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Independência ou Morte (1972): O falso protagonismo do Sudeste na independência do Brasil e outros mitos e verdades em torno do 07 de Setembro


Independência ou Morte é um filme nacional, dirigido por Carlos Coimbra e produzido pela Cinedistri. Em 07 de Setembro de 1822 é comemorada a independência do Brasil. Através de uma visão romântica e integradora, vemos os processos que levaram a independência do Brasil em relação a Portugal. O Elenco conta com Tarcísio Meira como Dom Pedro I e Glória Menezes como a Marquesa de Santos, e Kate Hansen no papel da Dona Leopoldina, também conta com o ator e diretor Anselmo Duarte (do filme ganhador de Cannes "O Pagador de Promessas") no papel de Gonçalves Ledo, como também ajudou em parte na elaboração do roteiro


Assista ao filme ao fim do artigo





O coração de Dom Pedro I chegou ao Brasil para comemorar a independência, sua independência em relação a sua própria família em Portugal, e a Independência de 1822 veio porque a Revolução do Porto queria a volta da ala que fugiu, e que agora era vista como inimiga dos portugueses que ficaram por lá. Fruto desse impasse e da vontade dos liberais portugueses de ter suas posses de volta, fizeram uma forma de manter sua "boa vida" nos trópicos sem o empecilho dos aventureiros, mas quem seriam esses "aventureiros" que Dom João IV se referia? 



Crítica do filme




O coração de Dom Pedro I está no Brasil em comemoração aos 200 anos , um "presente" da terrinha como parte desse processo de "herança" do tradicionalismo português. 




No nordeste, em 1817, houve a primeira declaração de alteração de regime político e separação de território vindo da região do Crato, fez um movimento que primeiro questionou de verdade a autoridade Portugal, sendo a independência de 1822 "uma briga de família", uma tentativa de apagamento e esquecimento histórico que dura até hoje. Hoje em dia, com o governo Bolsonaro tentando colar a campanha da independência ao governo, temos a necessidade de lembrar como realmente foi o processo de independência. 


No século XIX, D. João VI se aliou a Inglaterra contra Bonaparte, que havia imposto ao mundo todo o bloqueio continental a ilha Inglaterra. Com a invasão eminente, não restava outra opção pela segurança da família real do que fugir para o Brasil. Em 1817, Dom Pedro I e Maria Leopoldina se casaram forçados por procuração sem antes se conhecerem. 


Eu mesma como pessoa que cursei história, vi como funciona a ideia de dentro, vendo também as reportagens da Band e da Globo sobre independência são absurdas demais e parecem em muito com o que é ensinado normalmente no Sudeste nas faculdades de História. Mesmo que tenha alguns historiadores que tentem educar os jornalistas um pouco, o resultado é uma conversa que parece saída de qualquer internato alemão de direita. 


Ouvi coisas ao longo desse mês e resolvi fazer uma reunião dos absurdos, uma vez, uma estudante de história, colega com bolsa e clientelismo garantido afirmou que em 1821 o Brasil assinou uma carta constitucional, na época discutiu comigo ainda com aval de um professor de história fluminense que "confirmou" a informação errada. Na verdade, Dom Pedro I mandou o exército fechar por medo dos contornos não absolutistas que a Assembleia Nacional tinha tomado.  





O primeiro absurdo que vi nessas reportagens: 1) o "feminismo" de Leopoldina (da monarquia austríaca/portuguesa) e seu papel junto a Andrada redigindo as cartas que explicavam os motivos da necessidade do rompimento com Portugal. 




2) Na Band, também ouvi sobre "não ter sido tão popular assim a Revolução Pernambucana", 


3) Não tinha censura a imprensa em 1821 (foi falado pelo jovem jornalista da Band), por isso que apenas existia a Imprensa oficial régia e nada mais), por isso que os jornais brasileiros tinham que ser impressos em Londres ou outros lugares. 


Por isso que homens como Cipriano Barata e Frei Caneca foram perseguidos apenas pela força de suas palavras e de seus jornais. 4) Esse aqui já foi um absurdo ouvido na reportagem da Globo: "não tinha partidos políticos naquela época".  


Para eles, não havia os Liberais Exaltados e Moderados disputando a Assembleia Nacional, e nem os os conservadores, dividido entre aqueles fiéis a Miguel, e aqueles conservadores portugueses ligados a Pedro I, como também para eles não houve a interferência do exército para fechar a Assembleia, mas houve sim, são apenas eventos apagados da nossa história oficial nacional.  Na madrugada no dia 26 de fevereiro, uma multidão de soldados por o comando do tenente general Jorge de Avilez Zuzarte de Sousa Tavares, queriam que o Rio de Janeiro prestasse obediência aos liberais de Lisboa. 




Claro que não, não existia nada, apenas a "vontade" do imperador. Esse é o problema, além do sequestro da história, o estudo de construções falsas ganham a legitimidade de "novas fontes", aí nasce a ideia de que Dom Pedro I foi o autor do hino da independência e tinha dotes musicais e outros revisionismos que apoiam a história nacional.


O filme foi produzido em uma tentativa de fazer uma visão de acordo com a historiografia, uma visão que pudesse ajudar a "construir um Brasil grande" junto com a ideia de "Brasil, Ame-o ou deixo-o", com a atuação dos melhores do elenco das novelas e filmes tradicionais, aqueles tipos de filme criticados por parte da esquerda por ser alienante, apesar disso, a qualidade do material é inegável, acredito que todos deveriam assistir. 


Um épico histórico foi marcado por uma tentativa de vender e mostrar os ideais do nacionalismo, mas o interessante, é o que o filme acabou mostrando Dom Pedro I como ele era, um grande traidor, autoritário, que mentiu para todos, inclusive para sua família, e que morreu exilado e expulso do país. O filme mostra essa ideia com o foco na vida sentimental e pessoal do monarca, falando aqui e ali sobre fatores históricos e políticos. Apesar do tom de novela da Globo, o filme não peca em falar o tradicional e o comum sobre História do Brasil. Algumas ideias estão presentes no filme, a mitologia do Dom Pedro liberal, ao mostrar ele criança brincando de brigar com os escravos. 


Existe certa crítica ao liberalismo artístico do Rio de Janeiro, e como que com ele, veio toda uma historiografia e crença rasa em mitos pessoais que "representam no nacional". A Marquesa de Santos é retratada como uma manipuladora, o motivo principal da queda de Dom Pedro, e na vida real, sabemos que os motivos foram o descontentamento geral público de todos com Dom Pedro, no filme, ela simbolizava a ligação com ricos de São Paulo, que seriam os primeiros a ser anistiados e gerar o ódio de José Bonifácio (que passou a ser perseguido por Dom Pedro I após se rebelar contra ele. 




Depois de massacrar as rebeliões e revoluções que ocorreram contra o governo dele, de maneira cruel e completamente autoritária, a facção dos brasileiros não queria mais Dom Pedro I, que traiu suas "raízes liberais" com alguns jornais e 'bom vivant' típicos de qualquer corte agitada, e resolveu Outorgada a constituição de 1824, com o mecanismo do "poder moderador". 

Quando pensamos em memória e história, a corrente da revisão buscar focar suas análises no debate sobre a verdade. Acontece que em uma narrativa histórica, toda nação tende a maquiar seu processo de formação. A independência ocorrida em 1822 foi um ato desesperado de Dom Pedro I, que buscava manter o Brasil como domínio colonial português. Esse foi o objetivo da Revolução Liberal do Porto, ocorrida um ano antes.


No século XIX, o liberalismo surgia como força de carácter mais político do que econômico. Os liberais queriam a deposição dos privilégios do antigo regime. Mas hoje em dia, apenas lembramos que o liberalismo é a mesmo coisa que o capitalismo selvagem. Essa confusão vem do século XIX, o longo século da ciência e das formações nacionais, negou a agitação anterior da revolução francesa. Os liberais exaltados queriam a cabeça da monarquia, os moderados, queriam uma influência por parte de algum esquema parlamentar. Como a Assembleia era regida sob influência do senado vitalício de Dom Pedro I era muito difícil que não tivesse influência sobre a maioria dos aspectos discutidos pelo poder moderador da época. 



Dom Pedro I ficou no poder até o ano de 1831, sendo esse período chamado de Primeiro Império. Quando foi forçado a voltar para Portugal deixou seu filho, Dom Pedro II que tinha 5 anos; dava-se o início do período que o Brasil foi governado por regências, que tinha como missão não deixar que as revoltas, como a Confederação do Equador lograssem êxito.



Havia, em termos de partidos políticos, os restauradores ou caramurus que queriam a volta de D Pedro ao Brasil, que acabou quando ele morreu. Os Liberais exaltados ou jurujubas queriam que o Brasil virasse uma república. Havia o grupo dos liberais moderados, mais conhecidos como Chimangos, que defendiam ideias republicanos, mas não se manifestavam sobre a abolição da escravidão.


O filme tem a mesma visão idealizada, porém ridiculariza algumas construções ideológicas e históricas. Os problemas de Pedro eram sobretudo, problemas pessoais e políticos, não conseguia valer sua autoridade frente ao novo "reino". Até o fim, Pedro acreditava que conseguiria manter o poder e o território coeso se pudesse lidar com os "rebeldes". Os primeiros rebeldes anistiados (os herdeiros dos bandeirantes) seriam os de São Paulo, sem eles, impossível dominar o Brasil na época. 

 



Essa atitude autoritária digna de um césar ditador era nada para os bajuladores da corte, o rito da monarquia portuguesa praticamente "inventou" o evento do "beija-mão", que hoje em dia lembra muito da lógica das redes sociais. Esse clima de gastos e oba oba no rio gerou revolta no país inteiro, que seguiu o descontentamento com os contornos autoritários que a repressão a Revolução Pernambucana gerou e a falta de direitos constitucionais fizeram várias províncias do nordeste fazerem a "Confederação do Equador". Diversas revoltas e revoluções no Brasil contaram com a influência das ideias liberais, tanto da constituição americana, quanto também do iluminismo. 






Apesar disso, Dom Pedro I aqueles que defendem a historiografia tradicional, mostram que ele era de alguma forma "liberal". De maneira alguma, Dom Pedro tinha como inimigo os liberais que fizeram a revolução do porto em Portugal, e que queriam a volta do Brasil ao status de colônia, e todo o pais, que buscava se livrar da alta carga tributária para sustentar essa monarquia nos trópicos. 


O período regencial, compreendido entre a abdicação de D. Pedro I e a maioridade de D. Pedro II, foi marcado por oposição ao imperador, tentando usar da desculpa de ser perseguido por tropas de sua própria família, ele declarou a independente "antes que algum aventureiro fizesse antes". Criado no Brasil, considerava-se o mais português de todos, afinal, ele era um "brasileiro" que também era membro principal de uma família real europeia. 


Quando Dom Pedro I foge para ver uma de suas amantes, a mais famosa delas, a Domitila (futura Marquesa de Santos), ele recebe notícias de que pipocam revoltas e dissidências por todos os lugares, e que Jose Bonifácio junto a Leopoldina pediam para ele declarar a independência. A Carlota Joaquina, mãe de Pedro I apareceu no filme em poucos momentos, primeiro para reprovar sua "educação" junto ao povão, no segundo momento para parabenizar o "santo" casamento com alguém herdeira da família real mais antiga da Europa. 






O filme tem um trabalho iconográfico não muito distante da forma do típico filme nacional, com produção daquela "típica chanchada, novela", ao ridicularizar os pontos da historiografia tradicional, como a cena do "Eu Fico" que parece que acontece apenas por medo, e a saída á francesa do imperador quando percebe que não consegue mais manter seu poder, aí ele abandona seu filho de 5 anos e começa o período regencial, entre a regência trina e una. 



A cena do "grito do Ipiranga" é inspirada no quadro de Pedro Américo, pintado um século depois por encomenda do governo de São Paulo (atual museu da USP). A obra foi acusada de plágio de uma tela de Friedland, de Ernest Meissonier, que foi pintada em 1875, quase meio século depois do dito evento. Na vida real, Dom Pedro I estava visitando a amante e tentando convencer os paulistas (muito ricos, influentes e rebeldes) a não se rebelar mais contra sua autoridade, queria mediar isso em Santos (local que estrategicamente fica entre Rio e São Paulo).  Dizem que Dom Pedro I recebeu as cartas de Andrada e da esposa dando "uma bronca" nele por estar curtindo a vida adoidado e não resolver as pendências na capital, e que por isso, estava perdendo os últimos apoios que tinha.



 Daí sob um burrinho velho, em uma comitiva cansada, e sofrendo de dor de barriga, declarou algo, que não foi o "independência ou morte", mas que ficou pra história como o "épico" quadro abaixo que é considerado um plágio de outro quadro de guerra famoso, fazendo parte da "escola romântica" das pinturas e também da história esse tipo de narrativa. Foi necessário no Segundo Império lembrar ou "inventar" mesmo uma ideia de libertação nacional em conjunto, quando isso não existia na época. 





A obra faz parte da escola romântica, que glorificam os feitos nacionais do passado histórico, como por exemplo a historiografia de Leopold Von Ranke, com a Escola Histórica romântica alemã, essa é a tendência que imitamos em estilo, verso e prosa, e é em cima de uma historiografia alemã que ensinamos a história do Brasil, como um grande feito... de Portugal.


Não tem como separar as atitudes individuais de Dom Pedro I com tudo que ele representava, como mostra no filme que ele trai seus antigos amigos jornalistas, com os quais promulgou ideias próximos ao absolutismo monárquico ao estilo da Holanda e Bélgica, dos "reis ilustrados", o problema que o filme mostra também, é que Dom Pedro I passava longe de ser um grande ilustrado (das típicas novas monarquias parlamentares liberais), além disso, os "liberais" eram seus inimigos, diferente de seu filho, Dom Pedro II, que era patrono das artes, seu pai era um estilo de monarca "livre" apenas em suas vontades pessoais, e quando Leopoldina morreu, ele não se casou com Domitila, se casou com uma jovem, Amélia de Leuchtenberg e depois fugiu do país. 



Em 1817, ano do casamento de Dom Pedro I, foi pensada uma forma de tornar sua imagem séria, e se casou com uma herdeira filha do Imperador Francisco I da Áustria. As revoltas do período regencial foram Malês, Sabinada na Bahia, Balaiada no Maranhão, Cabanagem no Pará e disputas em todo o Império, atingindo algumas importantes províncias, de  norte a sul da recente nação. Em 1829, por conta das retiradas de Dom João e da família real, o Banco do Brasil faliu e gerou a vitória do grupo em oposição, com a saída de Dom Pedro I e sua segunda esposa, depois da morte de Leopoldina. 







Muito antes de 1822, em 1817 explode uma revolução no seio do cariri, em Crato. Bárbara de Alencar foi uma das líderes republicanas que foram humilhadas pelo poder imperial, parte dos agricultores e comerciantes locais não aceitavam a gerência dos governadores mandados para gerenciar apenas interesses vindos do Rio de Janeiro. Durante o período regencial e também antes com a Revolução Pernambucana de 1817, que eclodiu dia 06 de março e durou 8 dias, houve muita disputa em torno do poder e da autonomia dos interesses regionais que faziam a visão do Brasil imperial uma terra de autoritarismo, torturas e prisões. Outros líderes que foram mortos foi o membro da igreja católica e forte influenciador local Frei Caneca. 


A força da Revolução Pernambucana não esteve apenas em ser o primeiro movimento de autonomia e de tentativa de mudança de regime político, foi um primeiro movimento autônomo após a Inconfidência Mineira, que teve a intenção de contestar um pouco do domínio imperial do governo de Dom Pedro I. 


Outra curiosidade é que o Dia do Fico (09 de Janeiro de 1822) e a fala foi "aprimorada" depois do pronunciamento original de Dom Pedro, que era algo como "Em nome da nação portuguesa unida" e por fim, virou "Diga ao povo que fico", no episódio onde tropas portuguesas desafiaram a autoridade dele em nome das cortes em Portugal. O que significa que esses pequenos factoides que estudamos como referência podem ser criações de instituições e governos para legitimar o poder. O exército português começou a pressionar direito com regimentos que pediam para entrar no país. 


Queriam levar toda a monarquia de volta, por considerar um vexame o país ter sido equiparado como Reino junto a Portugal, e que isso era um argumento forte contra o orgulho nacional português ferido, a sensação de abandono gerou uma sensação de xenofobia, achavam que o Brasil deveria voltar a condição de colônia, para as outras regiões do país, além de Minas e Rio de Janeiro, Dom Pedro I não era nem mesmo legítimo. A tentativa de unificação e reinado de Dom Pedro também não deu muito certo, cedendo a pressões internas e externas e acabou abdicando em favor de seu filho. 



Durante o decênio do período regencial (1831 – 1840) as revoltas explodiram no país, por diversas causas. Assim, não é possível pensar nessas revoltas de forma homogênea, atribuindo apenas uma única causa, uma mesma motivação, embora, a perda de uma ideia de legitimidade – existente enquanto D. Pedro I esteve à frente do trono – possa ser considerado um fator relevante. A desestabilização do Império levou também a disputas entre as elites provinciais.


História por trás do filme


O argumento do filme foi feito por Abílio Pereira de Almeida, com produção executiva de Anibal Massaini Neto, e roteiro de Abílio Pereira de Almeida, Carlos Coimbra, Anselmo Duarte e Lauro César Munis. O filme foi ímpar em conseguir apenas pelas técnicas cênicas duvidar na forma de produzir o filme de todo o 'heroísmo' que deveria no início causar. São vários os detalhes, além de Pedro I ser colocado como um "brasileiro médio", algo como alguém "normal" um "homem comum", apenas para reforçar a comparação de que o ethos do príncipe seria do brasileiro comum e corrupto, aquele "aceito" pelas estruturas de poder. O mito aqui seria que ele "cresceu junto ao povo", sem as antigas regras de corte de Portugal (claro que não foi bem assim, isso é 'licença poética) para explicar que ele não era um cara estudioso (como era Leopoldina) ou aplicado ao governo, como era José Bonifácio. 




Em comparação com a época da ditadura é nítido que vemos um "perfil de político", o perfil do "governador" padrão de Rio de Janeiro, que busca impor suas vontades em relação a toda o território. A amante de Dom Pedro I é mostrada como o próprio mal, como se ela fosse responsável por parte considerável de sua queda (o que é um mito, é claro). 


Pedro I tinha diversas amantes, apesar de ter elevado a Marquesa de Santos a uma mulher com quem também fazia negócios. No filme, ela é "patrona do liberalismo paulista", na vida real, ela apenas demonstrava a mentira do "imperador conservador". 


Quando falamos de História e Cinema, a primeira coisa que passa pela minha cabeça é a questão levantada pelo historiador do cinema Marc Ferro, que faz parte da terceira geração da Escola de Annales.
 

De acordo com Ferro, um filme é uma mistura da época abordada (denotando intenção), com a época de produção corrente de um filme. Dom Pedro aceitou então o título de "Defensor perpétuo e protetor do Brasil". Mas há uma ausência do povo durante todo o processo. 




Da História feita em Analles, Marc Ferro é apenas a terceira geração, mas o exemplo aqui ainda vale. A escola de Annales foi um movimento que gerou a criação de um periódico que resolveu inserir na história a preocupação da política e do social, fazendo uma "história de baixo para cima". Infelizmente, isso no Brasil se converter em "novas fontes" para as diversas cores da calcinha da amante do imperador, e outras facetas do mesmo tipo.


O grande historiador Evaldo Cabral de Melo fala sobre essas "outras independências" fala sobre essas relações de Pernambuco com a metrópole, comentando que o processo forjado como o principal nacional, para ele, era nada mais do que um processo inventado para manter a burocracia e o poder no Rio de Janeiro. 


Há uma tentativa de tornar o Sudeste o centro da nossa história por ser o centro da economia, mas a questão aqui, é que o Sudeste é o centro da economia por conta da forma como tornou sua história palatável para os centros de ensino, primeiras letras e todas os níveis onde se possa fazer história. 




Há uma forma de "sequestro" da história, onde agora é o próprio Dom Pedro I que se diz "contra Portugal", quando sempre foi completamente português. Antropologicamente, Dom Pedro I era um herdeiro de português, mesmo que ele "respeitasse" o Brasil e depois tenha virado seu primeiro governante oficial, fez apenas para não perder o poder para as outras províncias que sustentavam o luxo da corte no Rio de Janeiro.   

O manifesto das nações amigas abriu o antigo monopólio que as cortes portuguesas possuíam no Brasil, a pressão de Napoleão e o contexto singular da época fez com que os monarcas tivessem que literalmente estudar e criar reputação junto a alta cultura. É o paradigma de civilização de Barry Lyndon, um filme que foi feito 3 anos depois desse filme de Carlos Coimbra, veio depois, penso, será que foi esse o filme que inspirou o clássico de Kubrick em parte, pois o filme de Kubrick brincava que qualquer um podia "entrar para a nobreza" pelo casamento, e também certas técnicas de estranhamento provocados por ângulos e zooms em horas específicas, como em Barry Lyndon.


O truque é você utilizar de novas fontes (a nova história, tirada da tradição de Annales), mas não para rever a ideia de fazer uma história de "baixo para cima", apenas para reafirmar o poder da história dos "vencedores" antigos. Não é apenas o poder pelo poder, existe também a questão da legitimidade do poder e do apagamento e esquecimento. Estudar que a imprensa era livre no período de Dom Pedro I não é apenas má fé, é mentira pura e simplesmente. 


A história e história oficial (nacional) carregam e mantém com muita rigidez a historiografia hegemônica. Na própria faculdade de história, o conselho nas aulas que ouvi era "prova de revolução francesa, ah, leia o livro do ensino médio que te ensina tudo", ou em matérias da educação quando o professor de estágio supervisionado falava para você que para "ser professor você precisava ser burro, pois o aluno é burro, se você for inteligente, vai confundir o aluno" e outras pérolas... Tudo isso é fundado na certeza de perpetuar mitos colonizadores que fazem com que a maioria dos brasileiros desconheça a história real do Brasil. 


A noção de que o Brasil era um país pacífico, cujo tino fez com que o português pudesse "melhor nos colonizador", por "sermos parecidos na ginga", ou outras questões parecidas. O ato de conhecimento histórico passa a ser dizer certas "verdades padrão", que podem ser vistas na maioria dos cursos de história na região do sudeste. O Rio de Janeiro talvez seja o Estado que estude história de maneira mais "festiva"  e pró monarquia ao mesmo tempo. Estudamos que foi por conta de Dom Pedro I (e apenas dele), que o Brasil se separou de Portugal, e que nada houve antes ou depois. 


A data da Revolução Pernambucana para dar um exemplo, é de 1817, anos antes da declaração de independência. Vemos uma história que celebra datas e documentos, que foram criados como forma de legitimar e renovar o pacto colonial antigo. Logo, temos revisionismos que servem apenas para intensificar o papel da história padrão, entrando naquilo que chamamos do "foro da vida privada". 

A ideia de liberdade contagiava o continente e era a época em que todas as antigas províncias da Espanha se tornaram independentes, pois a Espanha estava sob o julgo de Napoleão (assim como toda a Europa). Mas existia muita reviravolta na história. Se a maçonaria foi o berço da crítica ao regime através da lógica do racionalismo, também foi o berço da construção do Brasil império e coeso. Em 1825, o Brasil foi reconhecido independente com o dinheiro emprestado pelos ingleses, gerando nova primeira dívida externa, 2 milhões de libras esterlinas. 





Como disse Ciro Gomes no último debate, e ele sabe disso por ser do lugar de onde é (do Ceará), a historiografia, principalmente a praticada nas regiões fluminense e no Sudeste, é basicamente uma decoreba sem fim, onde vemos até mesmo o feminismo na monarquia, sim, existem trabalhos que falam de Leopoldina como heroína, apenas por ela ter sido mais uma "vítima" da sede de poder de Dom Pedro, já que o casamento na época era sempre arranjado. Leopoldina era heroína pelas suas obras de caridade, mas principalmente, pois em comparação com Dom Pedro I, era muito mais "de governo" do que ele, que era apenas um rapaz autoritário que queria "curtir a vida", uma pena que ele fez isso nas costas na maioria dos brasileiros que sofreram suas perseguições financeiras e jurídicas. 




Depois da fama que Pedro pegou de monarca cafajeste, quando Leopoldina morreu, nenhuma princesa o queria mais, era considerado "o príncipe selvagem". O filme brinca com isso, dizendo que Dom Pedro I e sua criança foi o que fez surgir o tipo de rico culturalista que Gilberto Freyre discorre muito bem em seus escritos. Alguns chegaram a dizer que a constituição de 1824 foi uma "muito liberal". Gostaria de saber qual constituição liberal tem uma disposição de poder moderador (a essência das constituições liberais na Europa da época eram para acabar com a época do absolutismo). O que não era remotamente, o que foi feito com essa constituição, para para participar da cidadania, era necessário ser absolutamente rico. 


Quem conseguia "atualizar" o gosto, através da música e outras questões similares mantinha o poder através da criação e sustentação e todo um novo código de maneiras e de hábitos a mesas, foi no século XVII que essa "troca" de utensílios e objetos com a burguesia começou a acontecer, quando essa classe mais baixa passou a pagar para entrar nos salões da elite em troca de "renovação". Anselmo Duarte, por exemplo, interpreta no filme um maçom famoso, Gonçalves Ledo, apontado como o que teria escrito o manifesto final. Dom Pedro estava inconsolável de ter que ser livrar do braço de apoio português e militar (que era até então a única base real de seu governo). 


Por exemplo, em filmes como O General (de Buster Keaton, de 1926), o filme em si é feito em 1926, mas os fatos abordados são sobre a Guerra Civil Americana no século XIX. O que quero dizer exatamente com isso? Keaton era um cara muito de esquerda, muito progressista, mas estava fazendo um filme em que interpreta um soldado sulista, que apenas queria agradar a sua amada (uma crítica onde a guerra era romântica, por honra, e por isso homens lutavam sem chance real de ganhar), isso vale para a Guerra Civil Americana


O mesmo serve para esse filme em que vemos uma tentativa de seguir a história oficial, mas contando um novo lado interpretativo instigante, por isso o filme vale muito a pena. Pode parecer uma propaganda pró ditadura, mas também demonstra o outro lado da interpretação sobre o carácter do príncipe como um todo, mostrando-o como um grande traidor e canalha, na verdade. Sérgio Buarque Holanda falava sobre o "homem cordial" em referência ao que seria o 'ethos' do homem português, do lançado, aquele que vinha para colonizar apenas o litoral, só que era esse clima em meio ao começo do processo de escravidão. 


Muitos saúdam o liberalismo da constituição de 1823, mas é nela que é instituído a escravidão como instituição, e uma percentagem de poder ao mandatório-proprietário, favorecendo apenas aqueles grandes latifundiários e agitando o clima de acirramento político. Foi aí que Dom Pedro I fechou a Assembleia Nacional Constituinte (demonstrando que apenas buscava legitimar seu poder junto a Portugal, não exatamente criar um país novo). 


Dom Pedro I mandou o exército invadir a Assembleia Nacional Constituinte e prender os deputados que discordavam deles. Para combater os revolucionários da Confederação do Equador de 1824 Dom Pedro I foi pedir empréstimos junto a Inglaterra, e seguiram para o Recife junto a Thomas Cochrane, fazendo a maior repressão que se tem notícia na época do Primeiro Reinado, perdendo o território da Comarca de Alagoas como punição. O filósofo e jornalista Cipriano Barata também foi preso e perseguido na Bahia, escrevia o jornal "Manifesto ao Povo Bahiense", sendo considerado da ala radical em prol da independência do Brasil. 


Escrevendo sobre Dom Pedro I, a quem fazia serviços de repressão em troca de dinheiro (mercenário inglês), escreveu que Dom Pedro I era pouco mais que um "governador do Rio de Janeiro", outro mensageiro austríaco apontava a completa anarquia e que praticamente nenhuma província obedecia ao governo central monárquico. A morte de Frei Caneca, um dos líderes do movimento foi exemplar no seu sentido punitivo, era para demonstrar o que acontecia, até mesmo com um homem amado localmente com alguém que fosse contrário a Dom Pedro I. Ele foi morto com ordens do pai do futuro Duque de Caxias. 


Dom Pedro I era um liberal em costumes (próprios), e ironicamente, completamente mandado pelo grupo político mais conservador possível da sociedade época, só não eram mais conservadores que os liberais do Porto. Assim nasce a contradição, é no liberalismo das ideias que revoluções populares como a Conjuração Baiana, se formaram no nordeste e no norte do país, foi por lá que a autoridade de Dom Pedro I foi mais questionada, junto com a autoridade do governo monárquico português, que era cada vez autoritário junto as províncias e não buscava negociar.

 A raiva pelo absolutismo e tom conservador contagiou o Nordeste que revidou a chamada "Constituição da Mandioca (favorável aos proprietários de origem portuguesa) com a Confederação do Equador de 1824 que resolveu tentar desafiar a proposta absurda de Dom Pedro I ", para votar, era 10 alqueires de farinha de mandioca, era esse o "preço da cidadania do voto" da época, uma clara ofensa a qualquer país civilizado, ter que ter uma commodities específica apenas para participar da política. 


No caso desse filme, a forma que podemos analisar, é que o ano de sua produção, 1972, o Brasil vivia o regime militar sob o governo de Médici, o presidente da "linha dura", da fase mias autoritária, a comparação com Dom Pedro I é perfeita nesse sentido. Ele primeiro sufocou rebeliões locais, depois ele se casa, promulga uma constituição fajuta, arruma uma segunda mulher, a Marquesa de Santos. O filme atingiu o público de de 2 924 494 espectadores, sendo o filme brasileiro mais assistido de 1972 (quando o Brasil ainda era uma ditadura militar).


Essa mulher é representada no filme como o grande motivo da queda de Dom Pedro I, o que é uma boa metáfora do tipo de política e pessoa que a Marquesa de Santos era. Ela era uma mulher moderna, o que condiz com o libelo que Dom Pedro I seria um liberal, e representava no filme a reinvindicação por autonomia e novos costumes "liberais", por isso ela seria de São Paulo, um dos locais a depois mais enfrentar o poderio de um governo no Rio de Janeiro. 


Esse filme foi feito e acusado de agradar os militares, mas é uma acusação injusta, já que a crítica tradicional que deveria amar o filme, acabou o desprezando. A análise de um filme, portanto, deve obedecer a noção de que fala de um fato no passado, fala por algum motivo no presente. Essa duplicidade da interpretação do tempo histórico, entre o fato narrado e a época feita faz uma medida mais aproximada em torno da ideologia do filme, de sua produção, de sua forma fílmica. Ou seja, o método histórico pode incluir a análise fílmica, mas não apenas isso, sendo esse campo uma área da semiótica, semi análise (que é importante também). 


Na época, o filme e seu produtor Oswaldo Massaini foi acusado de fazer uma imagem de integridade nacional e de orgulho, acabou sendo odiado pela crítica, foi muito visto nos cinemas e deu grande margem de lucro, algo difícil para uma produção nacional, ainda mais em plena ditadura militar. A grande sacada do filme é dizer absolutamente tudo das fofocas, fuxicos e outros detalhes pessoais revisionistas para fortalecer exatamente a visão sobre a historiografia tradicional. Os motivos para os acontecimentos históricos são substituídos. 


Se na visão do filme, Dom Pedro I caiu por conta da traição a Leopoldina (que era enormemente mais querida que o marido), foi visto como responsável por sua morte. Já dentro da vida real e política, a questão era que perder o território para republicanos faria um grande aliado da Europa virar um novo país republicano, ao estilo da América Bolivariana da Gran Colômbia. Os maiores inimigos da Carlota Joaquina eram os países ao lado do Brasil que queriam se livrar exatamente da casa monárquica de sua família. Quando deixou o Brasil, Dom João IV levou todo o dinheiro do país, como também quando Dom Pedro I voltou para Portugal para lutar contra o irmão, ele também pegou parte do dinheiro da independência. 


Por fim, ele foi embora com sua segunda esposa e nunca mais viu seu filho, que virou o imperador do Segunda Reinado, em um processo de aceleração de sua posse, considerado como um verdadeiro golpe, "o golpe da maioridade", quando com 15 anos Dom Pedro II salvou a continuação da monarquia, que nunca foi bem das pernas, se sustentando no mito contínuo das instituições para se manter como uma "pátria coesa". É bem verdade que Dom Pedro II não seria tão absurdo em suas ações quanto foi Dom Pedro I, apesar de ele ser idealizado como um grande "monarca liberal", foi o liberalismo a principal força que combateu as famílias reais como a sua, não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro. 



Asssista o filme






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Cemitério Maldito (Pet Sematary, 1989): Filme suavizou livro de Stephen King mas é a melhor adaptação da obra até hoje. Confira as diferenças do livro para o filme

"1883" (2021): Análise e curiosidades da série histórica de western da Paramount



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