Fome de Viver (1983): Sedução, eternidade e condenação no filme de vampiros mais sedutor e obscuro dos anos 80
John (David Bowie) é o amante da linda vampira Miriam (Catherine Deneuve), que existe desde a época dos faraós. Ele acha que viverá para sempre, mas começa a envelhecer rapidamente, levando-o a buscar ajuda da especialista em envelhecimento, Sarah (Susan Sarandon)
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O filme abre com uma sequência icônica ao som de Bela Lugosi’s Dead, da banda Bauhaus, em uma boate escura e tomada por fumaça, onde conhecemos Miriam Blaylock e seu parceiro John .
Desde o início, Tony Scott já deixa claro que este não será um filme de terror convencional: a violência é estilizada, o erotismo é parte da narrativa e a atmosfera é quase hipnótica, principalmente para aqueles que curtem a música e o estilo da new wave.

O casal, que na verdade é composto por vampiros, atrai vítimas sob uma aparência elegante e sedutora, reforçando a ideia no filme de que o desejo e a morte estão intimamente ligados.
A primeira grande virada acontece quando John, genialmente interpretado por David Bowie, após séculos de juventude eterna ao lado de Miriam, começa a envelhecer rapidamente. Mas qual seria o motivo uma vez que ele é um vampiro? Bom, bom o filme inicialmente enseja que um dos elementos que faz o vampiro permanecer vivo, é sugar o sangue das pessoas. Isso ganha a metáfora de que o vampiro é aquele que também se alimenta da juventude das pessoas e não só do sangue.
Entretanto, de novo é ensejado que, na verdade, há uma relação de mestre entre o vampiro e aquele que o transformou. Então o que na verdade esta acontecendo é que John está envelhecendo pelo fato de Miriam estar perdendo o interesse por ele.
O filme problematiza aqui o conceito de “imortalidade” — não como um dom absoluto, mas como algo condicionado ao interesse e ao afeto de Miriam.
Miriam o prometera “para sempre”, mas esse “sempre” é seletivo: John descobre que seus amantes não morrem, mas acabam aprisionados, conscientes, no esquecimento de Miriam, como zumbis envelhecidos. O amor, portanto, é usado aqui pelo vampiro como ferramenta de controle pelo vampiro, e a imortalidade se revela uma prisão. Isso também revela que o dominante na relação é Miriam, e logo que ela é uma vampira mais velha.
A busca desesperada de John por ajuda leva-o até a Dra. Sarah Roberts (Susan Sarandon), especialista em envelhecimento. Essa escolha narrativa é interessante, pois traz para o universo fantástico uma tentativa de explicação científica. No entanto, o contato de Sarah com Miriam acaba desviando de uma investigação científica para um envolvimento emocional e sexual.
Aqui temos uma das cenas mais controversas do filme: o encontro íntimo entre Sarah e Miriam, que não só quebrou tabus nos anos 80, mas também questionou a fluidez sexual e a manipulação emocional que pode haver também em relacionamentos não normativos. O ato não é apenas erótico; é a transferência da maldição de Miriam para Sarah, misturando prazer e condenação, onde ela obviamente transforma Sarah.
O problema aqui é que Miriam rompeu uma barreira que talvez nunca tivesse rompido antes: ela buscou usar como sua próxima vítima e escravo, a pessoa que foi buscada como ajuea científica de sua última vítima. Ou seja, ela foi cruel com John ao ponto de usar a sua busca por ajuda como sua condenação final.
O desfecho é fragmentado e simbólico: Sarah, aparentemente recusando o papel de vítima, confronta Miriam. Há ambiguidade se Sarah sucumbe ou supera a maldição. No final, Sarah prefere se matar a se tornar uma escrava de Miriam. Assim, pelo que dá para entender pelo final se dar em planos muito experimentais e abstratos, Miriam fica tão pertubada com a escolha dela que perde a razão e cai da escadaria e morre mas não sem antes ser perturbada por todos os zumbis de suas vítimas. Só que depois disso temos um plano que parece que discarta tudo que aconteceu e vemos John, Miriam e Sarah no apartamento juntos e em paz mas agora, pelo que entendi, como fantasmas. Parece que o final original foi alterado pela Warner para algo mais suavizado e comercial, mas ainda assim deixa no ar questões sobre poder, consentimento e eternidade, sem ser uma mensagem moral em relação a forma como se davam os relacionamentos sentimentais do filme.
Visualmente, Fome de Viver é puro neogótico anos 80: luzes filtradas por cortinas, ambientes cheios de fumaça, sombras duras contrastando com feixes de luz, e uma paleta que mistura tons frios com flashes dourados.
Tony Scott, em seu primeiro longa, demonstra forte influência do videoclipe e da publicidade. Cada cena parece um ensaio fotográfico cuidadosamente iluminado, algo que chegará em seu auge em Top Gun.
A montagem alterna entre cortes rápidos e longas tomadas contemplativas, criando uma tensão entre urgência e letargia. A maquiagem do envelhecimento de David Bowie é efeito prático e muito impressionante para a época, usando próteses e texturas realistas sem recorrer a exageros grotescos.
O uso da trilha sonora também é marcante: desde a já mencionada música pós-punk do Bauhaus até composições clássicas de Schubert, criando um contraste entre o moderno e o atemporal. Esse choque de épocas reforça o tema da passagem do tempo e da luta contra o envelhecimento.
Entretanto uma coisa precisa ser notada. Para o filme de um estreante esse está longe de ser o filme que se espera. Desde o início, por seu envolvimento no meio da publicidade, vemos que ele possui certo "apoio", afinal o filme é estrelado por um rockstar e possui participação de bandas de rock famosas. Ou seja, é um filme de alguém que já é relacionado e envolvido com o meio do audiovisual está lançando um filme psrs ganhar legitimidade e reconhecimento. Seu estilo de direção é cru e ao mesmo tempo experimentado. Ele não explica o filme, apenas enseja em cenas muito descritivas, típicas das publicidades antigas. Isso faz com que o filme ao mesmo tempo que soa profundo de entender por não haver uma descrição, é elaborado através de cenas que para a audiência desatenta podem soar desconexas.
Esse contraste entre um filme feito com estilo publicitário mas que questiona a estrutura de desejos e trajetória de vida, nos dá a impressão que os vampiros são os modelos, atores e músicos? Há uma crítica sutil a indústria cultural, onde o diretor busca se distanciar ao se aproximar do cinema.
E isso nos leva a questão: Fome de Viver é um filme que envelheceu de forma curiosa: Visualmente, ainda impressiona, porque sua estética é atemporal dentro do estilo gótico-oitentista. Por sua vez, narrativamente, seu ritmo lento e contemplativo pode afastar quem espera um terror de ação ou jump scares. Os filmes de terror se hoje são mais associados a ação e violência e menos para o lado reflexivo e contemplativo da questão de ser ou coexistir com o monstro.
Tematicamente, continua atual, especialmente na discussão sobre juventude eterna, relações de poder e manipulação emocional, inclusive em relacionamentos que não são padrão.
Não é um filme para todos os gostos, mas é um marco cult e um exemplar único de vampirismo estilizado. Vale muito a pena assistir para quem aprecia cinema visualmente sofisticado, narrativas sugestivas e atmosfera pesada — mas não é a escolha ideal para quem quer um terror direto e acelerado. Mais eu recomendo e muito para aqueles que como eu gostam de filmes que refletem o lado que pode ser aterrorizante de pontos e coisas normais ou essenciais e naturais da vida.
Curiosidades dos bastidores do filme
O filme é baseado no romance The Hunger (1981) de Whitley Strieber, mas Tony Scott fez alterações significativas, especialmente no final.
Foi o primeiro longa-metragem de Tony Scott, que mais tarde dirigiria sucessos como Top Gun e Chamas da Vingança.
A cena de abertura com a banda Bauhaus se tornou cult, e o videoclipe de Bela Lugosi’s Dead é frequentemente associado ao filme.
A maquiagem de envelhecimento de David Bowie levou cerca de 8 horas para ser aplicada diariamente.
Susan Sarandon revelou que a cena íntima entre ela e Catherine Deneuve foi pensada para ser mais sutil, mas acabou se tornando mais explícita durante a filmagem, ganhando notoriedade e gerando polêmica na época.
O final original mostrava Miriam sozinha e enfraquecida, sem poder sobre Sarah, mas a Warner exigiu alterações para deixar a possibilidade de uma sequência.
Apesar das críticas mistas no lançamento, o filme ganhou status de cult e é considerado uma influência estética para videoclipes e filmes góticos posteriores.
Você pode conferir o filme também aqui (lembrando que não sou responsável pelo link, apenas o indexei):
The Hunger - Fome de Viver (1983)
— ACERVO DO DRIVE 🌺 (@acervododrive) February 24, 2023
Gênero: Drama/Terror
Legendado:https://t.co/2q8cAeVGKG pic.twitter.com/KDYE9cfni0
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