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As Patricinhas de Beverly Hills (1995): Filme de Amy Heckerling inspirado em Emma de Jane Austen foi de chick lit bobo ao status de cult


Do original título em inglês Clueless, o filme de adolescente, escrito dirigido por Amy Heckeling, a famosa diretora de "Picardias Estudantis", e produzido por Scott Rudin e Robet Lawrence, marca a fórmula de filmes "coming to age". Esse estilo foi de banal a cult em questão de alguns anos. Quando saiu, em julho de 1995, ninguém esperava muito do filme, mas se tornou um clássico cult teen.
 É baseado "espiritualmente" na novela de 1815 de Jane Austen, "Emma", um clássico da literatura. Entretanto, é uma adaptação parcialmente inspirada no livro, sendo um cenário de elite moderna americana e não inglesa, do mesmo espírito que Austen buscava adaptar. O enredo é centrado em Cher Horotiz (Alicia Silverstone), a Emma do livro, uma garota super popular de Beverly Hills que decide fazer uma transformação em uma estudante nova da escola chamada Tai Frasier (Brittany Murphy) a Harriet no livro Emma. O elenco conta com Stacey Dash, sua melhor amiga, e Josh interpretado por Paul Rudd. O filme lucrou $56.1 milhões nos Estados Unidos e é considerado um dos melhores filmes adolescentes de todos os tempos e a Paramount Pictures anunciou recentemente um remake.


 Apesar da aparência de "filme de mulher" bobo, a história esconde diversas referências históricas que lembram o livro original. Como o fato de Cher, como Emma serem casamenteiras, Emma de sua antiga babá, e Cher de seus professores. O filme foi seguido por uma série de livros. 


Parecendo bobo de início, a própria crítica especializada concorda que ele é um filme mais "esperto" do que se parece. Cher Horowitz vive em uma grande mansão em Berverly Hills junto com seu rico pai Mel, um advogado punitivo. Já sua mãe morreu em meio de uma lipoaspiração quando ela era apenas um bebê. 



Cher é atraente, popular e estilosa e estuda em Bronson Alcott High School com sua melhore amiga, Dionne Davenport, que também é popular e rica, sendo filha de cantores famosos. 

 



Josh que está estudando para ser advogado ambiental, seria um filho da esposa de um antigo casamento de Mel, pai de Cher, que fala para ele que isso não dá futuro para ninguém. Cher é descrita como uma menina que não está interessada em namorar os garotos da escola. Ela "namora" um sujeito que quase não fica ao lado dela, parecendo que os namoros de escola são apenas de fachada. 


Enquanto Cher prefere ficar em casa com Josh, que é o Mr. Knightley do livro Emma, que vinha na casa de Emma para conversar com seu pai e ela. Na cena abaixo, ele quer ver CNN e ela quer trocar de canal. No filme é discutido o tempo todo sobre a futilidade de Cher, o que depois a incomoda, mas ao mesmo tempo é a que impede de ser má para ser apenas "desinformada", e essa cena mostra bem a ideia do título.





Logo, Cher percebe que não está interessada nos meninos da escola. Segundo Natasha Jonsson, é possível entender do livro óbvios subtextos em relação a bissexualidade de Emma Woodhouse, tese afrimada em seu artigo "Emma Woodhouse, Handsome, Clever, and Rich... e Bissexual?". No filme, há menos essa relação íntima de Emma com Harriet, que irrita Knightley profundamente, no filme é diferente e não dá quase isso, sendo a interação entre Cher e Tai iniciada por Cher para fazer uma "transformação nela". No filme, como o estúdio era conservador, eles misturaram um pouco, e Tai (Harriet) não era tão ligada intimamente com Emma, como era no livro. 




O fato de Harriet e Tai se apaixonarem facilmente pode ser notado nessa referência de que Harriet seria uma pessoa da classe média entrando no mundo dos ricos por ter uma amiga próxima, enquanto no livro de Emma, enquanto no filme, Tai apenas entra na escola das patricinhas de Beverly Hills.


Quando Emma influencia sua nova amiga a não se casar com Robert Martin, mas depois que se descobre apaixonada pelo senhor Mr knightley que adora corrigir Emma, no filme, esse personagem é Josh, e quando ele fica próximo de Tai, há uma reviravolta que lembra o espírito de Jane Austen em essência, Cher que se achava sabe tudo, e que Tai era clueless (desinformada). 


Cher tenta fazer seu antigo paquera se interessar por Tai, mas ele quer é sair com Cher, que acaba sendo abandonada por ele, e acaba sendo assaltada e depois liga para Josh e sua namorada para buscar ela, já que o assaltante tinha levado tudo dela. Essa situação tem em comum no livro, quando os irmãos Knightley rendem os assaltantes que entram em sua casa. É uma situação que é obviamente inspirada no livro 



Mas isso faz Cher ter uma certa virada. No livro é nesse momento que ela para de tentar "refazer" Harriet e para de querer ser uma solteirona que iria morar com o pai até o final da vida. Ela percebe estar apaixonada pelo senhor Knightley, quando até então Emma negava o casamento de todas as maneiras possíveis, pensando que seria mais feliz assim por querer ficar ao lado de seu pai.  Como no livro Emma arrumava casamento para todo mundo. No filme, Cher junta seus dois professores para melhorar sua nota e depois eles se casam por fim.



Um mote em comum é o debate sobre futrico, cultura da celebridade das elites, como também o fato de Emma, como Cher serem manipuladoras quando querem, sendo um traço que vai causar conflitos mais na frente tanto do filme com Cher tentando juntar seus dois professores inaptos sentimentalmente para que eles ficassem "felizes" e melhorassem sua nota, depois que tirou C em debate, pelo carácter" "frívolo" de sua defesa. 


Depois disso há uma mudança no sentido da narrativa, ela passa a ser reprovada na prova de carteira de motorista, e pela primeira vez, não consegue manipular para sair da situação, suas amigas não acham mais legal sua cultura do veto e da abstinência e Tai passa a ser mais popular que ela, depois que seu amigo Cristian tenta salvar ela no shopping de dois caras que a penduraram da sacada do shopping, uma cena absurda em termos de pensara realidade daquilo. É nesse momento que ser a hegemônica da história, que apenas vai fazer compras no shopping parece não ser suficiente para Cher.



 No livro, Emma percebe que apenas queria mudar Harriet Smith para seu bel prazer, e que não tinha intenção real por traz disso. É um momento onde há uma certa percepção que vai além da vaidade que é descrita a personalidade de Emma. No filme, Tai começa a ficar má, e chama Cher de "virgem e sem carteira de motorista", e depois se arrepende disso. 



Isso não foi passado para o filme, apenas como uma referência ao "amigo" que Cher achava que estava interessada nela. No filme não é dito, mas ele é gay, sendo talvez a única referência de ligação com esse assunto do livro no filme apenas com o personagem do amigo que não quer transar. Esse personagem que fica "flertando" no livro, é um pouco Frank Churchill, personagem que fica flertando com Emma através de poemas e charadas inteligentes, no livro Emma tenta empurrar Harriet para ele, como no filme ela tenta arrumar Tai um namorado que não fosse como o skatista.




 
No filme temos o personagem do skatista Travis Birkenstock, como no filme Picardias Estudantis, o personagem do Sean Pean. Nesse filme é como se ele fosse Robert Martin, o fazendeiro do livro que oferece casamento a Harriet no livro. Quando Cher começa a entender que não pode seguir as próprias regras e que estava errada, ela começa entendendo que Travis na verdade é muito melhor do que ela pensava ser, sendo um dos melhores caras da escola, que tem gostos, como ser campeão de skate.




Bastidores e Contexto do filme





O filme foi feito inicialmente para ser um programa de TV, em 1993, para a Fox, era sobre crianças populares em uma escola de ensino médio na Califórnia, que seria broadcast por uma garota otimista. Mas depois do piloto, a Fox negou o desenvolvimento do programa. A própria atriz Alicia Silverstone ficou doente duas vezes no meio das filmagens. Como também houve problema com enchentes e chuvas no período de gravação do filme que estragaram a casa de Cher que foi alugada para o filme, apesar dele parecer ensolarado ao fim, sendo filmado em 40 dias a partir do dia 21 novembro de 1994. 



O skatista Travis vivido por Breckin Meyer machucou seu joelho durante o ensaio de half-pipe. Outra curiosidade é que um professor amigo de Amy, da escola de ensino médio de Berverly Hills como diretor Wallace Shawn. As locações das escolas para o filme foram várias, uma delas Occidental College em Los Angeles, outra Ulysses S Grant escola de ensino médio em Valley Glen funcionaram como set para as cenas do interior do filme. Também filmaram no Circus Liquor no North Hollywood, onde Cher é assaltada. 



A atriz Brittany Murphy, que era a única menor de idade de verdade no set, então teve que contar com a participação de sua mãe Sharon. Paul Rudd que interpreta Josh foi assaltado durante as filmagens a mão armada. Teve uma cena em um restaurante que foi removida, uma cena deletada de uma banda que era famosa na época, The Mighty Mighty Bosstones que havia sido parte de um grande evento de lançamento em um outdoor e depois o estúdio cortou a cena deles. O filme começou planejado como uma série de tv, mas ironicamente, acabou fazendo sucesso como filme, e depois virou uma série mesmo da ABC, só que sem Alicia Silverstone, Paul Rudd e Brittany Murphy.



O agente da diretora Amy Heckerling disse que poderia funcionar como um filme em um novo acordo. O filme tem o tom de sátira coming to age, chicklit, ou famosos "filmes para mulheres", mas em um contexto de elite que acaba debatendo. O filme foi para o recorte final com ajuda de Scott Rudin, que convenceu que o ângulo feminino para o filme era único. Outra curiosidade é que era para Sarah Michelle Gellar interpretar Cher, mas o papel ficou com Alicia Silverstone. Angelina Jolie fez o teste, mas foi considerada madura demais pro filme, como também Johnny Galecki (o Leonard de The Big Bang Theory). Ben Affleck tentou o papel de Josh, e Reese Witherspoom tentou o papel de Cher.  



Alguns autores divergem sobre o carácter de quão sátira sobre a elite era. Uma das atrizes do filme, a melhor amiga Dionne Davenport interpretada por Stacey Dash, que na época era a mais velha do elenco, que hoje em dia é filiada ao partido republicano, como a própria Fox é muito conservadora. O filme pode ser visto como uma crítica light que aborda muitos valores conservadores em comum entre o partido democrata, e o partido republicano. 




O canal conservador queria que fosse a mesma estética, só que com uma história sobre homens! Serviu como uma forma da elite americana vender seus novos hábitos de consumo através de uma estética que pudesse imitar a forma da elite antiga com novos instrumentos, como os celulares, por exemplo, por isso ser uma adaptação da maior escritora inglesa, Jane Austen, mesmo que em espírito, é uma validade que dá uma sustentação espiritual ao filme para leitores assíduos. 



Leitura do filme e reflexões sobre adaptações literárias


O tipo de filme chick flic virou moda nos anos de 1990, era fácil fazer um filme de baixo orçamento, mas que mexesse com subculturas e referências na cultura popular diversa. A dimensão do boato e da desinformação faz parte do filme ao entendermos que a repercussão dos atos podem ter dimensões muito maiores que eles em si. Como na cena que contam pra Cher que Tai foi salva no shopping e que ela tinha sido atacada por gangsters. 


O famoso crítico Roger Ebert na época que escrevia pro Chicago Sun-Times deu 3,5 de 4 estrelas pro filme. Peter Travers escrevendo para a Rolling Stone deu ao filme 4 estrelas, que contrastava com os filmes de orientação adulta sobre adolescência que seguiam na mesma época. Ele disse que o materialismo presente em Clueless (Patricinhas de Beverly Hills) é tão presente quanto a desesperança em Kids (filme de 1995). 




Como na cena do debate, onde Cher e sua rival debatedora na aula, Heather, tem que debater sobre a permanência e o asilo de imigrantes haitianos na América, e acaba falando a palavra Haitianos errado, Cher, apesar de superficial e com referências ao texto de Shakespeare, estava em tese defendendo o lado "correto", enquanto a fala mediana da Heather, por mais que fosse dentro dos métodos de neutralidade, estava defendendo o lado de expulsar imigrantes. 


Nessa cena Cher acerta a referência correta de Shakespeare, ao contrário da colega que errou quem disse a citação, Polonius, coisa que ela apenas sabe através da cultura pop. Uma cena que explica como que adaptações podem ser "diferentes" do contexto de uma obra original. 

 


A cena ridiculariza o hábito de através de assistir os filmes tentar entender o contexto de livros que são apenas inspiração. Por exemplo, assistir esse filme não te prepararia para fazer uma prova sobre o livro Emma, de Jane Austen. Mas certamente exercita a imaginação para o debate sobre a vaidade, o disse-me-disse que tentava retratar parte da elite teen californiana através de um olhar feminista, ao estilo da terceira onda do feminismo, como vista na forma de criação de conteúdo e visão que possui a diretora Amy Heckerling.


Apesar de tudo nesse filme apontar para uma visão feminina, isso não foi fácil ou aleatório, mas uma forma de maestria de uma certa maneira de fazer filmes onde o arquétipo é de propósito aumentado no tom para ser entendido por todos. Uma aula de cultura pop.


 



Disponível no Telecine


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