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Ninotchka (1939): Sátira amigável de tensões entre comunismo e capitalismo, mostra romance entre aristocrata e comunista rígida interpretada por Greta Garbo



Três agentes soviéticos, chegam a Paris para vender joias confiscadas da aristocracia durante a Revolução Russa de 1917. Conde Alexis Rakonin, um nobre russo reduzido ao emprego como garçom no hotel onde o trio está hospedado, ouve detalhes de sua missão e informa a ex-duquesa russa, Swana. Seu amante, o Conde Leon d'Algout oferece-se para ajudar a recuperar suas joias antes de serem vendidas. O charmoso e astuto Leon leva os três russos para um almoço extravagante, os deixa bêbados e ganha sua confiança. Ele envia um telegrama para Moscou exopondo o trio. Moscou, irritada com o telegrama, então envia Nina Ivanovna "Ninotchka" Yakushova (Greta Garbo), uma agente especial cujo objetivo é completar a venda de joias e retornar com os três renegados. Ninotchka é uma comunista metódica e rígida, castigando Iranoff, Buljanoff e Kopalski por não completarem sua missão, mas profundamente idealista, que acredita na igualdade e em melhores condições paras os trabalhadores e mais pobres. Até que Ninotchka encontra Leon. Ninotchka recebeu quatro indicações ao Oscar: Melhor Filme, Melhor Atriz, Melhor História Original e Melhor Roteiro. Em 1946, Ernst Lubitsch, o diretor do filme, recebeu um Oscar honorário por suas contribuições para a arte do cinema. Em vida, ele foi indicado três vezes para melhor diretor, mas nunca ganhou


Ninotchka e Leon se encontram pela primeira vez fora do hotel, com suas respectivas identidades desconhecidas um do outro. Ele flerta, mas ela não está interessada e nunca sorri. Intrigado, Leon a segue até a Torre Eiffel e mostra sua casa através de um telescópio. Intrigada com seu comportamento, Ninotchka diz que pode justificar o estudo e sugere que eles vão para seu apartamento. Ninotchka se sente atraído por Leon e, eventualmente, eles se beijam, mas eles são interrompidos por um telefonema de Buljanoff. Ninotchka e Leon percebem que são adversários um do outro sobre as joias e ela sai do apartamento, apesar dos protestos de Leon.



Enquanto busca entender os vários assuntos legais sobre o processo, Ninotchka gradualmente se seduz pelo ocidente e pelo persistente Leon, que se apaixonou por ela de verdade. Em um jantar com Leon, onde ela inesperadamente encontra Swana cara a cara (sua rival para as joias e para o afeto de Leon), Ninotchka consome champanhe pela primeira vez e rapidamente fica bêbada. Na tarde seguinte, Ninotchka de ressaca é acordada por Swana e descobre que Rakonin roubou as joias durante a noite. 



Swana diz a Ninotchka que devolverá as joias e desistirá do litígio se Ninotchka deixar Paris para a Rússia imediatamente para que Swana possa ter Leon para si mesma. Ninotchka relutantemente concorda e completa a venda das joias para Mercier. 



Mais tarde naquela noite, Ninotchka, Iranoff, Buljanoff e Kopalski voam de volta para Moscou. Enquanto isso, Leon visita Swana e confessa seu amor por Ninotchka. Swana então informa Leon que Ninotchka já partiu para Moscou. Ele tenta segui-la, mas é negado um visto russo, por causa de sua nobreza.



Algum tempo depois, em Moscou, Ninotchka convida seus três companheiros para jantar em seu apartamento compartilhado e eles nostalgicamente relembram seu tempo em Paris. Ninotchka finalmente recebe uma carta de Leon, mas foi completamente censurada pelas autoridades. Mais tempo passa; Iranoff, Buljanoff e Kopalski mais uma vez fogem de seus superiores depois que eles falham em sua missão de vender peles em Constantinopla. Contra sua vontade, Ninotchka é enviada pelo Commissar Razinin (Bela Lugosi, que está genial no papel!) para mais uma vez recuperar o trio.



História por trás do filme


''Ninotchka' é um filme de comédia romântica feito em 1939 pelo produtor e diretor Ernst Lubitsch, estrelado por Greta Garbo e Melvyn Douglas. O roteiro é espirituoso e afiado e foi escrito por Billy Wilder, Charles Brackett e Walter Reisch. A história é baseada no livro do mesmo título de Melchior Lengyel. Em 1939, Lubitsch mudou-se para a MGM. Garbo e Lubitsch eram amigos e esperavam trabalhar juntos em um filme por anos, mas este seria seu único projeto. O filme, co-escrito por Billy Wilder, é uma comédia satírica na qual a famosa e séria Garbo aparecia em uma cena de riso, onde a atriz foi promovida por publicitários de estúdio com o slogan "Garbo Laughs!"



O enredo original de Ninotchka foi do escritor húngaro Melchior Lengyel, que também ajudou no roteiro. Ninotchka é baseado em uma ideia de três frases de Melchior Lengyel que fez sua estreia em uma conferência à beira da piscina em 1937: "Garota russa saturada de ideais bolchevistas vai para Paris temerosa, capitalista e monopolista. Ela conhece o romance e se diverte muito. Capitalismo não tão ruim, afinal de contas". O roteiro principal foi criado pela futura equipe de Billy Wilder, em seus dias de pré-direção, Charles Brackett e Walter Reisch, que era um especialista em histórias promissoras para estrelas específicas, como Garbo.



A MGM considerou vários títulos de trabalho, incluindo 'Um Beijo de Moscou' e 'Give Us This Day', mas eventualmente o nome da personagem principal foi usado. O estúdio estava nervoso com alguns dos aspectos mais controversos da história original de Lengyel e alguns aspectos foram alterados, como a mudança da ação de Moscou para Paris.



Ernst Lubitsch fez sua reputação em Hollywood como diretor de comédias e musicais sofisticados, como "O Tenente Sorridente", em 1931. 'Ninotchka' foi seu primeiro filme como produtor e diretor da MGMA escolha original da MGM para o ator masculino era Cary Grant e eles também consideraram William Powell. Quando as filmagens começaram, nenhum protagonista masculino havia sido escalado. Melvyn Douglas já havia estrelado com Garbo uma vez, em 1932, em 'As You Desire Me' e provou ser a escolha ideal como o suave Conde Léon d'Algout.



Ina Claire, que interpretou a Grande Duquesa Swana, foi casada de 1929 a 1931 com John Gilbert, que já havia tido um caso altamente público com Greta Garbo durante as filmagens de "Carne e o Diabo" de 1926. "Ninotchka" é um dos poucos papéis cômicos de Garbo e ela certamente mostra uma imagem mais pesada, muito mais quente e humana do que em seus filmes anteriores como 'Anna Karenina' (1935) e 'Camille' em (1937), quando seus papéis eram muito mais pesados e dramáticos. O slogan "Garbo Laughs!" foi usado para divulgar o filme por isso.



Crítica do filme


Ninotchka é sobre o choque de ideologias entre a União Soviética e o Ocidente capitalista e foi um dos primeiros filmes de Hollywood a criticar a União Soviética de Stalin, retratando-a como monótona e rigidamente conformista, em contraste com o estilo de vida brilhante e livre de Paris. Por esta razão, o filme foi banido na União Soviética e seus satélites, o que não impediu que ele se tornasse um grande sucesso de bilheteria em todo o resto da Europa. Entretanto, de maneira contraditória, é estrelado por uma grande atriz interpretando uma comunista, e com diversos elementos ideológicos em sua trama, como uma passeata com direito a foice e o martelo.



O filme foi apresentado em 1939, e naquele ano teve vários filmes clássicos, como "Gone With the Wind", "Wuthering Heights", "Mr Smith Goes To Washington" e outros. Por isso, Ninotchka não ganhou nenhum Oscar. 



A persona fora da tela de Garbo como reservada e misteriosa foi em grande parte criado pela MGM. O conselho para não deixar as pessoas saberem demais sobre ela foi dada por Lillian Gish, entre outros, desde o início da carreira de Garbo em Hollywood que começou com sua chegada lá, em 1925. A imagem pública de Garbo como silenciosa e misteriosa foi reforçado pelo fato de que ela parou de dar entrevistas e, como ela nunca tinha gostado de dar entrevistas para começar, apenas muito poucos depoimentos dela foram registrados.



Por isso, de maneira majoritária, esse filme foi analisado pelos críticos a primeira vez como sendo um filme "anti-comunista". Entretanto, estudando o contexto dos bastidores do filme, é necessário atentar para o fato que este é um filme projetado desde o início para ser estrelado por Greta Garbo, como uma brincadeira com o fato de sua personalidade forte e discreta se assemelhar com uma stalinista. Porém, há obvia implicância real aqui com a atriz, pois afinal nessa época muitos atores e diretores eram abertamente ou reservadamente comunistas. E como ela nunca falou sobre isso, nunca vamos saber, sendo o filme o mais próximo da verdade. 



Essa é uma característica dos filmes de Hollywood dessa época. Por mais que exista um caráter narrativo, os filmes eram de certa forma representativos de como eram os diretores e atores, ensejando com a transparência de jogos de personagens e arquétipos. Assim, é claro uma sátira com algumas características dos comunistas mais ortodoxos. Também explorando o poder de convencimento subjetivo e psicológico que o capitalismo supostamente tem sobre as pessoas. Mas, por outro lado, como um filme da antiga Hollywood, é preciso notar como certos cânones de representação imagética e temas ideológicos eram livres ainda. 



Por isso, apesar de satirizar a rigidez do comunismo, também é satirizado alguns elementos do capitalismo. Como na cena do riso de Garbo: nenhuma piada ocidental de Leon a faz rir, pois seu senso de humor é raso, preconceituoso e batido. Aqui está a crítica mais forte de Lubitsch ao capitalismo: ele é sem graça, sem senso de humor. Ele, como Leon, só faz rir, quando faz rir de si mesmo. Ou seja, o capitalismo acha que é estamos nos divertindo com ele, quando na verdade estamos rindo da cara dele e de nós mesmos. Há uma referência refinada ao senso de humor popular ser superior, pois só uma situação coletiva e natural a fez rir, assim como todo o restaurante, uma referência as comédias mudas, como Chaplin e Marx Brothers. 



De certa forma Ninotchka e Leon se encontram no meio do caminho do capitalismo e comunismo: ela é seduzida durante sua estada em Paris pelos caminhos superficiais e leves do capitalismo. Mas ele, também é seduzido pela determinação e força de Ninotchka, mostrando que o lado bom e admirável do comunismo para qualquer um seria o lado ético das pessoas, principalmente das mulheres. Vale lembrar que na União Soviética foi um dos primeiros países que as mulheres puderam votar entre outros direitos democráticos, dando-as um ideal cívico em relação ao país, como demonstra o livro Mulher, Estado e Revolução.



Em outras palavras, a maneira como geral de compreender a ordem do mundo é transgredida na arte. Mas, para entender a arte, o espectador deve experimentar sua ancoragem no “mundo da vida”. Nesse sentido o o cinéfilo precisa entender as semelhanças e diferenças entre o que é mostrado na tela e conhecimento da vida real do contexto cultural histórico em que o filme é feito.



Essas tensões dentro dela resultaram em retratos empáticos e requintados dos desejos das mulheres, que atraiu, e ainda atrai, tantas pessoas ao filme. Por que uma mulher comunista não pode gostar de se maquiar ou se apaixonar? Ou por que o capitalista não pode gostar de uma visão mais igualitária e justa da sociedade? O cruzamento das fronteiras socioculturais no que diz respeito as normas de gênero são transformadas em arte em Ninotchka. Há um uso retórico consciente das “realidades” fora da tela, como a persona de Garbo fora e na tela (o estrangeiro, andrógino, outro exótico) e um estereótipo culturalmente compreensão limitada de gênero. Lubitsch, como imigrante judeu, ficou conhecido por retratar costumes de uma forma muito marcante



Então, nesse sentido Ninotchka é o resultado de uma interpretação europeia específica da compreensão americana do francês e do russo soviético, brincando e jogando com normas sociais sobre gênero e relações de gênero. Isso contribuiu muito para o sucesso de Ninotchka como comédia. Mesmo que Garbo estivesse pronta para dar todo o crédito a Lubitsch por isso, ela subestimou suas próprias grandes contribuições ao sucesso de Ninotchka. Na verdade, foi um sucesso que acredito que ainda ecoa na cinema contemporâneo. 


Uma situação cotidiana é, assim, transformada na tela para se adequar à lógica imaginativa interna do filme. Nintochka provou acima de tudo ser um importante tipo feminino na tela, que desafia nossa compreensão de culturas, gênero e sexualidade.


Impulsivo, irracional e romântico homem latino (francês). Os traços de Leon lembram nos do velho russo. Já Ninotchka possui na natureza uma força interna, onde as naturezas externas seriam transformadas sendo tomadas sob o controle total da pedagogia e da consciência, através da ciência soviética e o planejado da economia. Sua personalidade era o reflexo da tarefa da União Soviética transformar o passado, uma sociedade agrária em um gigante industrial e criar um novo sujeito determinado e consciente. Por isso, havia um forte sentimento de repulsa contra tudo o que não é elementar ao marxista, racionalismo e controle utilitário, bem como uma fobia de espontaneidade. 


O primeiro encontro ocorre entre Ninotchka e Leon na rua sob uma lâmpada de rua. Ninotchka traz um mapa e tenta encontrar a Torre Eiffel, quando Leon pergunta se ele pode dar alguma ajuda. Estando perto dela, olhando para o mapa junto com ela, Leon está claramente divertido com a situação, e a originalidade de Ninotchka e alteridade começam a atraí-lo. Uma metáfora de "se achar" perante a visão de mundo do comunismo. 



Ninotchka percebe isso: "Você deve flertar? Leon: Não preciso, mas acho natural. Ninotchka: Suprimi-lo! Leon: vou tentar". Como vemos, Nintochka é quem tem o controle sobre seus sentimentos, nem por um segundo esquecendo de ser pragmática sobre as coisas, informando a Leon que ela só quer visitar a Torre Eiffel para estudar sua construção técnica. Leon, é claro, se diverte com isso em uma zombaria, mostrando seu lado romântico para confrontar Ninotchka e seu lado de robô. 


Em suma, o que é natural para Leon é apenas o tipo de coisas que Ninotchka acha perturbadoramente irracional, demonstrando a superioridade intelectual da protagonista. No entanto, isso muda no devido tempo. Ninotchka se transforma gradualmente. Esses as cenas compõem o ponto de virada do filme. Ninotchka não consegue parar de rir. No final se entende que ela foi seduzida pela forma romântica do capitalismo, da vida parisiense. A metamorfose é metaforicamente expressa por um chapéu, que Ninotchka usa para seu primeiro encontro com Leon em seu apartamento. O mesmo chapéu que provocou Ninotchka, ao passar pela vitrine no caminho da estação de trem para o hotel, dizer: "O que é isso? […] Como pode tal civilização pode permitir que suas mulheres coloquem coisas como isso em suas cabeças? Não vai demorar muito agora, camaradas." O desenho do chapéu é dominado por suas linhas verticais, e, portanto, contrasta muito com a boina que Ninotchka usava, como Garbo fora da tela. (Entretanto, Garbo deixou aquele chapéu na moda depois do filme, devido ao seu impacto nos cinéfilos). 



A metamorfose de Ninotchka está quase completa nessa cena: ao sorrir ela pergunta a Leon se ela parece tola. A cena continua: "Lembra deste quarto? Ninotchka: Eu nunca estive aqui antes. Eu me pergunto em quem você está pensando? Ah, eu sei, a garota do mapa". Nintochka deixaria de ser engraçada se tivesse sua metamorfose completa, demonstrando neste momento que isso não aconteceu. Mas sua dupla identidade surge de tempos em tempos em todo o filme e cada vez cria efeitos incrivelmente cômicos. 


É claro, há uma crítica ao autoritarismo e estética militar do comunismo soviético. Por exemplo, quando os três russos, no inicio do filme, veem um homem na estação de trem e dizem que ele tinha cara de companheiro, para logo em seguida se surpreender com o homem fazendo "Heil Hitler" para um conhecido. Uma óbvia crítica. Outra, no momento da carta de Leon que é majoritariamente censurada, criticando a falta de privacidade e respeito as escolhas pessoais, como o romance. Algo extremo, mas que faz o sentido metafórico perfeito para a trama, assim como o fato de ele tomar um porre por não estar acostumada a beber na União Soviética. Por sua vez, o grande fraco do Ocidente é a mentalidade monárquica e escravista, que busca sempre se dar bem em cima dos outros. 



Há também alguns elementos de screwball comedy no filme, como quando Leon venda Ninotchka e "estoura uma champangne", óbvia metáfora de sexo, mas que satiriza um pelotão de fuzilamento, prática associada a alguns comunistas contra os "inimigos do regime". Aqui, uma referência de Leon já a ter conquistado totalmente.



O filme foi projetado para Garbo e, graças ao roteiro e direção, se tornou uma trama refinada, com alusões que emergem na tela, para serem interpretadas e consumidas pelo público amante de Garbo. A atuação de Garbo, dentro e fora da tela, tinha muitas camadas, construídas sobre fontes e inspirações guiadas por sua própria sexualidade e ambiguidade de gênero. Essas tensões dentro dela resultaram em retratos empáticos e requintados dos desejos das mulheres, entre o gosto e a consciência política, que atraiu, e ainda atrai, tantas pessoas. O cruzamento das fronteiras socioculturais no que diz respeito as normas de gênero são transformadas em arte pelo uso retórico consciente de “realidades” , brincando e jogando com encontros e diferenças culturais entre os humanos, algo que envelheceu muito bem do filme. Genial, engraçado, divertido e totalmente obrigatório.





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