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Harriet (2019): Filme conta a história da Underground Railroad, rede abolicionista de rotas e esconderijos que libertou milhares de escravizados no século XIX


No estado de Maryland, Minty é uma jovem que acabou de ter suas irmãs vendidas para o sul. Ela recebe uma carta-testamento do antigo senhor da fazenda Brodess, que reforça que pelas atuais leis Minty e suas irmãs já tinham que estar livres. Entretanto, a carta é rasgada pelo fazendeiro atual. Depois que colocam cartazes para vendê-la, Minty decide fugir. Ela foge a pé até o Norte, onde Minty passa a se denominar Harriet Tubman, a conhecida heroína abolicionista da história americana, que em todas suas viagens nunca perdeu um passageiro



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O antigo mestre de Minty, Brodess tinha deixado em testamento que aos 45 anos, a mãe de Harriet (que na época era Minty) ia ser liberta aos 45 anos e suas filhas tinham que nascer livres. Segundo a burocracia da época, já era em tese para Harriet ter sua liberdade. 


Minty só queria fugir, mas seu pai fala para ela falar com o reverendo antes. 


Depois em Maryland, Baltimore, em 1849, Minty (o antigo nome de Harriet) é dada como morta durante sua fuga no rio. Ela foi de onda morava em Maryland, passando por Wilmington, Delaware, para  depois chegar na Pensilvânia, onde ela conhece William Still, presidente da Sociedade anti Escravidão. 


Depois conhece Thomas Garrett, um dos nomes da Underground Railroad, que ajudou 2.500 pessoas a fugir da escravidão, também conheceu em vida John Brown, importante abolicionista e primeira pessoa enforcada por traição na história americana, um pouco antes de explodir a guerra civil americana que durou entre 1961-1965. 


Harriet é uma figura emocionante da história americana. Filme muito bom, e que foi influenciado e gerou tendências em termos de cinema. Foi feito em 2019, uma época de puro conservadorismo na política mundial, por isso o filme "foi deixado passar". Mais direto e independente, não cai nos clichês tradicionais das produções nacionalistas e apologéticas ao estilo "separados, porém iguais" adorados pelo sindicato negro americano, é realmente um filme avassalador sabendo se preocupar em não soar brega ou apologético, como a estética de Oppenheimer soa no marketing. 


Harriet se nomeou assim provavelmente em homenagem a escritora americana Harriet Beecher Stowe, que escreveu o clássico abolicionista "Cabana do Pai Tomás". 


Fala sobre conquistar direitos e depois se perder esses direitos em uma inclinada conservadora da sociedade, o que estava acontecendo na época, e conta a história de uma importante figura americana. que resgatou cerca de 70 pessoas da escravidão diretamente, segundo o filme, e libertou com o exército sob seu comando, 750 soldados.  


Pensando que no nosso país, também tivemos, e em muito maior escala, a questão da escravidão e do tráfico negreiro, e aparentemente, os avôs de Harriet eram da etnia Axantes, originários de Gana na África. Aqui, tivemos antes disso o movimento do quilombo do Zumbi dos Palmares, que criou a maior rota de fugas de escravos de toda a América da época, e depois disso, no século XIX temos o fenômeno Harriet, uma mulher impressionante mesmo.


Lembra o tipo de resistência e poder ao estilo dos cangaceiros, como a forma de vida Maria Bonita, mas tem um aspecto social democrata e pró religião que esses movimentos do cangaço não tinham, aqui, Harriet era extremamente religiosa, apesar do filme ter tido a coragem de retratar que a religião também aborda força, congregação  e auxílio mútuo, mas que também ensina submissão pacífica aos senhores e a direita em geral. 



Durante o período que ficou na casa escravizada, foi agredida junto com um outro escravo que fugiu e por isso ficou com um trauma na cabeça que fizeram ela ter dores de cabeça pelo resto da vida e visões religiosas que funcionavam como forma dela conversar com deus. Ela também era muito religiosa e foi criada nos princípios da fé metodista cristã. 


Em uma das cenas que gostaria de destacar do filme que usou de muito simbolismo e lirismo foi a cena da moça escrava e que era filha de seu dono, ou seja, o pai dela teve uma filha com uma escrava, só que isso não fica claro até depois da cena que Harriet a salva, pois a moça pediu para ir com ela. Ela pegou a carroça para dirigir desse cara e disse para a moça de vestir de homem e falar coisas de direita para parecer seu pai e funcionou, uma cena meio cinema novo para falar da miscigenação, um tema também cancelado pela elite sindical negra americana (se formos ser bem sinceros), então a cena é uma das melhores cenas do filme pela leveza do simbolismo.


Precisamos aqui indagar quando falamos em biografias históricas, precisamos encarar muita babaquice, tipo horas de remake de figuras históricas, revisionismos, e também ás vezes filmes que louvam pessoas que apesar de científicas, também fizeram o mau com a ciência. Mas não é o caso desse filme. Inclusive, essa é a única coisa ruim do filme que era para ter como protagonista, a famosa atriz Viola Davis, mas não foi para frente. 


E quem foi Harriet Tubman, no filme mostra ela como "Moíses", uma redenção de bíblia Para quem estuda história dos Estados Unidos e do movimento sufragista (voto universal), a história de Tubman é incrível e já foi contado por algumas pesquisas, que contam a história da Underground Railwoad, uma rede secreta de fuga abolicionista durante a guerra civil americana que apoiava a fuga de antigos escravos que passavam pela fronteira para a Pensilvânia (o antigo centro da civilização americana), chegar até lá era chegar também em uma nova forma de sociabilidade, livre, porém orquestrada e capitalista, como mostrado quando Harriet tem que ser empregada na nova casa onde estava morando, uma nova forma de opressão. 


Harriet consegue libertar toda sua família e vira lenda local e pesadelo para os decadentes fazendeiros que estão a cada dia com menos dinheiro, e mesmo assim, não querem vender os escravos para não perder o status de ricos. 


Ponto para o filme, que romantiza zero a escravidão (e também não romantiza o movimento abolicionista) e a exploração do ser humano, mostrando também a crueldade dos fazendeiros no tratamento dos escravizados. Algo que pode ser ruim do filme é que mesmo que o filme mostrasse no início os senhores de escravo usando a religião para aceitar a submissão do escravo "segundo o que está escrito na bíblia", mas que por fim, Harriet mesmo acabou usando a ideia de religião dela para sua proteção, levando o filme para o lado um pouco religioso. Uma incongruência do roteiro que é gritante. Mas se safa por ser um filme diferente, que representa com exatidão a opressão e os movimentos de  resistência a escravidão. 


História e produção do filme


O filme teve sua premiere no Festival Internacional de Toronto, em Setembro de 2019. O que é incrível é perceber o filme fala sobre uma diáspora de antigos escravizados para o norte da fronteira com o Canadá, explicando a importância.  A música de Erivo e Joshuah Brian Campbell do filme Stand Up ganhou o Oscar. Outra música marcante é de Nina Simoni "Sinnerman" na trilha sonora. 


Quando Brodess morre, o filho Gideon castiga ela por não concordar com o testamento deixado pro pai. O fato das irmãs dela terem sido vendidas para o sul foi o motivo dela querer fugir. Depois Gideon quer vender Minty porque ela dá zero papo para ele, ela decide fugir. Por fim, ela se casou de novo e teve filhos e morreu em 1913 ais 91 anos de idade, viveu uma vida revolucionária de verdade e acredito que todos conhecem seu nome e sua militância. 


Ela foi a primeira mulher a dirigir tropas no exército (nos pelotões negros). Em uma das cenas do filme, vemos uma multidão de ex escravos fugindo das plantações e indo em direção ao norte, explicando o motivo da vitória do norte, já que o modelo econômico do sul passa a progressivamente a não se sustentar. 


Começa a conversa de uma lei contra a fuga de escravos, que permite que caçadores perseguiam seus alvos em qualquer estado americano. Essa rigidez nova da lei faz Harriet fugir para o Canadá depois de colocar sua família para o norte. Minty como era chamada nasceu em Dorchester, Maryland.


No fim, com a chegada da Guerra Civil, mostra os primeiros regimentos negros do norte e Harriet já liderava essas tropas e foi espiã do exército da União na época. Mostrando a fuga em massas para o norte.


A Rachel é uma das irmãs de Harriet, uma escrava de casa, mucama que não quer fugir para não se perder das suas duas filhas, que foram sequestradas pela patroa e depois a sobrinha de Harriet é resgatada por ela. Gideon descobre que Harriet está viva e quer fazer de tudo para encontrar ela. Ele contrata um capataz chamado Bigger Long e ele mata Marie, a proprietária da casa que acolheu Harriet na Pensilvânia. 



Harriet ajuda a tirar toda sua família, é aceita na sociedade anti abolicionista e vira um de seus membros mais ativos, preparando um caminho para se proteger na reviravolta causada pela Lei (Fugitive Slave Act of 1850, Lei do Escravo Fugido de 1850), que permitia perseguir escravos em todos os estados, até naqueles que antes existia certa liberdade, gerando, é claro, um clima tão hostil, que alguns dizem que foi um dos principais motivos da guerra civil americana, pois permitia um retrocesso de perseguição e de desrespeito de direitos adquiridos nos Estados americanos que já tinham acabado com a escravidão.


Em 2015, a escolha para dirigir o filme era de Seith Mann, mas depois mudou para Kasi Lemons, que tinha dirigido Black Nativity. As locações de filmagem foram todas em Virgínia, em Richmond, Powhatan Tamworth, Petersburg, e Mathews e a Plantação de Berkeleyem Charles City Country que foi usado para filmar a casa do senador em Auburn, New York. Box office do filme teve uma arrecadação de $43.1 milhões nos EUA e Canadá, e no mundo, de $44 milhões no mundo todo. 


Ela recebe uma carta do reverendo Green e é recebida na casa de um senador em New York e dá um discurso contando os horrores da escravidão e dizendo que não dava para "ficar confortável" enquanto tantos não estavam. 



As críticas especializadas não gostaram do filme e só gostaram da atuação de Cynthia Erivo, que realmente é muito boa. Mas acho bobagem, o filme não cai em clichês de épicos históricos, que querem colocar ou impor tópicos que não eram pertinentes para a época. 


O filme busca abordar um tipo de mulher e militância que é diferente da visão fatalista de romances ou filmes como A Cor Púrpura (1985), ainda sendo uma visão de um diretor branco, um filme maravilhoso também, acredito que é uma visão mais atualizada de raça e classe, apesar de gostar muito também do filme de Spielberg. Gostei da ousadia leve e simples do filme, de também não perder muito tempo se justificando e virando um filme de guerra, como também gostei das informações sobre Harriet, eu por exemplo, sabia bem pouco da trajetória dela para além disso dela ser uma libertadora e também feminista (ou seja, ela unia esses dois lugares). Ela morreu dizendo uma frase em forma enigmática, "I go to prepare a place for you, eu vou preparar um lugar para você" disse em seu leito de morte, e também pudera, Harriet tem uma história sem precedentes de atuação junto a libertação dos escravos, uma verdadeira heroína.


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