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Perigo Extremo (1987): Clássico chinês influenciou e foi copiado por diversos filmes do gênero

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"Filme chinês de polícia". Existem tantos filmes com tal mote que quase formam um gênero a parte. O pai do gênero talvez seja "Policy Story" (1985), estrelado por Jackie Chan e que projetou sua carreira para fora da China. Entretanto, "Perigo Extremo" (City of Fire, 1987) talvez seja o filme que melhor deu contornos ao gênero e talvez principal responsável pela explosão de filmes do gênero, principalmente americanos


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Primeiro, é interessante pensar no motivo de tantos filmes policiais produzidos na China principalmente no final dos anos 80. Em uma definição sugerida por Weber, a polícia é o monopólio do uso da violência pelo Estado. Se temos uma sociedade socialista, a polícia passa de órgão repressor dos interesses da burguesia que dirige o Estado para propagadores morais do estado ou meros funcionários públicos? Muitos filmes chineses se centram nesse debate


"Perigo Extremo" é talvez o filme chinês que pensou tal questão com mais pioneirismo. Se pensamos o modelo de socialismo chinês como um modelo onde estado coordena os interesses econômicos à frente dos interesses da iniciativa privada, a polícia perde sua natureza imediata de repressão para manter a desigualdade, e ganha a característica de menor cargo público do estado, geralmente para caras fracassados. Isso acontece pois só há dois de tipos crimes em filmes chineses: os grandes e os pequenos. Os pequenos geralmente são apresentados no filmes chineses como ridículos para o policial que usa sua autoridade para tal, como em "Pickpocket" (1987). Os crimes grandes em filmes chineses são sempre dois: tráfico de armas e assassinatos. 


Armas são sempre o alvo pois elas representam crimes internacionais, com a participação de organizações ou traficantes americanos milionários. As drogas são sempre uma questão adjacente nas tramas, nunca o foco.


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Isso faz com que se tenha outro padrão nos filmes chineses: sempre poucas armas. Tirando filmes mais atuais, no filmes clássicos chineses as armas são sempre de baixo calibre, como revólveres 38 e pistolas 9mm, e geralmente velhas. Isso obriga bandido e policial a uma situação básica sempre: sem quiserem fazer algo na marra vão ter que resolver caindo na porrada. Daí tantos filmes de Kung Fu.


E como o policial chinês geralmente é um cara fracassado ele usa a única arma de fato que possui: a infiltração. Isso traz sempre uma série de reflexões culturais as narrativas, por isso é um recurso narrativo tão usado pelos filmes. Você pega aquele policial playboy ou maluquinho e coloca ele para lidar com os pobres, com o cotidiano normal de todos. É engraçado que por isso tantos filmes policiais, principalmente brasileiros, possuem, contraditoriamente, uma estética e linguagem popular. 


Perigo Extremo se destaca talvez pelos personagens, diálogos e jeito de desenrolar a trama que serviu de "molde" para diversos outros filmes de polícia que vieram depois. Muitos críticos afirmam que o filme de Tarantino, "Cães de Aluguel", é um plágio do filme chinês, o que discordo. Apenas algumas cenas parecem inspiradas, como do tiroteio, uma cena de tortura e o fato de ambos os filmes serem sobre assalto, fora isso na estória mais nada. 


Entretanto, um filme brasileiro de grande repercussão é sim quase um plágio total do filme: Tropa de Elite. Como em Perigo Extremo, há um personagem principal do filme, mas ele divide o protagonismo com outros 2 personagens, formando a estranha tradição de narrativas com 3 protagonistas. 


Em Perigo Extremo, são Ko Chow (interpretado pelo famosíssimo Chow Yun-fat), o policial veterano Inspetor Lau e o assaltante Fu. Isso é algo trabalhado inclusive no pôster de divulgação original do filme. 


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Ko Chow é um fracassado e bem humorado policial que se infiltra em uma gangue especializada em assaltos. Chow é um cara diferenciado da maioria dos homens chineses da época retratada. Tendo perfil jovem e até universitário, Chow não gosta da Polícia de Hong Kong e deseja sair da corporação. Ele prefere passar a maior parte do seu tempo com sua esposa e sua melhor amiga e outras mulheres, não participando do universo masculino e nem possuindo amigos. O único homem próximo a Chow é o maoísta inspetor Lau, que é seu tio e quem passa o caso para Chow. 


Além disso, Chow é uma brincalhão, um zoador, que prega peças nos demais personagens. Uma representação precoce daquilo que viria a ser o homem moderno chinês, representado hoje em dia perfeitamente por Xi Jinping. 


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Chow simplesmente não se encaixa na polícia por ter uma cabeça aberta e para frente demais, levando-o a eventualmente encontrar compreensão e amizade em Fu, o ladrão qual está investigando deverá eventualmente prender, dualidade moral e ética entre vida privada e profissional.


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A verdade é que o fato de até mesmo a esposa de Chow querer o largar para ficar com um milionário e ir para a América, faz Chow ter um bromance com Fu, uma "broderagem". Nada fisíco claro, mas eventualmente apenas Fu entende a perspectiva de ser um sujeito moderno demais para se encaixar na sociedade chinesa, que apesar de socialista era cercada de ritos injustificados.


Chamo o inspetor Lau de maoísta por ele ser o personagem que na história exerce o papel de quem tenta reciclar ou extrair significados socialistas de ritos tradicionais, algo evidenciado pela cena do funeral onde Lau participa completamente e de corpo presente do rito de enterro, enquanto Chow apenas acompanha, de longe, distante e com respeito: a metáfora perfeita das diferenças na forma de pensar das gerações chinesas dentro do socialismo. 


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Toda essa configuração social, faz com que Chow seja odiado e alvo de seus colegas policiais americanizados e "bem armados", representados pelo inspetor John, que tenta atrapalhar suas operações, chegando até mesmo a torturar Chow. 


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O acontecimento faz com que Chow tenha dúvidas sobre quem realmente ele era; policial ou bandido, chegando ao ápice do grande assalto onde Chow atira nos policias de Hong Kong com tudo para proteger Fu.


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As cenas de ação são simplesmente ótimas, é de violência simples e realista. A cena do carro de polícia capotando e pegando fogo apenas com tiros de revolver, são resultado de um estilo exagerado de fazer os filmes que marcaram uma geração dos efeitos práticos no cinema. A direção de Ringo Lam e o roteiro são impecáveis para o gênero, sendo uma óbvia "referência secreta" dos cineastas ocidentais, como até mesmo Scorsese, já que Infernal Affairs, filme chinês que influenciou seu Infiltrado, foi influenciado por sua vez por Perigo Extremo. Tudo se dá em um extremo nível de descontração e até humor. Então, quando você acredita que a vida está normal, se regulando, as coisas tão dando certo na medida do possível; tudo de repente culmina em um grande evento catártico de violência extrema. 


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Sem dar spoiler, obviamente a proposta e conclusão trágica da história continham certa critica do diretor ao regime político chinês, principalmente do sistema policial da época. Entretanto, diferente da crítica ser voltada ao aspecto ideológico do socialismo chinês, o filme foca muito mais em criticar o atraso nos ritos e conservadorismo das relações, exacerbados segundo a visão do filme pela abertura dos mercados de Deng Xiao Ping. A conhecida "trilogia do fogo" é composta por 3 filmes feitos por Ringo Lam, onde cada um é voltado para criticar o funcionamento de alguma instituição da China da época, sendo os outros dois School on Fire e Prison on Fire.


Um filme importantíssimo para se entender a cinematografia contemporânea e chinesa, as relações políticas e geracionais entre Hong e a China, e uma ótima pedida para os viciados em filmes realista, "old school", de ação. Um detalhe que considero que pode explicar o motivo de muitas pessoas não gostarem do filme no Brasil, e ele ter uma média de avaliações na internet que denota que ele divide opiniões, é o fato de muitas pessoas assistirem o filme dublado. Ele tem dublagem de época cômica de ruim, mas tem seu charme justamente por tornar o filme mais engraçado. Assistindo como eu assisti, com idioma original em chinês e legendas em português, o filme ganha um peso, uma dramaticidade muito maior.


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