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Napoleão (2023): O épico histórico de Ridley Scott sem clichês nacionalistas e a historiografia


Napoleão é um drama épico histórico, dirigido e produzido por Ridley Scott e escrito por David Scarpa. Baseado na história do general e depois imperador francês Napoleão Bonaparte, retratando principalmente a ascensão do líder francês ao poder, bem como seu relacionamento com sua esposa, Joséphine que abandonou para casar com uma austríaca, o filme é estrelado por Joaquin Phoenix como Napoleão e Vanessa Kirby  como Joséphine Bonaparte


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Está difícil se orientar pela opinião alheia cada vez mais, sempre que vejo um monte de pessoas comentando algo, quando foi tirar a prova real, é o contrário da maioria (um problema de senso comum?), e isso tem muita ligação com o próprio debate historiográfico do filme, que é pesado e para iniciados e debocha do senso comum que pode simpatizar demais com figuras como Napoleão. 


Lembrei desse debate um episódio do seriado "Os Normais", quando Vani incorpora um espírito jacobino e começa com uma arma em punho a gritar "Viva a revolução, morte a burguesia", na hora eu pensei "nossa, um erro", mas na verdade não, era uma piada com a falta de concepção geral sobre o processo da Revolução Francesa e seu significado posterior, com a ascensão da nova burguesia que não buscou romper com as tradições autoritárias da velha Europa. Essa é a explicação da piada. 


A prova desse sinistro movimento é o processo revoluções monárquicas liberais que se seguiram no século XIX, diversos movimentos onde os antigos revolucionários agora guardavam suas antigas "roupas de revolução", como disse o René Remond, é sobre esse processo que podemos entender a piada da série e também as questões contraditórias abordadas no filme sobre a personalidade de Napoleão. 


A brincadeira do seriado é que a revolução francesa visava tirar as velhas monarquias da Europa do poder e com isso ascendeu uma nova elite, a burguesia, que há anos brigava por participação e para poder cobrar seus credores enormes nas velhas famílias que podiam se dar ao luxo de não pagar (igual ao crédito de hoje em dia), e por causa dessas classes aproveitando-se da sanha revolucionária das massas e da óbvia raiva acumuladas do povo francês, essa apropriação de falar em nome das massas é uma certa crueldade histórica. 


Vi um comentário na internet de um indivíduo que disse que o filme era errado por que ele leu todos os livros sobre Napoleão, isso é, um "estudo errado", estudar eventos históricos apenas pelo seu carácter biográfico, uma nova mania de Hollywood que acha cada vez mais que o público é imbecil e enfia cinebiografias para simplificar o cinema. Mas esse tipo de tentativa não é recente;   

Na crítica de Roger Ebert do filme original de Napoleão, do diretor Abel Gance, o filme teve na sua premiere em Paris sentado na primeira fileira, o General Charles de Gaulle, mas todos na academia de cinema ou história louvam, e é um bom filme, mas não existe filme "exato", é chocante que a opinião do senso comum esteja tão de direita em conjunto com os historiadores franceses que odiaram o filme, dizendo ser um filme pró Inglaterra, em resposta, o diretor bem humorado Ridley Scott falou para seu críticos "arrumarem uma vida". 


Olha, te falar que o que mais me impressionou sobre esse filme foi a capacidade de tirar a dominação carismática (em termos weberianos mesmo) que certas figuras históricas possuem. E como disse Marc Ferro, um filme mesmo histórico fala mais sobre seu tempo de produção ainda mais do que sobre o tempo abordado em si. 


Napoleão é sobre o carácter ilusório da história e da política que marcam o processo de história da França, o lugar que vendeu o iluminismo e a queda do antigo regime, mas que ainda assim, eram imperialistas em relação aos outros países que dominavam, dessa mesma ideia de uma França forte e integrada que veio do positivismo francês (ciência e academia) unidos em uma ideia militar e nacionalista que integrava em parte até mesmo alguns partidos de esquerda. 


A mesma aliança política dos liceus tradicionais franceses que sempre formaram os presidentes tradicionais da política francesa, como Macron, por exemplo, ele também é herdeiro direto do bonapartismo e do problema eterno das 'revoltas populares na França'. 


Hoje em dia, o filme ajuda a perceber o carácter cínico de alguns eventos políticos, reuniões, desfiles de celebração dos ritos públicos, como os que seguiram na França a queda do Antigo Regime, novos calendários e essa ideia da religião cívica, tudo isso é abordado no longa épico desconstruído de Ridley Scott. 


As pessoas acham que sabem de história e tudo que eu vi que "apontava" os erros do filme eram risíveis e ridículas, vi um comentário de um guri dizendo que Napoleão não viu a morte de Maria Antonieta, claro que não, mas foi ele que assumiu o poder com o 18 de brumário em 1799, garantindo a ascensão da alta burguesia com os girondinos e o poder de Napoleão que foi se tornando cada vez mais conservador


Tem um significado histórico, já que Napoleão deu sim um golpe após o período de terror em 1799, essa transição que criou uma nova elite no poder, com grande interesse em deixar os pobres do lado, apesar da história oficial insistir em celebrar datas como a tomada da Bastilha como "grande fator" pela queda do antigo regime, claro que esse fato teve grande poder, mas era uma multidão que tanto poderia estar fazendo isso ou qualquer outro ato aleatório, as construções políticas foram construídas excluindo o povo dos processos políticos mas tomando agora sua memória e representação como parte importante para a ideologia nacional. 


Filmes são dispositivos que reproduzem também sua época. Esse filme também parece uma resposta a filmes históricos mais bobos que aparecem até All Star na tela como em Maria Antonieta (2006), a comparação é porque o filme mostra ela morrendo de maneira bem gráfica, como foi na guilhotina, sem pudor ou remorso de ninguém. O povo odeia a elite que o oprime, mas pode não identificar quem é essa elite. 


Napoleão era italiano de nascimento e passou como o grande general francês e das guerras contra a monarquia europeia.  Essa "resposta" ao falso weberianismo transmitido pela ideia de O Poderoso Chefão, faz sentido essa crítica contundente a estética de ostentação monárquica fofa de sua filha Sofia, a família do Coppola participou, por exemplo, da restauração do filme de Abel Gance com o uso da orquestra. Para o site de Roger Ebert (o mais famoso crítico de cinema), o filme de 1927 de Abel Gance não sustenta tanto na técnica, apesar de longo e lendário e de ter sido dado como perdido, foi restaurado recentemente. 


A crítica terminava dizendo que o que Griffith queria fazer em "O Nascimento de uma Nação", Gance terminou 12 anos depois. Não acredito que isso tenha sido um elogio ao filme. Mas mesmo com todas essas informações, ainda terão pessoas que vão jurar que viram as 6 horas do filme de 1927 e que é o melhor filme do filme. 



O clássico filme maravilhoso de 1927 para todos, mas é apologético e cheio de erros também, mas como é romântico e vende uma ideia de grande napoleão. Isso mostra como que para fazer um bom filme histórico, o filme não pode ser exaltado pela crítica, afinal sabemos que depois que os jornais perderam o papel do jornal, hoje em dia, críticos de cinema são zero especializados nos assuntos. 


Esse filme ninguém entendeu porque  as pessoas acham que lendo uma biografia de Napoleão é que elas vão "saber tudo" de Napoleão, sendo o maior erro do filme, é mais do mesmo por ser biográfico, mas se destaca por saber inovar na mesmice das adaptações históricas apologéticas e que exalta nacionalismo barato, o mesmo nacionalismo barato vendido em muitos centros de História; E o senso comum ama a história nacional, isso é outra grande verdade. Esse cinismo da política de bastidores, a ideia de um governo interno regido por expedições externas, esse preambulo de ascensão, conquista, charlatanismo e depois queda. Talvez o louvor nacional e essa construção em torno de napoleão veio como herança do positivismo francês e depois do período do governo de Charles de Gaulle. 


Por isso que os próprios franceses decidiram com a Escola de Annales tentar estabelecer parâmetros mais democráticos, contando com o político e o social, para colocar para trás os famosos e insistentes "ídolos da história" que construímos sempre. A história real é muito mais cínica e cômica, cheia de tradições forjadas. 


Para entender história, não dá para confiar no uso das biografias exclusivamente, já salientava Bourdieu (que é francês) no seu livro "A Ilusão Biográfica" sobre o tema, a visão de que se conhece de histórica porque se leu uma biografia é extremamente errada e muito cultivada no mercado editorial e cinematográfico também. Parece que ninguém vai conseguir fazer mais um filme como disse Tarantino sobre um dia na vida de um personagem, toda vez vai ter que contar a estória desde o berço, o que é um verdadeiro saco. 



E até uma piada, sempre que as opiniões sobre um filme são ruins nos sites e comentários e geral , o filme é bom demais, pérola mesmo, como esse filme e Harriet(,2019) toda vez que um filme é muito louvado por aí, o filme é uma merda (aproveitando que essa palavra tem origem francesa), tipo The Power of the Dog, ou Saltburn ou Barbie que não possui uma mínima direção e foi um filme feito pelo computador.

Mas escutamos falar mal de quem  está tentando ressuscitar o grande cinema, praticamente os filmes de guerra do ocidente, mas sabendo ter aquela herança boa de filmes como Independência ou Morte (1972), que mostrava o rei brasileiro traindo sua esposa que era irmã da esposa de Napoleão e que estava governando o país enquanto ele festejava por aí, e parece esse filme na estética e a interpretação do Joaquim Phoenix lembrou me lembrou a atuação do Tarcísio Meira, e lembra um tanto, é claro, do filme épico de Kubric, o Barry Lyndon (1975), que era inicialmente para ser uma adaptação sobre Napoleão, mas o orçamento fez com que fosse sobre qualquer indivíduo ou personagem literário. 


Agora, Barry Lyndon não era um personagem histórico real, é personagem de livro, porém seu filme feito por Kubrick, é um dos filmes históricos mais corretos já feitos na história da humanidade por sua distância cinematográfica, filmado com luz de velas para dar mais verossimilhança.  


Normalmente, as pessoas leigas em história (o senso comum) confunde muito, quando o filme é jocoso, um pouco cômico, quando ele questiona de alguma maneira o nacionalismo e o romantismo, ele é questionado, pois as pessoas querem filmes lindos e românticos como no filme O Último dos Moicanos (e até está certo isso da potência do romantismo), mas nem sempre, não dá para romantizar  acontece que eu já reparei que os filmes e séries mais historicamente corretas tem a tendência de seguir a linha do humor, ou no máximo, do que poderíamos chamar de jocoso, nesse filme Napoleão não é uma piada por completo, mas o caráter jocoso do bonapartismo está lá presente. 


É a mesma coisa sempre, nada nunca muda. O general em período de crise se converter em um autoritário governante uma vez no poder civil, essa é a história da França, o local teve a revolução francesa e por isso sofria com muitos anos de instabilidade e e falta de democracia plena, sendo uma constante de intervenções militares frequentes, e nem precisamos falar sobre como que a Comuna de Paris (1871) simbolizou isso também. 


Esse Napoleão já começa com o Terror francês e suas massas irascíveis e com a morte de Maria Antonieta como se fosse nada, muito bom isso aqui, o nada aqui é cortante e realista, uma resposta, de cuspe e que enterra completamente propostas de filmes revisionistas pró monarquia, que fazia a gente sentir pena da monarquia de alguma maneira, essa tendência foi forte e continua sendo.


O chocante e interessante dos fatos históricos é como ás vezes o indivíduo não tivesse nunca o poder e a historiografia ufanista vende a ideia de massas populares urbanas com sentimentos "incontestavelmente de origem sexual" poderiam ser a verdadeira beleza que demonstrasse o "carácter orgânico" da tomada de consciência dos povos em uma perspectiva teleológica. É da falta do bom estudo da revolução francesa é que nascem as mazelas dos maus políticos, como Bolsonaro e Milei, e dos demagogos e mentirosos em geral. 



Uma vez, o historiador Fernand Braudel foi pedido para orientar uma monografia sobre a revolução francesa, e ele respondeu que não, o motivo? Aparentemente, ele explicou ao aluno que era um fenômeno que ainda estava acontecendo no presente. 


Mas para Furet, a Revolução Francesa já nasceu terminada por conta exatamente da volta do poder diretivo por parte da antiga classe dominante, esse cinismo da volta eterna da elite ao poder é extremamente traumatizante e real. Por isso que muitos historiadores odiaram o filme, a ideia de uma revolução não impede o retrocesso, e também significa que o processo está acabado e dado. 


Então de um lançamento de uma comemoração do bicentenário da Revolução e de uma ideia generalista de livro de cabeceira de mesa, saiu um dos textos mais revolucionários e criativos sobre interpretações da revolução francesa. 


Mas a briga mesmo é entre a interpretação gerada pelos livros de Alexis de Tocqueville que realmente questionavam o papel ilusionista dos historiadores jacobinistas, a crítica é que se a revolução francesa foi tão boa assim, porque que rapidamente tudo voltou a ser exatamente como era antes, ou seja, mudou tudo para permanecer igual? Isso é o bonapardismo que o filme aborda muito bem, como nas cenas onde a turba (multidão) saúda "o novo rei", que era "Napoleão", aí tem toda essa pegada de ser "alguém como eu", e essas críticas foram o que detonaram ao filme. 



O século que seguiu a revolução foi o século do fomento e criação de nações e de novas formas de governo, como as revoluções liberais, na Bélgica e na Holanda que colocaram monarquias e parlamentarismo em consonância, sendo esse o modelo importado da Inglaterra. Como diz Lynn Hunt, a falência da República Liberal (1795–1799, com a conquista na época da Holanda durante as guerras revolucionárias), isso pavimentou o golpe do 18 de Brumário, quando Napoleão garante seu poder absoluto.  


Por isso que a a herança da revolução francesa é dupla, eles mesmos que criaram a moda moderna junto com os Estados Unidos, a volta dos modelos romanos e gregos na modernidade, prometia muito. Na França, chegaram a querer abolir todos os símbolos monárquicos e católicos, a sanha revolucionária muitas vezes se confundia com turba ensandecida, com atos ao estilo como o de 08 de Janeiro, e por isso que temos responsabilidade em não ensinar uma história nacional completamente apologética.  


Mas é cínico porque é como se ele fosse um parente mal quisto da monarquia que antes queria acabar com ela, essa é a piada. Mas o debate historiográfico entre Furet e os Marxistas não é em torno disso, é em torno de acreditar que o processo inicial da revolução francesa aconteceu porque o povo tomou consciência e um dia, tomou a Bastilha e depois disso tudo foi lindo e democrático, seria essa a crítica feito por Furet em termos de estudar não apenas a data em volta da revolução e seus adornos diversos, mas focar em tentar ver o desenrolar posterior ao processo da Revolução Francesa. 


Em 1793, em plena Revolução Francesa, o jovem oficial do exército Napoleão Bonaparte observa Maria Antonieta ser decapitada na guilhotina, é o período do Terror de Robespierre e da anarquia generalizada. Mais tarde naquele ano, o líder revolucionário Paul Barras faz Napoleão administrar o Cerco de Toulon; ele ataca a cidade com sucesso e repele os navios britânicos com artilharia se tornando herói local por isso. 


Depois Robespierre é deposto e executado no final do Reinado do Terror, os líderes franceses tentam restaurar a estabilidade. Novamente empregando artilharia, Napoleão suprime a insurreição monarquista em 13 Vendémiaire em 1795, que mostrava colocar Luis XVIIII como rei de uma monarquia parlamentar, mas não deu certo.


Napoleão corteja a viúva aristocrática Joséphine de Beauharnais e os dois acabam se casando depois. Eles transam no automatismo cínico, e eles não têm filhos. No Egito, ele vence novamente na Batalha das Pirâmides em 1798, mas corre para casa quando ouve que Joséphine tem um amante quase 10 anos mais jovem, Hippolyte Charles. O Diretório critica-o por abandonar as suas tropas, mas ele condena-as pela sua má liderança da França e, ao lado de vários colaboradores como Talleyrand, Fouché, Sieyès e Ducos, derruba-os num golpe de estado e torna-se Primeiro Cônsul.



Napoleão é coroado imperador dos franceses pelo papa em 1804, durante o qual ele audaciosamente coloca a coroa em sua própria cabeça. O Ministro dos Negócios Estrangeiros Talleyrand sugere à Áustria uma aliança, embora os austríacos rejeitem a ideia. Um ano depois, Napoleão supera e derrota os austríacos e russos na Batalha de Austerlitz, forçando-os a recuar sobre lagos congelados antes de bombardear o gelo e afogá-los. Depois, ele convida o imperador austríaco Francisco II para um vinho - ao qual o czar russo Alexandre I se recusa a comparecer - e diz a Francisco que, como não destruiu totalmente os seus exércitos.


História e bastidores do filme


Ridley Scott e o Napoleão usando óculos escuros no set.


Em outubro de 2020, Scott anunciou Napoleão como seu próximo projeto. O filme  teve diversos casos de atrasos e reformulações devido à pandemia de COVID-19 que impactou consideravelmente as filmagens começaram em fevereiro de 2022 na Inglaterra, durando vários meses. Além do escritor David Scarpa, os colaboradores frequentes de Scott incluíam o diretor de fotografia Dariusz Wolski e a edição de montagem de Claire Simpson, a mesma pessoa que montou Platoon, de Oliver Stone.



 O filme arrecadou US$ 218 milhões ao redor do planeta e recebeu críticas mistas dos críticos (embora a maioria críticas negativas na França),recebeu uma chuva de críticas por "imprecisões históricas" apontadas pelos historiadores franceses, mas não apontadas diretamente de maneira alguma, isso porque o filme é na verdade muito historicamente correto, com exceção de pontos detalhes. 


A mãe de Napoleão faz com que ele engravide uma amante, provando que Joséphine é infértil. Ele se divorcia dela em 1810, dando um tapa público em seu rosto quando ela inicialmente se recusa a ler sua parte do decreto, mas os dois permanecem em boas condições e continuam trocando cartas amigáveis. Napoleão se casa com Maria Luísa da Áustria, que tem um filho um ano depois.


Em 1812, Napoleão invade a Rússia depois que Alexandre renegou um tratado de paz com a França. Ele prevalece, apesar da sangrenta resistência guerrilheira das forças Don Cossack, na Batalha de Borodino, mas encontra Moscou vazia e mais tarde incendiada. Napoleão recua durante o inverno para a França, tendo perdido cerca de meio milhão de homens. Em 1815, ao saber que Joséphine não está bem, Napoleão foge da ilha e regressa ao poder em França. Ela, forçada à reclusão no Château de Malmaison, morre antes de ele chegar. O rei Luís XVIII envia o Quinto Regimento para deter Napoleão, mas os convence a se juntarem a ele.


Na Batalha de Waterloo, em junho, Napoleão, tendo reunido mais tropas, confronta o exército britânico comandado pelo duque de Wellington. As cargas da cavalaria francesa são repelidas pelos quadrados de infantaria britânica, e um Napoleão desesperado incita os seus soldados restantes a avançar, mas este avanço é dizimado por linhas reformadas de infantaria inimiga. As forças do marechal prussiano Blücher chegam para reforçar Wellington e os franceses são derrotados. Enquanto Napoleão recua, ele saúda Wellington.


Como existe por aí uma historiografia romântica, que se esconde através do nacionalismo positivista e estagnado, com uma intensão de falar que fatores menos importantes de propósito, como quando surgiu o sentimento revolucionário com "a queda da Bastilha", ou como surgiu a regra da assembleia de sentar direita de um lado e esquerda do outro, e como isso foi lindo e mudou para sempre a história, pronto acabou, vamos falar de outra coisa. 

Ridley Scott não gostou  das críticas da academia francesa e também pudera! O filme é todo feito de referências clássicas historiográficas, só não vê os franceses como heróis da liberdade, fraternidade e igualdade, algo muito mais fruto dos intelectuais antigos franceses como Voltaire do que fruto da políticos e dos regimes, a república francesa não tirou as mazelas do povo, e a França foi do período do terror para o Código Civil Napoleônico, de 1804 (certamente um código punitivo em relação ao roubo, por exemplo). 

 não faria um segundo filme de Napoleão como o de Abel Gance, mas as críticas por fazer um filme realista vieram e o filme foi massacrado por pessoas que sabem zero de história e não tiveram as leituras, para mim, a única coisa sem graça do filme é que como já li todos esses livros históricos e esses debates, parece que eu sabia do filme todo, só isso que foi ruim. Gostei da atuação mais paradora e bonachona de Napoleão, fazendo isso sem soar cômico, muito difícil mesmo segurar uma atuação dessa sem cair puramente no cômico. 

Seguido pelo golpe de 18 de Brumário de 1799, es épico histórico mostra como período de Terror francês gerou a volta do imperialismo através do bonapartismo (ideia de personalismo) em volta do culto ao Napoleão, como se ele fosse um novo rei. E ele foi coroado como imperador, ele mesmos e coroou, diferente nas coroações normais. 

O filme mostra a decadência do pensamento iluminista, dessa ideia de progresso eterno, já que é sobre imitar e se apropriar dos antigos mecanismos de poder e atualizar eles sob a figura de um novo "tipo de homem", que não nasce, se faz, mas que entra como um agregado nos antigos esquemas tradicionais de poder e [e corrompido aos poucos, mas nem isso dura muito tempo e o filme termina com ele depois de ser preso pelos ingleses na Ilha de Santa Helena. 


As cenas de guerras pareciam querer competir ou igualar as inovações do novos filmes de guerra chineses (que tem muita grana investidos), e tentar retratar campanhas históricas, como a chegada pela primeira vez de Napoleão primeiro no Egito, e depois na Áustria para tentar uma inusitada aliança casando com Maria Luísa, (irmã da Leopoldina, imperatriz do Brasil na época), ele queria aliança com a potência da mais alta estirpe e mais antiga com uma aliança de casamento para produzir um herdeiro. 


Lembrando para quem história história profundamente, que os parentes de Napoleão nunca desaparecem da política francesa, seu sobrinho, Napoleão III veio a governar a França depois de um golpe, em 1851. Um episódio narrado por Marx em O 18 de Brumário de Luis Bonaparte, é como Napoleão chegou inicialmente ao poder em 1799, na época do novo calendário tinha a referência das brumas (névoas).


Na história com H maiúsculo não foi como os professores ensinaram, as aulas de teorias serviram para confirmar essa desconfiança sobre  o carácter genérico que a historiografia tomava para enfiar goela abaixo aquilo que "tem que ser lembrado" como mais importante. Esse carácter de louvor teleológico que a historiografia judaico-cristã carrega é conhecido desde Arnaldo Momigliano e suas análises análises geniais sobre as origens da historiografia e da forma do relato historiográfico com seus primeiro ensaios e que tinha uma enorme influência óbvia da religião nas construções nacionais de cada país. 


O principal conceito que o filme suscita é o bonapartismo (o primeiro estudo ao estilo do estudo do populismo), podemos explicar com mil referências porque quando falamos de imperialismo napoleônico estamos falando de alguém lembrado como alguém que governou porque apareceu mais durante o período do terror, dando certo carácter de ordem a França depois do fim da monarquia, na mesma época, que a França mantinha a ideia de guerra revolucionária com seus exércitos marchando em direção a Europa.


Para nós da América Latina, isso significa muito, graças ao bonapartismo, s elites crioulas (filhos de espanhóis nascidos na América) souberam da revolução francesa e queria se libertar do Antigo Regime também, dando início ao processo de independência das Américas Espanholas, também ajudado pela anterior ida da família real portuguesa para o Brasil, ao fugir de Napoleão. 



A falta de responsabilidade para ensinar revolução francesa de maneira correta não é apenas da ordem do gosto e da temperança, o ensino é muito errado desse campo, e é proposital isso, já que estamos falando da queda do Antigo Regime e da aliança da Europa tradicional na França. 


Depois do período do Terror (iniciado em 1793) a França pós revolucionária de Robespierre viu a volta cínica de tudo que havia abolido (pelo menos simbolicamente), os historiadores da área (até mesmo Karl Marx), concordam com aquela velha máxima hegeliana, "a história se repete, a adição é que ela se faz pela primeira vez como tragédia, e a segunda como farsa", e essa frase se não pode ser aplicada exatamente para Napoleão. 

Como o filme mostra bem, porque o bonapartismo de Napoleão sobreviveu a ele, já que ele fez uma apropriação de todo o aparato dos governantes europeus anteriores a ele, se dizendo diferente deles. Grande parte vem da influência europeia, francesa, a mesma influência que contaminou o senso comum para falar que esse filme é ruim. 

Mas porque isso acontece? O filme é super historicamente correto, cheio de referência aos debates clássicos com os historiadores marxistas da revolução francesa, como Soboul, que além da Revolução Francesa, também era um historiador do período napoleônico. Era inclusive desse sentimento de nacionalismo que as guerras revolucionárias francesas se nutriam, mas não permanecia assim quando Haiti, México ou depois Argélia (locais de domínio francês) se rebelavam do próprio poder daqueles que faziam guerras em torno de espalhar suas ideias iluministas (essa é a contradição maior). 


Esse processo virou o imperialismo em si, com Napoleão III (parente de Napoleão) virando por alguns anos o governante do México, por exemplo. Era imperialismo daqueles que propagavam o fim do antigo regime. É aquela história, eu, do primeiro mundo, posso ser esquerda, vocês aí do terceiro mundo, temos intervenções militares de todos os tipos para vocês, esse é o problema da política bonapartista.  


Napoleão está exilado, desta vez na ilha de Santa Helena, no meio do Oceano Atlântico, e é visto brincando com crianças, escrevendo suas memórias que se tornariam um best-seller mundial, e apresentando aos seus ouvintes uma versão da história onde ele está sempre certo. Napoleão morre em 1821, ouvindo Joséphine acenar para que ele a encontre novamente. Um epílogo final coloca a informação de que cerca de 3 milhões de pessoas morreram nas Guerras de Coalizão (1792-1815), e que ele teve incursões por quase 60 expedições militares. 


Gostei das cenas finais de guerra, tiveram vários efeitos modernos que não são vistos em qualquer filme, valendo o orçamento de grande filme, dá uma impressão de que eles faziam aquilo com um pé nas costas, e já era Waterloo ali, a queda final do grande general francês, parecia apenas mais um dia. Gostei do elemento de inserir coisas da "baixa cultura", falar das charges no jornal que diziam que a mulher traia ele e esse tipo de coisa de difamação na imprensa (jornais da imprensa marrom, de fofoca), que fez também parte do processo revolucionário, com uma certa "cultura de linchamento" e de festa política que se instaurou.  


Tem essa intenção de chocar com cenas realistas de guerra, para não nos inspirarmos como na ideia do "self made man" (o homem que faz o próprio destino) dentro da cultura capitalista em figuras como Napoleão, não é sobre ser bom ou mau, mas sobre o contexto da época que permitia ainda e de diversas maneiras formas de concentração de poder ditatoriais dentro dos estados nacionais.


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