Amor à Flor da Pele (2000): Tempo, nostalgia e desencontros dão o tom em filme que mostra a influência ocidental histórica em Hong Kong
Dirigido por Wong Kar-wai, é uma coprodução da França com Hong Kong. Em 1962, Hong Kong, Chow Mo-wan, é um jornalista, e Su Li-zhen (Sra. Chan), uma secretária de uma companhia de navegação e embarcação, eles alugam quartos em apartamentos adjacentes. Os dois são casados e esperam seus companheiros saírem para o trabalho ou fazerem turnos extras para se relacionar. Com o tempo, os destinos que pareciam entrelaçados não se encontram mais, tudo ao som de muito bolero
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Devido à presença amigável, mas autoritária, da senhoria de Su em Xangai, a Sra. Suen, e de seus vizinhos agitados e jogadores de mahjong, Chow e Su ficam frequentemente sozinhos em seus quartos e raramente jantam com os outros inquilinos. Embora inicialmente sejam amigáveis um com o outro apenas quando necessário, eles se aproximam à medida que percebem que seus cônjuges estão tendo um caso e, posteriormente, tentam reconstituir como o caso poderia ter começado antes
Nos últimos tempos, devido a tantos e tantos motivos diferentes, confesso que está dando zero vontade de ver qualquer coisa que venha do Estados Unidos (em termos de filmes e séries), tenho andando com vontade de ver todos os filmes chineses e de Hong Kong (são muitos e muitos mesmo, todos os filmes de ação de Jack Chan, por exemplo), e aqui no blog temos diversos filmes chineses que já escrevemos sobre, Perigo Extremo, A Batalha no Lago Changjin, inclusive o meu último filme que escrevi crítica foi "O Expresso de Xangai (1932)", e outros foram Adeus, Minha Concubina do Chen-Keige, e também o clássico moderno do gênero wuxia: O Tigre e o Dragão (2000), do diretor Ang Lee.
O Wong Kar-wai é um cineasta que todos conhecem mais pelo filme Chungking Express (1994), viu os investidores sumir depois da crise financeira de 1997 dos trigres asiáticos, quando fez um filme de uma história de amor gay na Argentina.
Na ideia de Deleuze sobre o cinema, tempo e movimento, podemos entender o que seria uma "imagem-tempo", que pode ser uma mistura de passado, presente e futuro. O cinema desse diretor exige demais análise fílmica, já que não segue uma storyline ou plot escritos per se, as ações são observadas na imagem, como na cena do fim do filme e isso é uma forma de utilizar a semiótica e o simbolismo na arte do cinema.
O filme quer falar de algo muito específico, o sentimento de diáspora chinesa em territórios como Hong Kong que fugiram da China depois da revolução comunista de 1949. Por isso o uso comum de musicas tocadas do Mahjong, musicas em mandarin e o uso de cheongsams (qipaos) em contraste com a maioria cantonesa. Pensamos nessa influência da cultura de Hollywood, dos filmes e das revistas ocidentais como Vertigo, The Apartament (Se meu apartamento falasse, 1960, ou Brief Encounter, de 1945) são filmes com estética e temática parecidas.
O hábito e a cultura das pessoas face ao questionamento em relação a ocupação estrangeira do território e a própria perda de identidade que aconteceu por conta disso e é sentido através do casal, o adultério e a solidão que ambos os personagens sentiam ao se envolver. O filme termina com Chow sussurrando no buraco da parede seu segredo na parede de um templo em Angkor Wat, Cambodia, um templo antigo em ruínas.
Ele espera encontrar sua amada Su Li Zhen como combinado três anos antes, mas ela já não está na mesma temporalidade que ele e não vai. De certa maneira, lembra o mito romano escrito por Ovídio em seu "Metamorforse", sobre o casal Píramo e Tisbe (uma espécie de proto Romeu e Julieta), um casal vindo da cidade de Babilônia, cujos pais os proíbem de se casar, através de uma parede quebrada eles sussurram o seu amor um pelo outro.
Acho que esse filme fala muito para mim por isso mesmo, esse tipo de música que minha avó amava, os boleros (nesse caso, cantado pelo cantor americano de jazz Nat King Cole), as músicas de rádio antigas ao estilo bbc que não se fazem mais, esse filme tem essa "alma de música" latina e ocidental, mostrando como somos parecidos não apenas economicamente com os chineses, mas também em grande parte, tivemos muita influência da cultura externa em demasia, mas também como uma forma de amuleto de proteção no meio da mudança de tudo e de todos, como mostrado no filme.
O filme sabe captar essa atmosfera vibrante moderna das músicas antigas feitas entre 1930-40 em Shanghai. Ele trabalhou com Christopher Doyle para dar os efeitos com música de jazz na sua forma de filmagem. Ele fez esses métodos de filmes mais independentes e teve um box office (faturamento geral) menor do que o esperado, apesar de aclamado pela crítica por sua ideia de cinema sobre a modernidade e os gostos culturais particulares de uma classe média que tentava usar a cultura para esquecer a própria história, e na forma de esquecer essa história, esquece-se de si mesmo e da própria noção de amor romântica (que é inalcançável e irresoluta) como as questões históricas entre Hong Kong e China, que depois da Revolução Cultural passou a brigar mesmo com as cidades, que com o tempo passaram a ser dominadas, no caso de Hong Kong pela Inglaterra.
Thisbe chega antes e vê uma leoa com sangue na boca de uma morte recente, ela foge com medo, deixando seu casaco sem querer, quando Píramo chega e reconhece o casaco de Thisbe, ele acha que ela morreu e então se mata por isso, igual Romeu e Julieta mesmo, ela encontra o amado morto e se esfaqueia até a morte. O lamento de Thisbe foi tão profundo e doloroso que mudou para sempre a cor das frutas amoras em homenagem ao amor proibido, isso que é filme profundo. Ao fim, a rachadura na parede foi o elemento mais profundo e reflete sobre amor, desilusão e falta de possibilidade de compartilhamento de destinos.
Chow convida Su para ajudá-lo a escrever uma série de artes marciais. O aumento do tempo que passam juntos chama a atenção dos vizinhos, levando Chow a alugar um quarto de hotel onde possam trabalhar juntos sem distrações. Com o passar do tempo, eles reconhecem que desenvolveram sentimentos um pelo outro. Quando Chow consegue um emprego em Cingapura, ele pede a Su para ir com ele. Ela concorda, mas chega tarde ao hotel para acompanhá-lo. É uma série de desencontros que marca a trajetória romântica do casal que é regada com muita música ao estilo de bolero e Nat King Cole.
No ano seguinte, em Singapura, Chow conta uma história ao seu amigo sobre como antigamente, quando uma pessoa tinha um segredo, subia a uma montanha, fazia um buraco numa árvore, sussurrava-o no buraco e cobria-o com lama.
Su chega a Cingapura e visita o apartamento de Chow. Ela liga para Chow, mas permanece em silêncio quando Chow atende o telefone. Mais tarde, Chow percebe que visitou seu apartamento depois de ver uma bituca de cigarro manchada de batom em seu cinzeiro. Isso significa o nível de enforcamento com as normas sociais aos quais os dois submetidos. Chow esperava por ela em seu apartamento 2046, percebendo que ela poderia nunca aparecer, ele vai embora. Ou seja, ela estava esperando por ele, só que não naquele momento e tempo em que ele estava.
Quando Chow volta de Singapura para visitar sua vida antiga, nada era o mesmo, não tinha os mesmos vizinhos, tudo tinha mudado e uma era temporal era como uma cortina na história de amor dos dois, um eterno 'badtiming' no caso.
História e bastidores do filme
O que mais podemos falar sobre esse filme é essa fotografia linda, essa trilha sonora especial, com duas músicas do Nat Cole em espanhol, "Quizas Quizas Quizas", "Aqueles Ojos Verdes", e "Te Quiero Dijiste",o filme passa esse ritmo de bolero e paixão na China. O filme ganhou vários prêmios, como a indicação ao Palma de Ouro, e o prêmio inédito de Melhor Ator Tony Leung Chiu-wai foi o primeiro chinês a ganhar o Palma de Ouro. Muitos gostam de separar de dizer que o ciclo de Hong Kong não são "parte da China", mas o teor crítica do cineasta que diz que por mais tenha muita influência ocidentais esteja presente na cultura das pessoas, pouco do destino dela elas podem alterar. No filme, de Wong Kar-wai, sempre temos essa pegada de temporalidade e background (passado) de cada personagem. Outro filme muito famoso do diretor é Chungking Express (um clássico dos anos 1990 dos filmes chineses.
Chow Mo-Wan descobre que sua esposa tinha um affair com seu vizinho e isso faz com que ele se apaixone por Sue, que recusa a procurar se divorciar do seu marido deixando seu amor desapontado. Esse misto de nostalgia, desgaste e amor faz com que soframos juntos aos personagens que representam pessoas que são também moldadas por situações históricas e sociais.
A música do filme foi escrita por Michael Galasso, Shigeru Umebayashi, e Nat King Cole (usando várias músicas desse artista para dar essa ideia de influência ocidental nos personagens e nos seus hábitos em uma Hong Kong capitalista e dominada pela Inglaterra. A trilha-sonora maravilhosa foi lançada em 2001 e foi um sucesso, sendo um dos principais elementos do filme. O principal, o duelo dos protagonistas contra o tempo, que parece mais vilão que os próprios vizinhos que controlam a vida alheia do lugar.
A música tema do título do filme em inglês "I'm in the mood for love", de performance moderna de Bryan Ferry, foi escrita por Jimmy McHugh e Dorothy Fields em 1935 e apresentada por Frances Langford no filme Every Night at Eight, e gravada por diversos artistas como Louis Armstrong, Billy Eckstine, Julie London e Fats Domino, como também inspirado em parte no saxofone de Moody's Mood for Love.
Três anos depois, Su visita a Sra. Suen, que está prestes a emigrar para os Estados Unidos, e pergunta se seu apartamento está disponível para alugar. Algum tempo depois, Chow retorna a Hong Kong para visitar seus ex-proprietários, os Koos, que emigraram para as Filipinas. Ele pergunta sobre a família Sue, que mora ao lado, e o novo proprietário lhe diz que uma mulher e seu filho estão morando lá. Chow sai.
Durante a Guerra do Vietnã, Chow viaja para o Camboja e visita Angkor Wat. Enquanto um monge o observa, Chow sussurra algo em um buraco na parede e tapa-o com lama. Como a situação do Vietnã com a guerra, a vida desses personagens são marcadas pela influência de outros na vida deles, como a situação das "grandes cidades" na China e como elas se tornaram polos de moralidade hipócrita e "resistência" a Revolução Comunista. Todos temem que a revolução mudará seus costumes, mas eles também nunca fizeram na vida o que queriam, então uma ótima crítica ao capitalismo clássico.
O título original em chinês do filme, que significa "a idade das flores" ou "os anos floridos" - uma metáfora chinesa para o tempo fugaz da juventude, da beleza e do amor - deriva de uma canção de mesmo nome de Zhou Xuan de um filme de 1946. O título em inglês deriva da música "I'm in the Mood for Love". O diretor Wong planejou nomear o filme como Segredos até ouvir a música no final da pós-produção.
In the Mood for Love passou por um longo período de gestação. Na década de 1990, Wong Kar-wai obteve algum sucesso comercial, muitos elogios da crítica e ampla influência sobre outros cineastas em toda a Ásia e no mundo com filmes como Chungking Express.
O que mais podemos falar sobre esse filme é essa fotografia linda, essa trilha sonora especial, com duas músicas do Nat Cole em espanhol, Quizas Quizas Quizas e Aqueles Ojos Verdes, o filme passa esse ritmo de bolero e paixão na China.
Em 1997, Happy Together ganhou Melhor Diretor para Wong Kar-wai e surpreendendo o meio com seu sucesso, com uma história de amor gay na Argentina. Em 1998, ele fez o rascunho do filme que teria como título "Summer in Beijing", quando o roteiro foi finalizado ainda tinha esse nome. Garantindo a presença das estrelas Tony Leung Chiu-wai and Maggie Cheung como os protagonistas do filme, dois grandes astros do cinema chinês.
A ideia original eram três contos ao estilo que ele já havia feito antes com uma inspiração de Chungking Express e Fallen Angels, ele resolveu chutar os outros dois plots e focou no que chamou de história de amor de um homem e uma mulher que compartilham segredos e macarrão instantâneo.
Como a atmosfera de Hong Kong atual não daria a sensação da época por conta das diversas alterações que a cidade moderna tem em relação a cidade antigas da época. Para que as gravações correspondessem ao tom real necessário para parecer anos 1960, as cenas foram regravadas diversas vezes até chegar a perfeição.
As cenas que eram para retratar a antiga cidade de Hong Kong, foram filmadas parte em bairros menos desenvolvidos de Bangkok, Tailândia, e depois o filme usou de cenários em Singapura, e uma cena em Angkor Wat, Cambodia no fim, que também foi dominado primeiro pelos ingleses, depois franceses e americanos. Nessa sensação de exploração aqui há uma metáfora perfeita em relação ao casal.
Demorou 15 meses para terminar com todas as cenas nas alocações. Filme foi fruto de filmagens não originalmente digitais (na época que os filmes estavam parando de usar a película de prata típica dos filmes antigos), isso ajuda a fermentar essa ideia de cinema arte que não se faz mais e a fortalecer uma imagem-tempo consagrada devido a técnica do diretor que é muito boa para iludir e manipular a noção de tempo do expectador.
O filme foi pensado como uma trilogia sentimental sobre amores e desilusões, o primeiro dos filmes "A Fei Zheng Chuan" ("Dias Selvagens", Days of Being Wild (1990)), o segundo é esse "Amor à Flor da Pele (2000), In the Mood of Love (2000)," e o terceiro filme da sequência seria o "2046" (o quarto onde ele estava quando desencontrou a moça, filme de 2004), seria essa sequência nos anos 1970, já que In the Mood of Love seria nos anos 1960.
A distribuição do filme sofreu impacto por conta da falta de interesse dos EUA, e da sempre e má vontade do cinema americano para com o cinema chinês e sua distribuição ficou com a USA Films com um release limitado, baseado em apenas alguns minutos do filme.
A música original se chama Hua Yang De Nian Hua" do famoso cantor Zhou Xuan, sendo uma metáfora da difícil e sinistra ocupação japonesa do território de Shanghai antiga e de um filme de 1946 com o mesmo título. No título original chinês significava algo como "the age of blossoms, ou "the flowery years", uma metáfora sobre os "bons anos de juventude, beleza e amor". O filme ia se chamar "Secrets", até que o diretor escutou a música na pós produção e decidiu mudar o título da obra a pedido de um dos diretores de Cannes.
Muitos consideraram ousada a ideia de duplicidade temporal irruptiva e hoje em dia isso é moda, vemos em Outlander, em doramas coreanos, animés, vários entretenimentos que utilizam a ideia de multiverso narrativo. Mas a forma como é feito isso nesse filme é sublime, mostrando que a imaginação e a saudade, como também a memória e os traumas são imperativos individuais e que podemos nos decepcionar que achamos que as coisas não mudam sempre.
Alguns nomes fazem um tipo de cinema parecido, como o cineasta francês da nouvelle vague Jean-Luc Godard, Yazujiro Ozu, Alain Resnais, Krystoz Kieslowski, e o americano David Lynch, todos utilizam fórmulas sensoriais que confundem passado, presente e futuro.
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