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Caramuru - A Invenção do Brasil (2001): Do Poema à Tela ou Os Mitos da Colonização em uma Epopeia Desconstruída

 


O português Diogo Álvares Correia (chamado Caramuru pelos índios Tupinambás) naufraga no litoral da Bahia em 1509. Ao ser confundido com uma divindade por causa de seu arcabuz (arma de fogo), ele é acolhido pela tribo e se envolve romanticamente com as belas irmãs Paraguaçu e Moema. Enquanto tenta sobreviver entre indígenas e colonizadores, Caramuru representa, de forma bem-humorada, o nascimento do Brasil colonial. Filme inspirado no poema épico de Santa Rita Durão, "Caramuru"


A constelação do pindorama entra em cena, os ideais de natureza, amizade e reciprocidade e oralidade. O poema de frei Santa Rita Durão Caramuru, escrito em 1781, sobre o descobrimento do Brasil e a fundação da Bahia (a primeira capital, Salvador). 


O filme e o poema abordam além da visão clássica do "descobrimento", também fala sobre a primeira leva de colonização e literatura de informação dessa época, abordando a presença dos primeiros portugueses.  



Os anos 2000 viu a comemoração dos 500 anos de "descobrimento do Brasil", o Brasil 500 anos ajudou a desenhar uma série de projetos, um deles seria essa série da globo, mas a série virou filme, com roteiro de Jorge Furtado e Guel Arraes. 


O filme bebe muito nessa ideia da oralidade e do teatro popular brasileiro. Esse anacronismo de música e de prosa é exatamente o ponto de ouro do filme. Não saúda a colonização mas reverte algumas teorias clássicas sobre o descobrimento e colonização. 


O poema original destacava-se por ser um louvor a colonização e a catequese, como toda a literatura portuguesa da época. O começo fala sobre Diogo Álvares curtindo a primeira noite de 1500 e embarcando então em uma nau com destino ao Brasil. No filme, Diogo é um português inocente e que acha que se apaixona por uma moça europeia, mas que só está interessada em riquezas. 


Selton Mello dá o tom certo ao aventureiro português, ele não é violento e mau como o personagem do Vasco, mas é inocente e romântico na sua forma de "colonizar" . O registro é interessante por simbolizar a formação das primeiras famílias brasileiras, e abordar a questão do 'mito yankee', a questão da superioridade baseada em entender da geografia e dos hábitos locais. Há todo um debate em torno da figura do caramuru.


Camila Pitanga é sem dúvida candidata a mulher brasileira mais linda de todos os tempo (sua mãe também era linda), mas Camila é linda demais, representa Paraguaçu quase em imagem de Deusa mesmo. 





A forma como os atores (de primeira linha) usaram o texto da informalidade de um português fácil e cantado proveniente da oralidade que torna o filme um filme para absolutamente todos e tratando um poema formador nacional, por assim dizer. Apesar de simbolizar um pouco da opressão e colonização, também mostra o que seria as primeiras trocas culturais. 


A questão do humor no filme é uma questão importante, além de didático e acessível, o filme quer dizer que há espaço para uma interpretação humorística ou satírica sobre a nossa história e por isso o riso é uma constante no filme. Isso faz um certo contra ponto contra a ideia da literatura de informação clássica, aquela de primeiro circuito que queriam fazer uma espécie de "propaganda" da terra e por isso mitos e bravuras diversas, no esteio da literatura portuguesa clássica. 


 O filme ainda tem o ponto de mostrar que os indígenas entendiam sobre a questão dos visitantes e tinham seus hábitos, se por um lado rolava ou não a "receptividade tupinambá" por parte dos caciques e esposas, havia mesmo entre algumas tribos a prática do canibalismo. O relato mais engraçado foi do alemão Hans Staden. 


Na literatura, além do já comentado extenso ciclo de literatura portuguesa-brasileira da época. Montaigne, por exemplo era grande amigo e herdeiro intelectual de La Boétie (o cara da ideia da "servidão voluntária), vai retomar essa ideia de liberdade natural no seu ensaio “Dos Canibais” (Des Cannibales), questionando a suposta "superioridade europeia", o filme bebe muito na ideia desses novos debates da antropologia de Florestan Fernandes e a questão da educação da sociedade Tupinambá presente no livro Leituras de Etnologia Brasileira.  O trecho fala na mudança cotidiana surgida ao contato com os europeus e a assimilação  da ordem nova que diluiria a ordem antiga. A ideia de inovação e tradição são misturadas em um novo arcabouço cultural.


Também apontados por alguns viajantes e relatos de suas viagens. Nesse texto, ele compara os tupinambás brasileiros com a ética cristã, dizendo ser até mesmo superior. 


Os relatos de viagem são importantes para entender sobre esses primeiros encontros e choques culturais, (descritos por Jean de Léry, Histoire d'un voyage faict en la terre du Brésil, A História da viagem a terra do Brasil) à sociedade europeia. A diferença era na comida, na roupa (vestimenta) e na concepção de rotina e trabalho. 



O gênero literário estava em alta, como apontou Antônio Cândido em Literatura e Sociedade, Esse poema épico foi escrito em forma de epopeia épica, saudando o heroísmo de um herói que ligava dois mundos muito diferentes. Um poema épico formado em versos decassílabos.  


Eles se conhecem quando ela quer posar nua para ele, e ele tinha ficado responsável pelas iluminuras no mapa. O que é ótima referência histórica, brincar que os mapas mesclavam a necessidade de uma proporção ao mesmo tempo artística e científica. 


Paraguaçu, filha do cacique da tribo, significa mar grande, Diogo significa "pessoa educada". Ele começa o filme como pintor degradado. O filme é criativo e mostra o descobrimento do Brasil como uma armadilha feita pela vilã do filme.


Vemos uma metáfora da arte, a missão dele era pintar mapas para as expedições. Ele fica responsável pela segurança dos mapas, ele fica animado e desenha uma sereis que oculta parte instrumental do mapa. 


Achei interessante tentar reverter o ponto épico de uma epopeia altamente pró colonização na forma do poema épico de Santa Rita Durão. O Caramuru significa "homem trovão", fato ressaltado também no filme. Depois disso ele é denunciado e degredado para a África mas acaba no Brasil. Sugerindo de maneira caricata, que o Brasil sô teria sido descoberto pois tentaram sabotar os mapas de Pedro Álvares de Cabral e por isso chegaram ao Brasil. 


As músicas marcantes de Lenine, Nação Zumbi. Quando toca Lenine, acreditamos um pouco no romance e na jornada épica. Quando toca Nação Zumbi é o momento onde os índios (nativos) enganam os europeus, como quando Paraguaçu fala da lenda do eldorado para a moça europeia Isabelle (Débora Bloch), ou quando o pai de Paraguaçu está fazendo negócios com as caravelas.




 O filme é conhecido pelo anacronismo do humor fácil, mas nesse ponto, mas estaria correta a interpretação histórica do filme, que o Brasil teria sido sempre um "point, ponto de encontro" de várias nações, principalmente dos franceses. 


Chegando na parte do "ninguém vai dar para francês não", já que Diogo Álvares não queria a "hospitalidade Tupinambá", pois esta evoluía rapidamente em antropofagia (comer carne humana). O nome caramuru vem do fato dele ter sido respeitado por possuir uma arma de fogo, por isso "homem trovão". 


O personagem do Vasco significa o colonizador em suas piores cores. O vilão clássico que só quer enganar e lucrar. A empresa colonizadora era o supra sumo do personagem do Vasco. Piada com Vasco da Gama que chegou primeiro na Índia, talvez. 











Lá ele conhece Paraguaçu e Moema, no filme mostra a recusa da oferta dos chefes Tupinambás. Já no poema, Moema era o símbolo de amor não correspondido. Mudam muito o final de Moema, que simbolizava a impossibilidade de poligamia, pois a fantasia envolvia casar na formalidade católica, criando assim uma nova civilização. No poema, Moema (Débora Secco) se afoga no mar por desgosto, no filme ela vira uma espécie de rica local, amante dos estrangeiros abarcados. 


No início, ele é jurado para virar comida para a tribo. O chefe da tribo é muito engraçado, interpretado por Tonico Pereira. 


Podemos pensar que a literatura portuguesa da época com Camões, Os Lusíadas, por exemplo, era saudação da empresa portuguesa desde a chegada primeiro na Índia. 





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