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Nasce uma Estrela (1937): Uma sátira marcante sobre Hollywood que passou para a História como um filme de drama e romance


Nasce uma Estrela é um filme de 1937, de romantismo, drama, com toques de sátira, produzido por David O. Selznick e dirigido por William A. Wellman, de um roteiro feito por Robert Carson, Alan Campbell e Dorothy Parker. Acompanhamos a vida de Esther, uma garota aspirante a atriz que quer se mudar para Hollywood e conquistar fama no cinema. Estrelando a atriz Janet Gaynor (de Aurora, 1927) e Fredric March


Assista ao filme no Youtube, link no final desse artigo

Crítica do filme


O filme teve diversos remakes ao longo da história, inclusive um recente com a Lady Gaga, mas a marca do primeiro como melhor é impossível de tirar. O clássico de 1937 é um clássico dos clássicos mesmo. A estória foi inspirada no casamento de Barbara Stanwyck, que se casou com um ator que desejou abandonar os estúdios depois da Segunda Guerra. 


Outra curiosidade é sobre o diretor do filme William A. Wellman, que fez também Wings (1927), filme considerado o "primeiro top gun" da Paramount, como também fez o famoso filme "Consciências Mortas (1943) - The Oxbow Incident" na Fox. 


Um dos remakes foi com Judy Garland e dirigido por George Cukor, e em 1976 com a estrela Barbra Streisand, já em 2018 foi a vez de ser Lady Gaga a estrela do "Nasce uma Estrela", mostrando que o cinema americano sabe reconhecer seus clássicos mais especiais. O que torna esse filme especial? 


Eu aposto na roteirista mulher Dorothy, uma poeta também, que fazia o gênero de sátira em seu texto. Essa escritora e poeta foi censurada pela blacklist de Hollywood por ser considerada de esquerda. Ela era casada com Alan Campbell, um escritor formado em uma faculdade militar, e que também era escritor do filme, o trio recebeu indicação por Melhor Roteiro. 


Acredito que ela deu o tom mais cômico ao filme. Acontece que esse tom cômico parece ressaltar uma ideia de "ascensão e queda" das estrelas de Hollywood e isso tem tudo a ver com o processo de concretização dos códigos de censura e de que tipo de produção passou a ser hegemônica dentro de Hollywood. A ideia central era que para uma estrela nascer, outra tem que morrer. 


O filme é marcante por diversos motivos, além dos diversos remakes, a maioria não entendeu direito o filme, passando para a história como um simples filme de drama de celebridades. Mas não é apenas isso, alguém mexeu no filme a ponto de mudar seu gênero água com açúcar e transformar o filme em uma carta aberta de repúdio ao ambiente tóxico, volátil e controlado que é Hollywood. 


Apostaria minhas fichas no nome de Dorothy Park, uma das roteiristas do filme, única mulher. Naquela época, era raro o emprego de mulheres nas equipes técnicas (é raro até hoje em dia, se formos sinceros), o perfil da pessoa que lida com cinema (críticos de carteira assinada), cineastas, são de homens brancos, as mulheres nunca é dado nem mesmo a chance, e esse filme sabe disso mostrando a solidão e a impossibilidade de "entrar no mundo de Hollywood". 


Aqui tudo é muito metafórico e o filme busca não falar de sexo, por exemplo, não era isso.  Além de já existir nomes de atrizes e comediantes judias como a Fanny Brice (interpretada em 1968 pela própria Barbra Streisand) faziam sucesso com sua comédia e programas de rádio.


As screwball comedies (comédias sexuais sem sexo) foram criadas pelos estúdios mais "legais" que queriam se adaptar e manter a originalidade e a modernidade dentro do cinema. A criação dessas comédias dada dos anos de 1937 em diante. 


O filme em si não é uma screwball, pois aqui o sexo é apenas mais uma parte da vida, que acontece em off sem precisar ser sobre isso o filme. Filmes como Bad Girl de Frank Borzage, pareciam que eram para apoiar a censura, contra filmes de gênero que eram os mais odiados como Frankenstein (1931), por exemplo, mas não é tão simples. 


Filmes como Bad Girl eram complexos, apesar de românticos, mostravam autonomia e modernidade dos costumes por parte dos jovens.   Os "Hay Codes" códigos de censura oficiais da produção do filmes durou de 1930 (como uma espécie de conselho), e depois de 1937, ano desse filme, quando a censura foi instituída como necessária para autorização da produção dos filmes. 


O "hay code" foi o nome dado devido a influência do presbiteriano Will H. Hays, a era de ouro de Hollywood que conhecemos foi marcada por algumas regras estranhas sobre a interação entre homens e mulheres em tela, proibia dança, por exemplo, e de retratação geral de figuras religiosas. 


O código gerou uma necessidade de contornar a censura e assim nasce as formas de dizer fora da tela, as aliterações e metáforas diversas que muitos filmes faziam. O que mais espanta sobre "Nasce uma Estrela" é que vai além do debate romântico e sentimental, temos aqui um debate sobre profissões e sobre o deslumbramento com Hollywood, que faz refletir uma moralidade nos filmes clássicos que não existia no universo pessoal dos atores. 


Nos filmes screwball clássicos, o que estava escondido com o sexo era interpretações sobre costumes e também outros elementos transversais subjetivos de viés ideológico estavam implícitos na narrativa, como em "His Girl Friday" ou "Bringing Up Baby". Não é o caso exato do filme "Nasce uma Estrela", como é um drama biográfico com tons de sátira histórica, como Cidadão Kane; vemos a ascensão e queda de um ator e a ascensão de outra atriz. 


Isso simboliza muito, pois as mulheres foram as principais famosas dos primeiros ciclos de Hollywood eram das mulheres os maiores salários por conta da bilheteria que traziam, principalmente as "charmosas e inteligentes e elitistas da MGM" ou as "expressivas e fofas da Fox" e do cinema mudo como era Janet Gaynor, uma atriz super profissional, inverso do personagem dela, que chega lá mais por sorte e carisma, e claro, relações interpessoais. Havia toda uma leva de mulheres que marcaram época da indústria. 



Falo sobre Monroe, pois ela é um excelente exemplo que teve sua estrela uma ascensão e queda e que depois não suportaram o tipo de fama e de criação de personagem que se fez em cima delas. O maior exemplo disso é a troca de nomes, a maioria dos atores atrizes não possuem seu nome real de certidão de nascimento como nome pelo qual são conhecidos, como no filme que Esther vira Vicki Lester.  


Esther tenta ir para Hollywood em busca de um trabalho como extra (o que é interessante, pois a atriz Janet Gaynor assinou seus primeiros contratos como extra com a Fox, como também trabalhou com o diretor Murnau em Aurora (Sunrise: A Song of Two Souls), um filme que fez sucesso no Oscar,. 


Janet era uma atriz super profissional dos filmes mudos e que fez a transição para filmes falados com sucesso (como a Barbara Stanwyck também), essa transição ocorreu no filme The Jazz Singer (1927), que mostrava a ligação do entretenimento judaico com o entretenimento negro, como se esse filme quisesse dizer que os judeus traduziam a cultura dos excluídos por ainda conseguirem entrar de alguma maneira em Hollywood, mas que era permitido fazer isso se eles cedessem ao arquétipo. 


Dorothy Park escondeu elementos de crítica ao ambiente tóxico de Hollywood, escrevendo sobre o casamento de celebridades como Barbara Stanwyck e Frank Fay que foi seu primeiro marido. Barbara era uma conhecida republicana, já Fay começou a vida no teatro vaudeville, e foi um dos criadores do gênero de stand up comedy, depois devido ao alcoolismo e a declarações racistas e pró fascistas ele acabou esquecido 

 

O elemento judaico também de A Star is Born em relação ao judaísmo é esse, abordar como foi para atrizes judias, elas tinham que mudar de nome, por exemplo, por conta do anti semitismo velado de Hollywood, todos sabem o que estou falando, a noção do tipo de beleza "perfeita", europeia e coisas bobas assim eram importantes para formas novas atrizes. Havia curso específicos de cabelo e maquiagem para soar da elite, ou mesmo cursos de fonoaudiologia para que as atrizes tivessem sotaque inglês.  


Esse tom no filme com Barbra é acentuado por Barbra Streisand que fez o remake dos anos de 1970 ser uma conhecida militante da pauta das "garotas judias", enquanto que no primeiro filme esse elemento é bem velado, mas está lá para o crítico atento, quando vemos que ela é uma "garota jovem de uma família de mais velhos" é parecido com o arquétipo do judeu trabalhador e sonhador visto em filmes depois como a "A fantástica Fábrica de Chocolate", por exemplo. 


O impressionante sucesso do filme com as massas gerou uma onda histórica desses remakes, o primeiro com Judy Garlard (de O Mágico de Oz), e o segundo com a grande cantora e atriz Barbra Streisand. Ela por sua vez, criticou o remake de 2018, que originalmente, dizem que ela para ser dirigido por Clint Eastwood, e que contratou Beyoncé em 2011 para o papel principal, e que teria também o ator Will Smith. 


Essa ideia de biografia merecimento e redenção é similar também com as estórias bíblicas clássicas, como a história de Davi e Salomão, ou da própria Esther (que nomeia a protagonista por exemplo), e que na bíblia era uma mulher que ao se casar com o rei da Pérsia salvou o povo judeu do extermínio. Apesar de todo o elitismo "padrão" do cinema e da televisão, algumas estrelas judias, negras ou pardas participavam já de Hollywood aqui e ali. Apesar desse clima de "progresso", o cinema americano já tinha produzido peças fascistas como  "O nascimento de uma nação". 

 

Contam para ela que a chance de virar uma estrela era uma em 100,000. Ela fica amiga de um assistente de direção  Danny McGuire, que consegue empregos para ela de garçonete e assim ela consegue entrar nas grandes festas de Hollywood pela porta de trás, uma metáfora de que os extras são tratados como garçonetes. Vale lembrar que como a própria Marilyn Monroe, que teve seu primeiro casting do filme esquecido e ultra crítico "Dangerous Years" (um filme que parece com a ideia do game "Fall Out" sobre a paranoia dos abrigos nucleares do pré guerra fria), em 1947, onde Marilyn faz apenas uma pontinha de garçonete no filme e já chama atenção, como Esther no filme, que também começa a ser atriz sendo garçonete. 


Quando Danny e Esther vão comemorar que ele arrumou um emprego, Esther encontra pela primeira vez com Norman Maine, um famoso ator que ela admirava e que estava em fim de carreira" por conta de seu alcoolismo. 


Em uma outra festa onde conversa mais com Norman e ele a nota, ele acaba falando com seu amigo Oliver Niles para dar o primeiro teste de tela para Esther. Impressionado, Oliver dá o papel que transforma a vida de Esther e faz ela virar Vicki Lester. Quando o estúdio queria um para o filme novo de Norman intitulado "The Enchanted Hour", Oliver pede para que Esther fique com o papel principal, o que torna ela famosa da noite para o dia. 


Norman pede Esther em casamento que aceita e promete para ela parar de beber. Eles fogem fingindo anonimato na lua-de-mel, usando um trailer de acampamento nas montanhas. Mesmo com a esposa conseguindo alcançar uma fama como nunca antes, Norman percebe que sua própria carreira está acabada. 


Quando Esther ganha o Oscar de Melhor Atriz, Norman faz uma cena e termina dando um tapa na sua esposa (ao estilo Will Smith deu em Chris Rock). No fim, Norman percebe que estava sendo um estorvo para pessoas que amava, depois de ser preso várias vezes bêbado e de ter sido até mesmo internado, no fim ele decide "ir nadar" por ouvir que a esposa abandonaria a carreira para cuidar dele, ou seja, ele some e se afoga no mar do oceano pacífico. 


No fim, ela fica abalada demais e decide abandonar a carreira, quando sua avó que tinha dado dinheiro para ela ir para Hollywood. No fim do filme, no teatro Grauman Chinês, Esther fala algumas palavras no microfone e ela fala "Olá todo mundo, essa é Mr. Norman", como se falasse que ela é o que ela é por causa do homem. 


Aqui temos um debate sobre o feminismo e sobre as estrutura das carreiras, não existe "prova para ser atriz", logo o casting é decidido através de relações pessoais de figuras chaves que possuem influência, o que torna Hollywood igual a qualquer monarquia, ou ao meu caro Estado do Rio de Janeiro iguais em sua falta de oportunidades reais, onde as indicações nunca são técnicas ou impessoais, são sempre decididas pela corrupção pessoal. 


O Código de censura é datado no ano da implementação dos códigos de censura oficial do cinema americano. O filme, não por coincidência busca fazer uma reflexão bem humorada sobre a maluquice do meio Hollywoodiano, e sobre as expectativas e desilusões de quem acreditava em fazer sucesso através do cinema. Logo, o filme ri de si e de quem acredita muito. 


Logo, o elemento da comédia é o que concorda com a censura do filme.  Na indústria de 1937,  o filme mostra um setor de telefonistas de RH, preparadas para dispensar quem queria arrumar um emprego de extra nos filmes, uma das piadas iniciais, é que há dois anos não existia papel de extra nos filmes disponível, já estariam todos ocupados der antes. 


Uma garota comum chamada Esther é fã de filmes, mora com suas tias, uma de suas tias acha que se deslumbrar com Hollywood é errado e começa a desestimular a sobrinha a querer fazer cinema, dizendo que ela precisava “pensar em arrumar um marido”, a outra tia, herdeira dos “filmes de faroeste” dá o dinheiro para a sobrinha ir para a Hollywood. 


Outro elemento para considerar é que para nascer estrela em Hollywood, a própria atriz tem que ser um personagem, com nomes quase sempre inventados, como o de ?Marilyn Monroe, por exemplo, seria talvez o melhor exemplo disso, sendo uma atriz que surgiu no pós Segunda Guerra. Apesar do filme de 1937 tem uma boa visão do caráter artificial da indústria, quando Esther chega na Califórnia com um nome extremamente judaico, mas acaba mudando para um “nome mais sonoro” se chamando então de Vicki Lester. 


Ela se casa com o famoso ator Norman Maine. Quando se conhecem, ele era o grande famoso, mas já estava em decadência, apesar disso, a nova atriz em ascensão, nossa heroína do filme que chegou trabalhando em Hollywood de garçonete, começa a atuar em filmes que fazem sucesso e logo ela passa a ser mais mencionada que ele nos jornais, gerando uma dor de cabeça para seu recém casamento. O filme aborda questões como o assédio, o anonimato, a fama, forma e linguagem, mostrando por dentro como é viver no mundo de Hollywood da época. 


Quando Esther está enamorada do ator famoso e decadente, ele a leva em um evento de luta de boxe, e como quem ao quer nada, pergunta ali se ela quer casar com ele, ela recusa imediatamente e a cena é cômica demais pela sua leveza e tom de modernidade. Mas na cena seguinte, eles resolvem se casar de verdade. 


Outro plano de crítica é sobre a ideia de grandiosidade de Hollywood. Eles se casam no civil de maneira rápida. Quando reconhecida no casamento, Esther fingiu que era a primeira vez na cidade, mostrando que quando ficam famosos, os artistas buscam também refúgio no anonimato para viver vidas cotidianas e comuns. Quando ela vai até Hollywood, nós temos a essência de todo o filme, uma jovem atriz sonha em fazer sucesso em Hollywood. 


Algumas reflexões transversais podem fazer marca no filme, como a ideia de uma estrela que é uma garota comum, judia que poderia ser qualquer garota do mundo. No início parecia impossível, mas ela consegue virar uma atriz famosa, fazendo “cenas de amor/beijo”. Ela começa a ser conhecida como “A garota mais bela” por quem via seus filmes.


Assista ao filme aqui:









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