e logo o que vai acontecer. Aquele que for ver a série sem informação nenhuma vai entrar melhor no clima. Mas ainda assim, vale destacar a precisão e simplicidade da produção e direção nesse inicio para nos convencer de uma ideia de apocalipse.
Carol chega a um hospital e encontra todos lá também convulsionando. Helen morre pouco depois devido aos ferimentos, apesar das tentativas de Carol de reanimá-la. De repente, todos ao seu redor acordam e se reúnem em volta dela, chamando-a pelo nome; um médico beija Carol nos lábios, mas ela não é infectada. Aterrorizada, Carol dirige para casa com o corpo de Helen, encontrando o resto da população trabalhando em uníssono para apagar incêndios na cidade.
Quando todos voltam, a série perde um pouco da força. Já sabíamos que isso ia acontecer, mas o clima chamava para algo que, na verdade, aparentemente não mudou. É bem escrito, só é pouco visual e não se explica, usando da sinopse para ter sua compreensão do que está acontecendo em tela.
Voltando a premissa, devemos lembrar que essa é uma série sobre uma epidemia que faz as pessoas pararem de ter sentimentos, ao estilo Equilibrium (2002), com Christian Bale. Carol, se não ficou claro, é imune a contaminação. Tá, mas como todos agora sabem o nome de Carol e a mentalidade coletiva? Então, essa foi a interpretação do autor sobre o que seria "deixar de sentir", mas ele não explicou isso, ele apenas tacou e vai explicando isso visualmente e nos diálogos de Carol com outras pessoas. A ideia aqui é que como eles estão sobre controle de um vírus que consegue controlar o cortex cerebral para ter domínio dos sentimentos, o vírus também pode ler pensamentos.
Esse é o elemento mais assustado da série, uma vez que essa mentalidade coletiva, ou seja, uma coisa que um contaminado sabe todos os outros contaminados também sabem, não há privacidade. Isso dá uma sensação profunda de "nós e eles" (daí o nome do episódio), nos lembrando da ideia, da lore da série constantemente: eles são contaminados, não está tudo bem.
Em casa, Carol não encontra suas chaves, mas duas crianças infectadas da casa vizinha a lembram de que ela escondeu uma chave reserva, chocando-a. Ela entra em casa e sintoniza o canal de TV C-SPAN , que mostra um homem esperando no pódio da sala de imprensa da Casa Branca e um número de telefone na tela pedindo nominalmente, diretamente, que Carol ligue. Carol liga para o número e fala com o homem, Davis Taffler, um funcionário do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), já que o presidente já não governa, virou decorativo (Trump, é você?). Davis se desculpa e explica que o vírus se originou de um sinal extraterrestre, transformando quase toda a humanidade em uma única mente coletiva. Ele diz a Carol que ela é uma das apenas doze pessoas conhecidas por serem imunes ao vírus, que a mente coletiva deseja a assimilar. Carol desliga o telefone e desaba em lágrimas enquanto Davis tenta contatá-la pela secretária eletrônica, insistindo que a mente coletiva "só quer que ela seja feliz".
Aqui algumas coisas precisam ser levadas em consideração. Apesar de tudo ser bem aterrorizante pela perspectiva da premissa apresentada, como é uma ameaça bastante ficcional devemos interpretar ela como uma metáfora. Pela perspectiva do risco e da ameaça iminente, simpatizamos humanamente com Carol. Mas antes disso, nada nela despertava simpatia, a não se o fato de ela ser uma pessoa que gosta das letras, da literatura, mas ela mesmo odeia o que produz e todos ao redor. Depois da contaminação, Carol passa a ser nossa protagonista, nossa heroína, a possibilidade de solução. Só que Carol virou uma nova pessoa? Provavelmente não. Isso é notável na cena das crianças. Tudo bem que elas também estão contaminadas, porém o diálogo evidencia que Carol já possuía um atrito com eles.
Lendo objetivamente a metáfora, que está provocando a mudança em Carol é a morte de sua namorada e companheira. Ela era a motivação, o elo de Carol com o resto do mundo. Ela não percebia sua desconexão do mundo, pois ela não sentia. Quando ela a perdeu, o luto a fez perceber tudo aquilo que ela sentia e não percebia, e quando foi olhar para a sociedade, percebeu que todos estavam como ela estava antes: blasé, ignorando tudo, vivendo a mentalidade coletiva. Isso é denotado também pelo fato do livro dela ser um sucesso na sociedade que culminou ao desastre.
O outro grande polo de interpretação da série é a questão da política real se tornando a micropolítica. Já no final do episódio, quando Carol está sozinha em casa e fala com o representante do governo, uma coisa que até então não estava clara finalmente fica: como Carol é a última a "sentir" nos Estados Unidos, ela é a única a estar "sob controle" do que acontece com o país. Isso fica mais claro nos próximos episódios, mas basicamente Carol se tornou indiretamente a presidente dos Estados Unidos, uma vez que só ela tem pensamentos pessimistas o suficiente para perceber rumos de governo ou interpretação que podem gerar riscos para todos. Por outro lado, ela não é uma pessoa preparada para tal, o que faz com que os seus sentimentos pessoas e a fragilidade que se encontra interfira nas suas decisões e opiniões.
Como todas essas ideias da série vão se desenvolver só os próximos episódios poderão dizer. Inicialmente, considerei o saldo positivo. A série possui alguns problemas que podem ser superados. Tudo soa muito bobo inicialmente, não se acredita muito. Isso provavelmente pelo fato de a nossa "heroína" não ser realmente muita pessoa muito bacana. Porém, por horas parece que a série não tem as melhores escolhas visuais de como demonstrar uma ideia. Como na cena que a namorada de Carol tira os livros da autora de Outlander do topo de uma prateleira de livros e coloca os de Carol no lugar. É para dizer sobre o ego, certo. Mas a forma de representar a ideia é muito bobinha, saca? É para representar o lado bobo das pessoas mas exagera e insulta a inteligência do espectador. O criador da série, Vince Gilligan, continua usando a mesma técnica de Breaking Bad e Better Call Saul de grandes planos aleatórios e coisas acontecendo ao acaso, servindo de interseção entre as cenas. É algo interessante, mas que já tá meio batido e nessa série soa mais fora de tom ainda.
Entretanto, vários ideias compensam a série, como a cena do representante presidencial interagindo com Carol diretamente pela televisão. É interessante pois parece propor que ninguém mais assiste TV, nem presta atenção mais nos pronunciamentos do presidente, ministros e porta-vozes. Porém, por outro lado, parece refletir esse desejo e sensação de que o governante deve interagir diretamente com você, ou seja, com o cidadão. Reparem como cada vez mais os líderes políticos não falam mais para grupos, mas sim como se falasse com indivíduos, com você pessoalmente. Como disse uma propaganda da Globo de um tempo atrás, o segredo não é falar com milhares de pessoas, mas falar com "milhares de uns". Ou seja, fala com você com linguagem direta, em primeira pessoa, para que você sinta parte do processo. Obviamente as redes sociais fortalecem essa linguagem.
Então é uma série que parece muito boa inicialmente, só é difícil saber para onde ela vai caminhar. Vamos ver.




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