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Consciências Mortas (1943): Clássico faroeste da Fox tem incrível trama sobre o problema de fazer justiça com as próprias mãos


Em Nevada, em 1885, Art Croft e Gil Carter (Henry Fonda) cavalgam até a cidade e entram no saloon. A atmosfera está tensa devido a recentes incidentes de roubo de gado. Art e Gil se tornam suspeitos de serem ladrões porque raramente são vistos na cidade. Um homem entra no salão e anuncia que um fazendeiro chamado Lawrence "Larry" Kinkaid foi assassinado. Os habitantes da cidade imediatamente formam um pelotão para perseguir e linchar os assassinos, que eles acreditam serem ladrões de gado. Entretanto, um juiz local diz ao pelotão que devem trazer os suspeitos de volta para julgamento e que enforcamento sem a presença do xerife (que está fora da cidade) é ilegal



"Consciências Mortas" está no Youtube, em link no final do artigo


Art e Gil se juntam ao grupo para evitar levantar ainda mais suspeitas. Davies, que inicialmente se opôs à formação do pelotão, também se junta ao "Major" Tetley e seu filho Gerald. Poncho informa ao grupo que três homens e gado com a marca de Kinkaid acabaram de entrar no Passo de Bridger.


O pelotão encontra uma diligência. Quando tentam detê-lo, o guarda da diligência presume que se trata de um assalto e atira, ferindo Art. Na carruagem estão Rose Mapen, ex-namorada de Gil, e seu novo marido, Swanson.


Mais tarde naquela noite no Ox-Bow Canyon, o grupo encontra três homens dormindo, com o que se presume ser gado roubado nas proximidades. O pelotão os interroga: um homem jovem e bem-falante, Donald Martin; um mexicano, Juan Martínez; e um velho, Alva Hardwicke. Martin afirma que comprou o gado de Kinkaid, mas não recebeu nota fiscal. Ninguém acredita em Martin, e o pelotão decide enforcar os três homens ao amanhecer.




História por trás do filme


O filme é baseado em The Ox-Bow Incident, um romance de faroeste de 1940, de Walter Van Tilburg Clark. O diretor William A. Wellman adorou o romance e quis adaptá-lo para um filme e então interessou Darryl F. Zanuck em produzi-lo. Zanuck concordou em produzir a história, com a condição de que Wellman também dirigisse dois outros filmes para o estúdio, Thunder Birds (1942) e Buffalo Bill (1944).


Existem várias diferenças entre o filme e o romance, notadamente o destino dos Tetleys e o destino da turba de linchamento. No livro, o jovem Gerald comete suicídio se enforcando no celeiro. Isso leva seu pai a cair sobre sua espada de cavalaria. O xerife encara cada membro da turba, mas então diz que vai esquecer tudo. 


O papel de Gil Carter, interpretado por Henry Fonda, foi originalmente oferecido a Gary Cooper, que o recusou. Em geral, Fonda não gostou da qualidade dos filmes para os quais foi escalado enquanto estava sob contrato com a 20th Century Fox. Este foi um dos dois únicos filmes desse período em que ele se entusiasmou em atuar (o outro foi As Vinhas da Ira, feito em 1940). Fonda considerou este filme um de seus favoritos.




As filmagens foram feitas do final de junho ao início de agosto de 1942, principalmente em estúdios e estúdios de som; uma quantidade limitada de filmagens em locações foi feita em um rancho em Chatsworth e em Lone Pine , ambos na Califórnia. 


Sequências adicionais e retomadas foram feitas de meados de agosto até o final de agosto. A produção do filme seria interrompida por uma semana ou dez dias "devido ao limite de US $ 5.000 por filme para novos materiais de construção" (imposto pelo Conselho de Produção de Guerra). 


Durante a paralisação, conjuntos já usados ​​foram demolidos para que seus materiais pudessem ser usados ​​para construir o conjunto de passagem na montanha. A publicidade do estúdio observou que o cenário Ox-Bow Valley foi "o maior cenário já construído" pela Fox, cobrindo 26.703 pés quadrados (2.480,8 m 2 ; 0,6130 acres). 


O cenário das ruas do oeste visto neste filme foi posteriormente usado em outro western, The Gunfighter (1950), estrelado por Gregory Peck. Após o término das filmagens, Fonda se alistou imediatamente na Marinha dos Estados Unidos, na qual serviu até 1946. Depois que o filme foi concluído, ele foi mantido na prateleira por meses porque os executivos da Fox não tinham certeza de como comercializar um filme com um tema tão sóbrio.


O filme foi indicado ao Oscar de Melhor Filme no 16º Oscar, perdendo para Casablanca. Em 1998, o filme foi selecionado para preservação no Registro Nacional de Filmes dos Estados Unidos pela Biblioteca do Congresso como sendo "culturalmente, historicamente ou esteticamente significativo"


Um mural ao ar livre no Twentieth Century Fox Studios, em Century City, retrata a filmagem de The Ox-Bow Incident, mostrando que o filme é um símbolo para a Fox.




Crítica do filme


Como outros faroestes que envolvem linchamento ou enforcamento, este filme é controverso e pesado. Histórias de injustiças são sempre de apelo popular. E se os faroestes servem para debater na História a origem e prática de certos costumes, a representação da origem da justiça e suas práticas é interessante pois nos faz conhecer e questionar melhor a origem de certas práticas. 


Na Antiguidade são inúmeros relatos de linchamentos promovidos aos auspícios da lei. Entre os judeus a lapidação — o apedrejamento pela multidão — era uma penalidade aplicada em diversos casos, tais como o adultério feminino e a homossexualidade masculina, dentre outros. 


Dois casos célebres de lapidação são narrados no Novo Testamento - o da mulher adúltera, evitado por Jesus Cristo e o de Santo Estêvão. Também existiu o procedimento conhecido como Vehmgerichte da Idade Média alemã, e os procedimentos conhecidos como Lydford law, lei da forca ou Halifax law, Cowper justice e Jeddart justice na Grã-Bretanha durante o período revolucionário, que se caracterizava por uma parte da comunidade se apropriar da ideia de justiça e a pôr em ação contrariamente às leis do reino.


Entretanto, é a pena de morte por enforcamento e praticamente sem julgamento que reteve tal denominação. Muitos autores atribuem a origem da palavra ao coronel Charles Lynch, que praticava o ato por volta de 1782, durante a guerra de independência dos Estados Unidos, ao tratar dos pró-britânicos. Entretanto, é mais seguidamente atribuída ao capitão William Lynch (1742-1820), do condado de Pittsylvania, Virgínia, que manteve um comitê para manutenção da ordem durante a revolução, por volta de 1780.


A "lei de Lynch" deu origem à palavra linchamento, em 1837, designando o desencadeamento do ódio racial contra os índios, principalmente na Nova Inglaterra, apesar das leis que os protegiam, bem como contra os negros perseguidos pelos "comitês de vigilância" que darão origem ao Ku Klux Klan. No sul, é a desconfiança da lei e a reivindicação de anarquia que favoreceram seu desenvolvimento. Nos Estados Unidos, antes da Guerra Civil Americana, o linchamento era usado principalmente contra defensores dos direitos civis, ladrões de cavalos e trapaceiros. No entanto, por volta de 1880, seu uso se expandiu para grupos de status social supostamente mais baixo, como negros, judeus, índios e imigrantes asiáticos.  


O filme é da Fox. Como sempre digo, é necessário ter um cuidado a mais com seus filmes, pois eles sempre buscam vender ideias confusas sobre conservadorismo e pensamentos de esquerda. Seus filmes utilizam de muitos arquétipos pejorativos e em tramas que parecem rir da fraqueza dos personagens perante situações extremas, e junto rindo do espectador. 


A primeira crítica séria a se fazer ao filme é de suavização e apagamento histórico. Em 1885, data que o filme busca retratar, os enforcados seriam índios e os negros. No filme são, um homem jovem e bem-falante, Donald Martin; um mexicano, Juan Martínez; e um velho, Alva Hardwicke. Mesmo que seja verdadeiro o preconceito contra o mexicano, é óbvia a tentativa de transformar uma questão histórica em abstrata, e de certa maneira falar mais da época da produção do filme. Marcava a época do filme o já discutido Código Hays de censura, e o linchamento do filme parece muito mais voltado a esse aspecto. Não é errado, apenas perdeu o poder histórico de falar de fatos para refletir seu próprio ofício.


Só que de maneira geral o filme convence por sua temática e estética sombrias. O filme deixa a desejar na trilha sonora, e o filme é quase todo mudo de músicas. 


Parece que o filme foi gravado completamente em estúdio. Esse elemento é ótimo dado ao tom não natural da aventura. Esse detalhe permitiu o diretor controlar melhor as cenas e a luz do filme, fazendo com que o tom sombrio não se perca ao longo da trama. Henry Fonda está muito bem no papel mas seu personagem não é muito bem trabalhado, sendo mais um espectador de tudo que acontece.


Entretanto o fator genial de Consciência Mortas é a temâtica, muito bem traduzida para o português no título. No fim nos é revelado da onde vem o desejo do linchamento: da falta de escolas e estudo dos caubóis. Quase nenhum deles sabe ler ou escrever, e é mencionado no início que a cidade está com poucas mulheres. 


Então esses homens, solitários e sem estudo, não possuem muitas opções para passar o tempo e se lazer. Assim, o linchamento se torna um show público, um entretenimento para pessoas de baixa escolaridade e conhecimentos: um espetáculo para consciências mortas. Se questionarmos mais profundamente, até mesmo os bons personagens e o protagonista, acompanham a execução, mesmo discordando, mas estão lá para ver o suplício. 




Refletindo essa questão da ignorância e falta de estudo, o filme perdoa os ignorantes. Mas o prefeito, que tinha estudo, participou do linchamento como forma de governo, para reforçar seu poder. Essa parte do filme questiona o quanto as administrações municipais se baseiam e se legitimam na ideologia do linchamento do inimigo. 


O final é pouco fechado na medida que o crime doa envolvidos, dando o ar que o filme só foi humanista no final pois algo muito horrível teve que acontecer. Era esperado uma resolução mais forte e justa. 


Os diálogos são rápidos e a melhor coisa do filme. Tudo, passado, personalidade e desejos, é ensejado através das falas dos personagens. A forma como a morte dois três foi retratada no final foi ótima, sem mostrar violência, apenas ensejando através da sombra e deixando toda a cena em extracampo. O contexto histórico podia ser melhor retratado, mas com certeza é um western obrigatório e necessário por mostrar a importância da noção constitucional da presunção de inocência. 




Assista o filme aqui:




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