Bridgerton (2024): Análise da terceira temporada da série de fantasia histórica da Netflix - Parte 1
Bridgerton é uma série americana, criada por Chris Van Dusen na Netflix e baseado levemente nos livros de Julia Quinn, e faz parte da companhia de produções Shondaland. A série se passa agora nos anos iniciais do século XIX, em 1815. A época de debutantes chega de novo e a rainha precisa escolher um novo diamante em meio a nova temporada de debutantes inglesa. O casal dessa temporada é composto pelos atores Nicola Coughlan e Luke Newton.
Voltamos aqui para comentar de novo Bridgerton, já fizemos da primeira temporada. Junto com a Lady Whistledown nos juntamos ao "ton" para comentar as notícias famigeradas e escandalosos dos Bridgertons e companhia regencial completa, a primeira parte da temporada, os primeiros 4 episódios saíram antes e por isso podemos comentar antes.
Parte ficou para depois, deixando todo mundo curioso. Parece que o casal "Polin" veio até dar uma volta aqui no Rio de Janeiro depois de sua "lua-de-mel", podemos fazer essa piada, e vi Pen junto a um cara da bateria da Mangueira (uma das escolas de samba mais tradicionais do Rio de Janeiro) ao lado dela.
Claro, o público brasileiro da série é gigante desde da época que o pessoal ficou animado com o Jean Rene Page, eles até vieram aqui no Rio de Janeiro para divulgar a série . Eu vi essa série mais porque eu gosto dos livros reais escritos no século XIX, uma época muito desigual mas também de efervescência cultural e científica. Mas concordo com a análise da BBC, a série peca em não falar sobre escravidão e o papel britânico nela. Mas como uma espécie de fantasia literária, até que é bom se colocarmos a ideia de que muitas das coisas eram diferentes no período correspondente, o regencial.
O personagem do Lord Debling (o cara loiro outro pretendente de Pen) ser naturalista e viajar é muito legal, como disse Eloise (que está super diferente diga-se de passagem), parece literatura alemã, ou brasileira mesmo, parece um personagem do livro Inocência, do Visconde de Taunay (um cara que era da monarquia francesa e brasileiro também). Gostei dele, diferente, aventureiro e vegetariano. Conseguiram escrever um bom personagem novo para encaixar apenas na série.
Um dos novos plots no meio é o da família que herdou ao título de barão para o filho mais velho de "Kent", fazendo uma família da dama de companhia próxima da rainha extremamente rica e famílias como a de Pen estariam ficando pobres sem um herdeiro homem. Essa aqui foi para agradar a audiência americana que não gosta se não tem um pouco de "purismo" na relação racial dos casais. O bacana é que eles não parecem deslumbrados com tanta riqueza, muito gente teria ficado, eu imagino.
Mas a série está tentando manter essa questão do casting diverso e é muito bom isso, é claro. Mas não precisa ser totalmente pop e burro, as coisas podem ser mais clássicas, como foi essa levada de episódios, fui ver achando que ia odiar, e para ser sincera, pulei algumas cenas exageradas e fora de contexto. Acho que a série podia ter 40 minutos fácil, tem muita cena para encher linguiça na série, mas como são poucos episódios lançados é desculpável.
Gostei também das diversas referências literárias dessa temporada, como o debate de Eloise e o irmão dela ao falar que agora ela estava lendo Emma (um livro bobo) segundo Anthony (ele quer brigar com um dos fandons mais organizados e puristas da internet, vai ser juntado ele, rs).
O livro foi realmente lançado no mesmo ano que eles estavam na série, em 1815. Jane Austen é muito popular hoje em dia e na sua época, tem até mesmo sociedades e instituições que discutem seriamente seu trabalho, além de ser uma ideia muito amada principalmente pelas mulheres. Acho que quem pode criticar Austen é apenas a deusa Charllote Bronte pelo seu amor a linguagem e a poesia.
Emma pode parecer ser bobo na primeira leitura, mas tem várias camadas, é talvez um dos mais bem escritos romances de Austen, como qualquer literatura sobre a "Ton" como Jane Austen e tal, mas diz algo sobre o valor do chiclit que nasceu com Jane Austen, esse valor do chiclit bem feito, Emma é uma estória que ensina sobre amadurecimento, mas peca por colocar os valores de encontro romântico também dentro da própria esfera familiar, é como se as pessoas não pudessem sair de seus quartos para escolher sua vida e trajetória. Apesar do texto de Emma ser uma linda lição de auto descoberta, além de ter tons escondidos de bissexualidade da protagonista.
Descobrem o talento de Eloise para "standup comedy" já naquela época, se podemos fazer essa piada. Mas foi feio como ela ficou junto com as patricinhas do olho junto da "ton". Um estilo conservador de "estava sempre ali", mas por outro lado, a referência a Emma pode ser a questão de Eloise parecer um pouco lésbica para mim (fugindo sempre de homem).
Com exceção da estória rápida inserida na série que ela teve que gerou fofocas para ela e decepção quando ela descobriu quem que era a famosa escritora secreta, isso aconteceu quando Eloise arrumou um namorado pobre e não aceitaram isso muito bem, ficou 'mal falada' e virou do olho junto, com mangas extras de sua amiga loira. No livro, ela vai se apaixonar por um tal de Philip (acho que o mesmo que foi marido da Marina na série e não nos livros) depois, mas não sei se a série vai seguir isso não.
O interessante é ver o eu-lírico da fase do romance da própria escritora em cena, uma mulher que muitos diriam estar fora do padrão por não ser muito magra. Eu acho que não, ela é muito bonita e tal e boa atriz, segurou bem a barra de tornar a série um pouco menos infantil e mais dramática, uma sacada aqui meio ao estilo de O Diário de Bridget Jones.
A série não quis fazer exatamente como nos livros, e a estória de Colin e Pen ficou para ser a estória da temporada, junto com início da estória de Francesca (a irmã mais calada, talentosa e elitista da família), e a estória do Benedict, parece que inicialmente será com uma viúva (algo da série e não do livro, já que o par dele é uma Sophie). Apesar das músicas estarem melhores, algumas ainda são ruins e meio fora do esperado para ambientação de século XIX, mesmo com novas roupagens e remixs.
Não consegui ver a química entre Francesca e o seu escolhido (talvez por ser uma estória mais calma e que vai terminar em tragédia depois), parece que é um "amor incel" que vem até dos livros como colocado por fãs, mas vamos ver por hora. Quero comentar que o pretendente que ela ignorou até que não era feio não, mais bonito que o carinha que ela curtiu por curtir o silêncio como ela. Vale perceber também que a família Bridgerton por querer "se casar com amor" se envolve em todo tipo de fofoca e registro da alta sociedade, ainda mais porque eles sempre acabam negando as indicações da rainha casamenteira.
Mas acredito que essas mudanças não importam tanto. Mas quero deixar o registro que não assisti a segunda temporada, porque soou conservador demais para mim, uma estória de irmã que rouba o pretendente da irmã e da confusão na escolha da rainha, ficou chato demais para mim.
Além de soar como "colonialismo clássico" em alguns sentidos, por ser o cara branco e a moça indiana, e nenhuma reflexão sobre os "paradigmas", vimos isso apenas no spin off que acertou o tom se quisermos falar de fantasia histórica que evolui para revisionismo histórico de um ponto ou outro, afinal, mesmo a história factual é a história oficial dos vencedores e é extremamente alterável, a história muda e está em movimento o tempo todo. Existem até mesmo correntes de revisionismo histórico que são conservadoras.
Sendo sincera como a Lady Whistledown é, em termos de literatura, parecia aquela ideia da "Cousin Kate" (poema, peça e filme escrito no século XIX que ri das expectativas de moralidade diferenciadas entre homens e mulheres), uma peça onde quem se dirige ao primo fala que se casou com o lord apesar de todo mal tratamento dado ao narrador (a mulher que foi enganada pelo Lord). O que normalmente aconteceria se a mulher fosse "desonrada".
Vemos nesse poema essa brincadeira de ser preterido (é um poema triste que zoa a hipocrisia da falsa moralidade vitoriana), o que lembra demais também o livro de Eça de Queiróz O Primo Basílio (algo meio contra Machado de Assis, o grande autor brasileiro de romance do século XIX), como não curto muito literatura o Eça, não gostei da temporada com essa comparação. Anthony falou mal de Emma, mas a ideia do plot é super parecido com o que ele teve, se posso comentar essa opinião pessoal.
Ou seja, um pouco conservador, ir da primeira temporada ir da primeira temporada (analisada aqui também) para a segunda deu um choque porque pareceu que tudo mudou, mas não por nada de problema com o casal, mas pela mesma fórmula repetida de garoto conhece garota e nada mais, por isso a terceira tem um apelo diferente, pois discute a relação entre amor e amizade e a construção disso. Por isso que a terceira temporada é boa por refletir a vida romântica de uma garota um pouco fora dos padrões e que nos livros já teria ficado anos solteira e tal.
Ou seja, é um louvor ao colonialismo velado. Pode não ter sido a intenção da série, mas eles fizeram um drama exagerado, muito anacronismo (até mais do que o possível), mas agora voltou uma ideia clássica, até usando de personagens mais diferentes como Francesca. O cara que ela gosta e se case, (dando spoiler), vai morrer e ela vai casar com um amigo dele. Ou seja, muita estória para Francesca no futuro.
O que a peça clássica "Cosin Kate" aborda seria a hipocrisia dos papeis de gênero em meio aos "perigos de tentação", algo extremamente colonialista, pois peças assim eram encenadas na Índia por exemplo, para dar aquele ar de "ton" ao colonialismo inglês ao impor os costumes ingleses, como citado no livro Passagem para Índia, de E.M. Foster.
O impressionante é que Kate é o nome da esposa de Antony, então eu sei do que eu estou falando. Mas muita gente adorou, atriz que interpreta a Kate (era descrita como feia nos livros) e ela é simplesmente muito bonita, destoa muito da média dos outros atores, assim o casal ficou sobrando para fazer cenas quentes, já que eles são endgame (já ficaram juntos já), o spoiler do filho, é que ele terá algumas filhas.
Sendo bem sincera, considero Bridgerton é um tipo de entretenimento meio solitário, daquele tipo de coisa que você assiste sozinho e em um pulo, mas se vamos falar sobre a crítica de que a série não é historicamente correta, ela também nunca se propôs a ser exatamente isso. Mas uma dica para a série é tentar sair do óbvio, das empreitadas românticas e focar no que pode dar certo para mais do que o romance, como a cena do balão que foi bem interessante.
O spin-off de 2023 da rainha Charlotte lidou com uma estória ocorrida antes, no fim do século XVIII ainda, essa série foi bonitinha e tal ao imaginar a questão das linhagens escondidas de famílias reais clássicas. "Os Bridgerton" já é mais uma fantasia histórica, que quer beber da ideia do que hoje temos sobre o século XIX, o considerado século mais revolucionário da estória, tantos impérios desmoronaram e quantas nações e sentimentos institucionais foram forjados nesse século.
Na data que a série deu agora na terceira temporada é de 1815, o ano do famigerado Congresso de Viena, onde a Inglaterra teria conseguido voltar ao tradicionalismo monárquico clássico e conter os ares revolucionários franceses, interessante ser essa época da temporada de agora. Com isso, vemos Pen, uma ótima garota, mas apaixonada sem ser correspondida inicialmente por Colin (lembrando da horrorosa estória com Marina que não estava nos livros e como ele foi bobo com ela), ele voltou de estar viajando pelo mundo e com isso, tinha se encantado com a França e suas garotas (as mais bonitas do mundo) segundo ele, escritas em seu diário de viagem, que Pen adorou ler escondida.
Algumas cenas dessa temporada foram muito boas, como a cena final da carruagem ( onde tocou uma música do rapper Pitbull), no livro era por essa parte que ele deveria já saber que ela era a escritora secreta, mas a série optou por segurar esse segredo mais (imagina essa revelação depois de toda a cena da carruagem). Onde todos ficaram se perguntando cadê o acompanhante de Pen, já que ela é uma moça de família voltando do baile (sempre tinha na época), mas o comentado é que não tinha por ela ser uma "spinster", solteirona na linguagem da época? Ai, essas palavras incomodam, não?
A cena da mãe dos Bridgerton conhecendo o filho de Lady Dunbury (das voltas que a vida dá pensando o romance dela com o pai dela anos antes). Sobre Pen, já sabíamos pelo livro que ela teria um 'makeover' depois de alguns anos, e que isso ia produzir certa mudança nela, ao largar as roupas cítricas escolhidas por sua mãe, e colocar mais tons sérios e roupas mais provocantes, ela teria em idade uns 27 28 e ele teria uns 30, seria isso mais ou menos.
Lady Dunbury (personagem mais carismático da série), a mais influente e cortante das amigas da rainha, fumando um back antes de saber da chegada de seu irmão, que se envolverá com a mãe Bridgerton. Outra cena marcante foi Pen correndo para dentro da casa dos Bridgerton e achando seus escritos, ele descobre, derruba algo de vidro e se corta, aí ela vai e ajuda cuidando da mão dele, uma cena fofa.
A cena onde o loiro salva Pen e depois quando ele propõe casamento, é uma lavada, já que acho que todos estavam com raiva do Colin nessa altura, eu imagino. Em uma das cenas, ela lê um livro sobre exploração para entender os interesses do Lord que estava a cortejando.
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