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Jane Eyre (2011): O "Lado B" de Barry Lyndon, Charlotte Brontë e o nascimento da psiquê feminina em romance clássico da literatura inglesa

 

Jane Eyre é um filme de 2011 dirigido por Cary Fukunaga, estrelando Mia Wasikowska como Jane e  Michael Fassbender como Rochester. O roteiro é baseado integralmente no livro clássico da literatura de 1847, de Charlotte Brontë. Após uma infância dura, a orfã Jane Eyre se torna governanta do misterioso e frio Sr. Rochester. Aos poucos, eles se aproximam, mas os segredos desse homem podem comprometer tudo



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Clássico é clássico demais, um livro que parece que tem vida própria, mas esse é um clássico que se busca fiel as raízes do romance gótico, que surpreende pelo seu tamanho e dimensão, sendo mais que um romance, busca ser um verdadeiro horizonte para as relações sociais em uma época fervilhante. Seu romance foi publicado um ano antes do ano de 1848 (ano altamente revolucionário no mundo inteiro). O filme de 2011 começa de maneira diferente da maioria das adaptações, com Jane correndo desde o início do filme para fora de Thornfield, ou seja, começa o filme na parte mais tensa e angustiante do livro de maneira diferente. 


Se diferenciando a mais clássica delas, sendo uma adaptação de Jane Eyre de 1943 de Orson Welles como o senhor Rochester, nesse filme, Jane corre de Thornfield Hall em sua fuga para a Moor House para ser direto a casa da tia no filme de 1943 (apesar de maravilhoso também) dá uma cortada no livro, quando ela chega na casa John Rivers e suas irmãs Diana e Mary que acolhem Jane depois dela chegar lá praticamente em estado medicante, isso acontece no livro e Welles cortou a proposta de John da sua adaptação e termina com um beijo. 


O foi teve boas críticas ( e é muito bem feito para uma adaptação moderna) de sua produção que chegou a ser indicado ao Oscar pelas roupas históricas muito corretas, no design de produção e foi elogiado pela atuação de Mia Wasikowska(de Alice no País das Maravilhas, de 2010 de Tim Burton) e Michael Fassbender, que está incrível como senhor Rochester (puxando o cara para ser um personagem mais romântico que no livro ou na versão de Welles, que puxa o Rochester para essa maldade shakespeariana).


Vemos a difícil infância de Jane aos 10 anos, sendo humilhada, trancada no quarto vermelho e desertada depois por ser órfã de pai e mãe que morreram de Tifo, apesar da família Reed, pela parte do irmão da mãe de Jane quis inicialmente acolher ela na sua casa, mas sua tia não gostava dela. 


Depois disso, por certo "mal comportamento" (leia-se, apenas existir como pobre), ela foi mandada para o orfanato, uma instituição cruel e inspirada em uma escola da vida real que Charlote frequentou, Lowood School for Girls (onde ela estava sob o controle de Brocklehurst. Helen Burns, a amiga dela que morre era o retrato de Mary Brontë e Elizabeth, a irmã de Brontë que morreram também por conta das pobres condições da escola onde estudavam que se chamava Clergy Daughters School em Cowan Bridge, perto de Tunstall, Lancashire, e o Brocklehurst foi inspirado do ministro evangélico reverendo William Carus Wilson que administrava a escola


Conhecida também pela sua veia feminista (e também um pouco questionada), ou por também carregar certo louvor nacionalista não normalmente encontrado no espírito feminino. Seu livro pode ser comparado com as ideias em vigor pelos liberais ingleses da época. 


No livro, na busca de um eu independente e moderno, Jane, que é uma mulher sem muitos recursos se apaixona por alguém. Explicando em miúdos, temos aqui a teoria de John Locke pensada na perspectiva feminina. A busca de defender a ideia do liberalismo clássico por mais que houvessem falhas. Procurei por essa associação no google e no google acadêmico e não achei nada, mas faz todo sentido para mim. 


Como Charlotte era uma escritora moderna, ela chegou a mandar cartas e trabalhos para poetas ativos na época, recebendo orientação para se afastar do ofício de fazer poesia já que não "poderia ser coisa de mulher", muitos desestimularam a ideia dela, mas acabou dando certo.  Ela inverte a premissa da mulher conquistada, outorgada, em busca de seu próprio destino para não acabar exatamente como a antiga mulher.


Enredo seguido pelo filme I Walked With a Zombie (1943), mesmo ano da primeira adaptação de Jane Eyre também) é uma brincadeira de inversão com Jane Eyre, e com o tipo de homem senhor Rochester e o que eles eram na realidade, donos de escravos em colônias e que oprimiam suas mulheres, e que claro, não tinham bons casamentos, ás vezes até forçados. Vale lembrar que é de 1943 também a adaptação clássica de Jane Eyre com Orson Welles como senhor Rochester, são dois filmes com temáticas parecidas e dos mesmos estúdios (RKO).  


Na idealização de Charllote teria algo de tão bom e genuíno em Jane que era capaz de revalidar toda uma estrutura arcaica e decadência do sistema colonial inglês, e nem eu mesmo sei se ela tinha tanto poder assim.


O que é contado em tom de horror e gótico, é o medo do outro, da personificação, das estórias contadas por outrem. Quando Rochester queria casar com Blanche ninguém se manifestou para lembrar do fatídico casamento, mas como ele estava casando com uma órfã, claro que apareceram para impedir o casamento, e também pudera, esconder uma mulher dessa forma. 



Inclusive, tem um livro de ficção livre que tenta se colocar no lugar da primeira esposa de Rochester, colocando ele como um claro homem violento e enganador, mostrando como eles teriam se conhecido. 


Pensando nesse ângulo não romântico do lugar, temos esse lugar de alguém que está disposto a ser uma "historiadora da consciência" manifestando como a moralidade afetava completamente as disposições femininas e claro, suas reputações. Um escritor brasileiro bebeu e muito nesse tipo de orientação psicológica, romântica e nacionalista e foi José de Alencar usou Jane Eyre para compor com o livro Senhora (publicado alguns anos depois, onde a jovem Aurélia é preterida pelo jornalista Fernando por ser pobre, mas depois herda uma fortuna de seu avô e faz Fernando casar com ela sem saber que ela tinha planos para vetar ele nas noites de núpcias.  


É difícil criticar uma mulher tão inovadora quanto ela, mas podemos dizer que o romance de Charlotte tocou a psiquê feminina com uma mulher aparentemente sem poder, que em busca de sua visão ideal de mundo e romance, abandona o que veio a conhecer por lar e se torna a imagem perfeita do que a censura e a moral da época esperavam das mulheres, já que não poderia viver como "concubina" de Rochester, não queria o destino da antiga cantora de ópera, uma metáfora aqui da ideia de liberalismo de costumes francês que impregnam qualquer elite, até mesmo a inglesa. 


Por isso que ele tem um a filha não oficial que ele diz que "deixaram ela para mim", quando é filha de sua antiga amante. Podemos julgar que mesmo se colocarmos os óculos das tragédias clássicas de Shakespeare, que o carisma de Rochester é um carisma ao estilo do rei de Macbeth, apesar de suas crueldades, temos simpatia com ele. 


Mas a autora desse clássico soube fazer além do óbvio, tudo que Jane busca no livro é encontrar o seu igual, nesse sentido, Rochester é como seu espelho, na ideia de romance onde as pessoas tem que ser iguais para se completar, uma noção moderna de entendimento entre casais. O que Jane não queria também era dinheiro exatamente, apesar de ter virado herdeira depois, ela fugiu de ser 'montada' como noiva cara, quando ela era "plebeia" como ela se descreveu no livro.  



A segunda edição do livro dela já publicado com seu nome verdadeiro fez dela famosa, e vinha com uma dedicatória para William Makepeace Thackeray (um poeta da época que tinha a esposa com problemas mentais) e que escreveu o livro das Memórias de Barry Lyndon (que tem o filme de 1975). Faz todo sentido a homenagem feita na segunda edição, já que nas duas obras o tema principal é ascensão pelo casamento. 


Em Barry Lyndon, o homem que se casa por interesse ascende socialmente. Muito se especulou se este era o Rochester, mas não. Quem era a inspiração da autora foi um cara com seis filhos chamado Héger, isso segundo sua amiga Elizabeth Gaskell.


No Brasil, quem seguiu os passos de Jane Eyre foi Machado de Assis e José de Alencar, os dois na sua maneira de referência, José de Alencar escreveu Aurélia inspirada em Jane Eyre, e Machado escreveu em Esaú e Jacó e Memorial de Aires sobre o conselheiro Aires(personagem contraditório e central como Jane, narrador de tudo e de todos), o nome parece o mesmo significado do sobrenome de Jane, "o ar", e que isso significa em algum nível, uma referência ao ar, a ser livre. 


O nosso Machado de Assis (sempre leitor dos ingleses) em "Esaú e Jacó (1904)" aborda Aires (referência a Jane Eyre), ele era o conselheiro (e narrador da trama) e mostra claramente como ele não apenas aborda com 'neutralidade' todos em sua volta, mas ele disfarça  e adapta suas intenções e seus sentimentos em partes onde sua inclinação ou segredos ocultos são apontados aos poucos nas linhas do próprio narrador por conta da censura e da moralidade, que não quer convencer como Jane Eyre, mas quer se esconder.   


William Thackeray Também era controverso e tinha problemas de diferenças com outro grande escritor inglês da época, Charlie Dickers. Se pudermos comparar os estilos de literatura dos dois, em Dickers, apesar do 'liberalismo de esquerda progressivo' levemente machista de escritores como ele, apesar de Dickers ser o grande escritor inglês por excelência, ele é mais literal que Dickers que te envolve em alguma forma de nacionalismo de tipo de formato único, que foi formador de tradições, sem dúvida. 


Um livro publicado pela primeira vez em 1847 (um ano antes de 1848, ano da chamada primavera dos povos que começou mais uma vez na França, onde a Inglaterra passou a ter sufrágio universal masculino independente do nascimento), é um clássico por ecoar sussurros e críticas que estruturam o caráter nacional e isso é o caso da autora, ela quer vender a ideia de romance e aventura feminina ao mesmo tempo. Por isso que falo que o livro também é um pouco sobre a primeira escola ainda filosófica e não econômica dos liberais ingleses, já que esse período foi forte 


No livro, são muitos os casos de análise desses monstros e estruturas que assustam como ecos das formas exploratórios e abusivas que as sociedades europeias se comportavam, quando temos a primeira esposa jamaicana trancafiada no porão é uma referência ao tráfico que a Inglaterra primeiro apoiou e depois repudiou isso por ver uma nova vantagem econômica. 


Jane como é muito jovem e inocente acaba por não perceber isso e volta para Rochester no final do livro, onde sua redenção e tentativa de salvar a esposa foi meramente comentado como lenda ou factoide por terceiros, assim como é contata para Rochester do ponto de vista de Jane sua saga de fuga para a casa de seus parentes (eles não sabiam, mas eram). 


O filme mais clássico para comparar com essa adaptação é o de 1943, clássico com Rochester sendo interpretado por Orson Welles, nesse filme, Jane vai embora para a casa da tia (que tinha abandonado ela) e fica por lá sabendo da fortuna que havia ganho. Já no livro, ela vai ver a tia moribunda logo, no filme, ela já foge do seu casamento para lá, não havendo a proposta de casamento do pastor e missionário John Rivers.  No filme de 2012, já temos a estrutura mais parecida com o livro, mas não é muito mencionada a proposta. 



Vamos colocar Jane Eyre como a literatura mais clássica possível, como o surgimento de todos os clichês que amamos muito, órfãs, tropeçar no cavalo quando conhece a garota, propostas rivais de casamento, e garotas inglesas descritas como "plain and poor", ou 'bloodless' nas palavras de Machado de Assis em Miss Dóllar, ou seja, uma garota inglesa comum, "sem graça e pobre" mas altamente perspicaz e genuína, adiciona uma fortuna escondida. 


Em uma das cenas isso é bem palatável, já que ela fala algo do tipo "E se eu tivesse beleza e dinheiro faria com que fosse tão difícil para você me deixar", e foi isso que a autora fez com seu livro de três tomos, quando ela tentava publicar, levou um não pelo seu primeiro livro, ela insistiu e passou a escrever Jane Eyre com afinco, mas foi difícil porque os editores queriam que ela escrevesse mais e mais.  


Pensa em Bridgerton (uma possível revisão ao clássico) dá para fazer essa comparação apenas por exercício de referência mesmo, a Queen Charlotte (mesmo nome da escritora) era a esposa "negra", de origem moura e portuguesa da Inglaterra, isso devia gerar alguma forma de conversa de bastidor racista, claro. Bronte pode estar referenciando o casamento do Rei George (que era conhecido por ser maluco na fofoca popular, mas era doente, na verdade) já que a novela se passa nesse período, 20 anos antes da época de publicação. Essa inversão na imagem mental que o livro faz é interessante, já que associa loucura ao 'traço espanhol' e isso ao conceito de casamento forçado, já que na época, os maiores inimigos dos ingleses eram os espanhóis. 


Fala muito também do nascimento da psique feminina moderna, onde as mulheres extremamente sem opções eram suscetíveis a todos os tipos de esquema de exploração velada pelo exercício do trabalho doméstico. Aos ricos não era exigido muito coisa, havendo mais liberdade das mulheres ricas, ou seja, elas podiam ter aventuras antes do casamento, contrastando demais com a educação rígida e altamente vigiada dos reformatórios e escolas ao estilo dos internatos (hoje em dia, considerado o melhor modelo de escola), na época, era educação apenas para pobres. Então as mulheres ricas se tornavam devassas e as pobres órfãs se tornavam as viáveis esposas puritanas, uma inversão na alcova?


Uma piada histórica com o Brasil que Jane Eyre tem envolve o debate do liberalismo, individualismo e contratualismo no século XVI, Portugal ficou com medo com o alto índice de miscigenação dos homens brancos portugueses (os primeiros lançados) com as mulheres indígenas, isso na época das capitanias hereditárias, então Portugal mandou levas de mulheres brancas órfãs para o Brasil para casar oficialmente com esses homens para proteger os índices de batismo da igreja e a 'cultura católica'. O nome do filme que retrata isso é o Desmundos (2002) de Alain Fresnot.     


Para falar de Jane Eyre, precisamos falar de sua autora, Charllote Brontë, uma mulher que ousou escrever e incorporar a poesia em sua prosa. Era filha de um reverendo e tinha irmãs (Emily e Anne também conhecidas por suas publicações). Era uma família literária associada à aldeia de Thorton, em West Riding de Yorkshire, Inglaterra. Ela publicou seu romance sob o nome de Currer Bell, 19 de outubro, pela editora Smith, Elder & Co. of London e teve um primeiro romance que tentou publicar vetado pela editora. 


Cortando os detalhes biográficos, a autora Charlote soube debater  mais que a psique feminina, os valores da sociedade de seu tempo e a ascensão e a queda dos ideais de patriarcado clássico. O livro tem 700 páginas, é gigante, mas vale a pena, ela escreve em primeira pessoa sua história de 10 anos até 10 anos depois dos 18 anos. Acompanhamos sem muito questionamento a heroína (afinal, é uma órfã), mas podemos questionar diversos "monstros", ditos e não ditos dessa estória clássica. 

 

A questão das governantas foi a forma que ela encontrou que externalizar (essa crítica ao lugar reservado a mulher na sociedade da época) e mostrava certo ódio que carregava do sistema educacional (as instalações insalubres que mataram pessoas próximas dela), apesar dela mesma ter sido professora. Ela conseguiu exprimir essa crítica que a educação reprimida vitoriana, na verdade, era extremamente condescendente com abusos (castigos), de todo tipo. 


Jane Eyre é dividido em três volumes, publicados originalmente em 1847, em 38 capítulos, 1 a 15, 16 para 27, e 28 até 38. As garotas são espancadas periodicamente na escola para disciplina em Lowood, que tinha 80 alunas, e uma amiga de Jane, Helen Burns, morre abraçada com ela doente de tuberculose. Os quartos são frios, as surras são periódicas, e o encanamento tem apenas água gelada/congelada, não possibilitando a higienização das moças.

 

8 anos depois (6 como aluna, 2 como professora), vemos o processo de Jane, agora professora, vai abandonar o antigo colégio para ser governante para uma Adèle Varens, uma jovem francesa, apresentada pela senhora Mrs. Fairfax (que ela confunde com a senhora da casa na primeira vez). Com 18 anos, Jane vira governanta de Thornfield Hall.  



Logo começa a conhecer a propriedade sombria, de castelo ao estilo medieval. Ela conhece alguém um dia na estrada e vê um homem que cai do cavalo e que pede sua ajuda para conseguir voltar ao seu cavalo e chicote. Depois que ela volta da sua caminhada, ela é recebida pelo seu Rochester, e ele a acusa de ter "enfeitiçado seu cavalo".


Tudo vai correndo, enquanto Jane ensina a pequena Adéle, filha da cantora de ópera francesa, um dia, Adéle finge que um dos desenhos de Jane era seu, o que leva a Rochester analisar as sus obras e ela a explicar a origem, uma delas, uma referência a vênus subindo ao céu parecia lembrar da amiga de orfanato que morreu.



Até que em uma das noites, nota-se um fogo vindo do quarto de Rochester e Jane ajuda tentando apagar, mas como ele estava provavelmente bêbado, ela fica com dificuldades para 'apagar o fogo' e tenta jogar água nele. 


Ele fala a frase clássica "Não faça barulho" e coloca o casaco dele nela, pela tensão do momento (afinal, alguém ou algo tentou matar Rochester) e depois começa os preparativos para a fatídica festa onde Rochester convida Blanche Ingram e sua família para uma festa com diversos convidados. Todos comentam que Rochester vai se casar com ela obviamente, que eles cantam bem juntos, são um par da "elite" perfeitos. 


Mas plantando uma informação falsa de que tinha bem menos do que esperavam, na hora, o interesse dela e da família acabaram. Enquanto Rochester vai atrás de Jane que está magoada com toda a situação de humilhação, são interrompidos pela chegada misteriosa de Richard Mason, vindo de Spanish Town, Jamaica. 


Quando ele chega, ele chega todo machucado, e pede para Jane cuidar dos ferimentos dele sem falar com ele nenhuma vez. Jane observa uma porta secreta no quarto de Rochester, enquanto Mason é levado por um médico. Rochester convença que ele cometeu um grande erro no passado mas que agora ele tem uma nova mulher em sua vida, para Jane, essa mulher era Blanche.


Jane recebe então uma casa de seus primos e de sua tia, e soube que seu primo John cometeu suicídio, levando sua tia a ter um ataque cardíaco, ela fala para Rochester que ficará por lá por um tempo mesmo sendo a família que a tinha abandonado. 


Lá ela descobre que a tia escondeu uma carta de um primo do pai de Jane que ela descobriu que existia e que morava em Madeira quando ainda criança, e descobriu que a tia dela Sarah que ocultou uma carta onde ele pedia para criar Jane e transformá-la na sua herdeira, ela descobre que John morreu antes de saber sobre Jane, e decide mesmo assim perdoar sua tia e aí ela volta para Thornfield (isso acontece igual nesse filme). Pensando no futuro casamento de Rochester com Blanche, e ela fala que vai deixar Thornfield e aí ele se declara para ela admitindo que a festa foi para deixar ela com ciúmes, e que espalhou um rumor de propósito para ver se Blanche ainda se interessaria por ele. 


Tem uma parte um pouco antes do casamento, que Jane começa a suspeitar de alguma coisa estar errada, o véu que Rochester tinha comprado para ela tinha sido surpreendentemente sabotado e ela começou a passar mal sonhando com Thornfield em ruínas, isso bem pouco antes do casamento. Jane passa mal de noite e fica com Rochester parecendo antever toda a desgraça.


No casamento deles, Mason aparece com um advogado e revela que Rochester já é casado com sua irmã, Bertha Mason, e que ela é trancada durante a noite. Rochester explica que foi um casamento forçado por dinheiro, ele tenta convencer ela a ficar de maneira bastante emocional até, chama para uma vida similar a da antiga amante francesa. Ela recusa de maneira bem protestante e sai correndo, mas aí que está a mudança. 


Essa parte, completamente necessária para a nova jornada de Jane e também uma parte bem triste e angustiante do livro é colocada como a primeira cena do filme de 2011, já te deixando com aquela ideia de "vai dar errado". 


Ela vira praticamente mendicante depois de deixar Thornfield, fica dias sem comer e quase morre de inanição antes de chegar a Moor House, onde ela conhece Dt. John e suas irmãs que viram suas melhores amigas. Por lá, por uma coincidência do cacete (se você não quiser maldar as intenções de Jane), esse cara era o garoto que foi adotado por sua tio de Madeira, uma das noites, Jane acha ouvir Rochester chamando seu nome. mas era John anunciando que ela era herdeira do tio que nunca conheceu e que ele ficou com a herança e que vai dividir com ela, um total de £20,000 pounds da época (£1,900,000 libras em 2021), uma grana. 


Por lá, Jane volta a dar aulas, e  Jane oferece dividir a herança que recebeu de John Rivers e suas irmãs e propõe que eles vivam juntos como irmãos na Casa Moor, mas John quer casar com Jane por achar que ela seria a "missionária perfeita" para seu serviço que seria servir na Índia, ela chega aceitar ir, mas sem estar casada, o que o desagrada em muito. 


No livro, para o leitor atento, ele é descrito como bonito , mas no filme, não achei muito não (com atuação de Jamie Bell), e eles tem uma cena somente que pode ser descrita como romântica juntos, depois disso, Jane passa a considerar casar com ele, mas quer visitar Rochester e saber o que aconteceu com ele antes de se decidir.  




Quando ela volta a Thornfield, ela acha a casa completamente destruída e em ruínas, ela descobre que Bertha incentivou a casa e que Rochester quase morreu ao tentar salvá-la, agora ele está cego e muito alterado de como ele era antes. No livro, há uma certa tensão na volta dela, ela volta fazendo mistério, brincando com sua voz, trazendo a bandeja e contando as novidades, e que recebeu uma proposta de casamento e de mudança de país, mas ela explica para Rochester as condições não ideais do casamento, sem amor, sem ideal e ele não acredito quando ela prefere ele a John. 


Mas no filme, o fim é romântico e épico, ele se reencontram com muito amor, mas no livro o fim é mais divertido e realizador. Ela volta confiante já em todo um plano também (como ele antes), e conta as novidades já dizendo que vai comprar uma casa do lado da dele, que vai cuidar dele e não queria ouvir não de resposta, ao saber do casamento e da beleza grega do pretendente, Rochester incentiva ela a se casar, dizendo que ela precisava fazer isso. 


Perguntou como que ela vaia amar alguém tão odiosamente ferrado como ele, e ela responde "mas você sempre foi horrível, senhor" (é no mínimo rir da cara do leitor que levou todo o drama sério demais), de uma maneira bem fofa, como se dissesse que nos olhos dela nada mudou. Uma bela diferença para a parte da estória onde ele pergunta do nada "Você me acha bonito?" como quem não quer nada, e ela responde rápido que não. Como assim? O filme é todo muito bom, mas o final foi resumido, digamos assim, eles resolveram não focar muito nisso. Eles só se beijaram e ficaram juntos. 


É uma revolução só o pensamento de Charlotte Brontë (nossa Currer Bell, pseudônimo usado pela autora na primeira edição), essa novela consegue focar na moral e no desenvolvimento espiritual e ao mesmo tempo na áurea em volta da narração em primeira pessoa, coloridos com toques de extrema psicologia (uma hipnose de quase 700 páginas), o que deixou Bronte com a fama de "primeira historiadora da consciência privada", futuro de obras ao estilo de Marcel Proust ou James Joyce. 


Em outros livros, como Villette (1853) (do tempo que trabalhou como professora em Bruxelas), a aproximação de Brontë com um sentido mais realista (de uma moça viajando e se descobrindo sozinha até ser roubada e ter que trabalhar na primeira escola que encontra), onde ela aborda os preconceitos de estudar em um instituto de fora e como que para muitos não havia diferença entre educação e etiqueta como a única forma de educação para garotas, já que a diretora que a contrata não divide as tarefas de ensino e as tarefas domésticas como governanta (apontada como a "Bertha",  mulher do cara, do Héger, uma espécie de preceptor grão fino) que ela teria que fazer como uma espécie de 'empregada/professora' do lugar e das crianças. 


Os livros de Charllote abordavam essa falta de separação de público e privado e a falta de objetivos em termos de educação feminina, uma denúncia irônica e ao mesmo tempo romântica das formas de relação envolvendo a profissão das governantas, que ficava situada entre o terreno da família, no cuidado das crianças, e em parte com os empregados, na estrutura do chamado "nursing" (que é uma parte da casa onde se deixa os filhos e ficam as governantas e babás).   


Dizendo assim que as professoras eram como empregadas antes do começo de uma cultura reflexiva de verdadeira inserção de conteúdo no aprendizado, por isso valeu as lições de Brontë sobre essas diferenças, não havia essa diferença entre público e privado, apenas uma relação ainda muito derivada da vassalagem medieval, onde o patriarcalismo ditava todas as regras, ou seja, os homens. 


Isso também envolve a lição de Barry Lyndon enquanto ethos civilizacional, a formação da diferenciação de pobres e ricos, a formação da estrutura de personalidade e da sociedade de corte, e isso também tem a ver com a história dos casamentos e como eles funcionavam como contratos frios e financeiros.


Também é considerado junto com Orgulho e Preconceito, um dos melhores romances já escritos. Com uma diferença, já que Jane Eyre coloca uma intensa névoa de poesia e brincadeiras de linguagem que torna sua leitura quase um curso fechado. A segunda edição teve dedicatória para William Makepeace Thackeray (autor de The Memoirs of Barry Lyndon, que inspirou o filme de Barry Lyndon de Kubrick, 1975)


Outro fator marcante é ser ambientada no reinado de George III (1760–1820), considerado um "rei louco (na verdade, era doente)" no entendimento popular e usar disso como libelo de crítica, mas que na verdade era muito doente, servindo como uma forma de romance utilizando de estruturas pantomímicas, como a cena onde Rochester se veste de cigano para fazer uma predileção para deixar Jane preocupa.


Acompanhamos Jane em sua jornada que se passa no reinado do rei (1760–1820), passou por umas 5 fases, a primeira na sua infância em Gateshead, onde ela sofria abusos constantes e humilhações (que inspiraram infinitas influências que chegam até o livro Harry Potter). Ela gosta apenas de uma professora, a senhorita Temple, que depois se casa e vai morar longe. Ao contrário de Miss Scatcherd, que tratava Jane miseravelmente.


Sua educação no Instituto Lowood onde se formou (inspirada em uma escola real onde a autora estudou), apesar de toda a tortura, e finalmente seu tempo como governanta em Thornfield, até que ela foge depois que não conseguir se casar para a Moor House, onde St John Rivers, o filho adotivo de seu tio que morava em madeira (isso por coincidência) encontra com ela e depois propõe casamento por Jane ser o "perfeito modelo de missionária", "feita para o trabalho e não para o amor", ele pede para eles irem juntos para a Índia, e Jane reflete que não gostaria do clima, mas aceita com a condição de não se casar. 


Mas ele deixa claro que a proposta de viagem lembra a questão do livro posterior Passagem para a Índia, a ideia da condição do casamento para da missionária é ironizado no fim do livro, com anúncio de John caindo doente na Índia.  


Tem até essa cena cruel do livro onde ela sofre com o bullying de seu primo de 14 anos que considera que tinha mais direitos que ela, isso na sala vermelha. Depois disso ao ficar doente, Jane confessa ao senhor Lloyd que ela não é feliz em Gateshead Hall, e ele fala para a senhora da cara para mandar Jane para a escola interna, orfanato. Quando descobrem os abusos da administração do senhor Brocklehurst, alguns benfeitores resolvem abrir um novo prédio mais "simpático" e as condições melhoram por lá um pouco. 


Depois que Jane conhece Rochester, quando ela estava andando por entre um cavalo que tropeçou no gelo e fez com que ele caísse do cavalo, depois ele a acusa de "enfeitiçar seu cavalo" e eles se conhecem, apesar dela não gostar dele no início, eles formam uma amizade baseada em gostos similares. 


Mas o clima estranho da casa antiga permanece, escuta uma risada ao fundo, em um dos dias, o quarto dele pega fogo quando matando Rochester, quem salva ele é Jane, já que ele estava apagado bêbado.  Eles compartilham um momento de intimidade já que ele quer agradecer por ela salvar a vida dele, mas aí ele vai embora em seguida e traz a novidade depois do casamento com Blanche Ingram (que era apenas para fazer ciúmes na governanta). 


Jane recebe a informação de que a tia ia falecer e que queria ver ela antes, confessando a verdade sobre o tio em madeira que Jane nunca conheceu, ela acaba ajudando no funeral e quando volta há a cena clássica que ele faz graça brincando que ela demorou 1 mês fora quando ele falou para ela voltar em 1 semana.


Eles conversam e ele admite que seria difícil ver ela indo embora, acaba confessando seus sentimentos e pedindo ela em casamento e ela não acredita mas acaba aceitando, escreve para seu tio João contando da notícia. Enquanto ela se prepara para o casamento, alguém destrói o vestido de Jane e tenta envenenar ela. Rochester aponta Grace como culpada, ela tem uma sequência de sonhos febril onde ela antecipava seu fatídico destino. Aconteceu que o Mason (homem que foi ferido por Rochester depois da festa na casa dele), e irmão de Bertha era amigo pessoal de John Eyre e quando ele recebeu a carta sobre o casamento, a cerimônia foi interrompida por conta desse contato que Jane fez sem querer. 


Quando ele pede para eles viverem como marido e mulher na França, ela até fica tentada, mas percebe que perderia sua integridade e seu senso de 'self' próprio se não abandonasse Rochester naquele momento. Naquela noite, ela abandonou Thornfield e foi parar na casa Moor onde conhece as irmãs Diana e Mary Rivers, depois de ser ignorada pela empregada da casa quando pedia ajuda para comer.


Depois que as irmãs vão embora ser governantas elas mesmas, John fica mais próximo dela e revela finalmente o parentesco e que sabia de sua situação e do nome falso que deu de Jane Elliot, ela insiste em dividir o dinheiro igualmente e Diana e Mary volta para morar na casa Moor. 


Ela acredita ouvir ao vento Rochester a chamando e diz que precisa saber o que aconteceu com ele antes de se decidir. Quando chega lá tudo está devastado e destruído,  que ao colocar fogo em tudo, Bertha se jogou nas chamas e que Rochester teria perdido a visão ao tentar resgatar ela do fogo e a todos na casa.


Quando Jane volta, ela volta cheia de mistérios, mas ele acaba com medo de soar muito horroroso para ela, ele pergunta "Sou horroroso. Jane?" e ela responde, "Mas você sempre foi".  Ele fala que ficou perdido depois dela ir embora e que achava que ela estaria em uma cova nessa altura. 


Dessa forma, voltando ao estilo "eu sou rica" é a prova de o romance não é sobre o romance em si, mas sobre as condições de respeito e amor possíveis quando existe a acusação de interesse e abuso de alguma das partes, ela (por ser melhor que Rochester) faz uma redenção pelos pecados de seu amado e reposiciona o polo dos romances, não é a garota que queria amar o cara rico mais, ela era a rica, e por isso podia provar o carácter real de seu amor. Diana casa com Captain Fitzjames e Mary casa com o senhor Wharton, um clérigo, elas visitam Jane todo ano.


Eles se mudam para uma cada chamada Ferndean Manor no meio da floresta e Jane traz Adéle da escola interna onde estava para voltar a morar juntos, Jane ajuda ele em tudo, vira uma super esposa e leva ele a médicos e quando eles tem um filho por fim, ele consegue chegar a ver seu filho, quase como se Jane fosse um anjo que melhorasse tudo em sua volta (anjo narrador onipresente). 


O livro tem personagens como as primas da família Reed, Eliza Reed e Georgiana Reed, a primeira se devotou a religião a outra se casou. O senhor Brocklehurst é um retrato do problema da educação como punição, sua filha Augusta reclamava no livro de que as garotas se assustavam com seu vestido de seda por serem muito pobres. 


A senhora Alice Fairfax é quem Jane acha que é a senhora da casa e esposa de Rochester inicialmente, ela descobre que ela é uma parente distante, que nem sem considera realmente parente, é ela quem comenta a obviedade e naturalidade da possibilidade de casamento com a Blanche (uma patricinha cheia de talentos artísticos de ponta, um ímã de salões)


Em Gateshead, ela ficava em contato com duas empregadas, uma delas, era Martha Abbot, que dizia que Jane tinha menos direito de estar ali que os empregados, e a outra que era a Bessie, que tratava Jane muito bem. Edward Fairfax Rochester é descrito como um herói ao estilo de Byron, sua face é "escura, forte e séria". 


A antiga esposa de Rochester ficava trancada com a desculpa de problemas mentais, ela é trancada e cuidada por Grace Poole, e então vemos que o casamento é interrompido pelo senhor Richard Mason, irmão de Bertha.


Concordo com a interpretação de que Bertha e Jane são duplos, uma é a mulher esperançosa de antes do casamento e uma é a mulher de depois. Essa questão da raça é questionável, já que a justificativa de Rochester para os problemas mentais de Bertha é dela ser jamaicana e que ele seria de "uma boa raça" e por isso foi enganado para se casar com ela. Isso é um pouco forçado demais e demonstra essa dualidade da inveja de época entre as órfãs brancas e pobres e a possível rainha "negra" que a Inglaterra possuía na época. 



Algo que coloca o romance como algo a ser problematizado por esses fatores, mas que também ajudam a apontar parte dessa psique de senso comum que Jane Eyre aborda. A figura do narrador participante é muito interessante para notar como que nós não duvidamos nem um pouco da narrativa de Jane, porque ela é quem nos conta os infortúnios de sua jornada, claro. 


Rosamund Oliver que é quem John era apaixonado não servia para sua missão, então ele desistiu da ideia de gostar dela, mesmo com ela estando apaixonada por ele também, ela acaba noive de um rico senhor Granby. 


A novela é um marco da consciência individual, marcando uma virada de gradual anuência com fatores sobrenaturais e mistérios, por isso que também o primeiro filme de zumbi da história é uma adaptação desconstruída de Jane Eyre, o I Walked with a Zombie, de 1943. A perspectiva do romance mostra muitas questões questionáveis do ponto de vista de Jane, que narra em primeira pessoa, porém tem vários pontos positivos, como o indivíduo tomar participação na alteração da sociedade ativamente e a persistência em amadurecimento e busca pelo conhecimento, pela primeira vez, inverter paradigmas de classe e gênero.


R. B. Martin descreve Jane Eyre como a primeira grande novela feminista, junto com Morro dos Ventos Uivantes (da irmã de Charllote Brontë, mas antes já tinha Frankenstein de Mary Wollstonecraft que servia para refletir várias questões do universo feminino. Por exemplo, na cena onde ele fala do casamento com Blanche, ela vira para ele e fala "Você acha que sou uma máquina sem sentimentos?"


O pub que Jane começou a escrever foi em Hulme, Manchester, o pub era uma pequena casa onde ela morava. O livro na época foi chamado de anti cristão e perigoso, e que 'estimulava a rebelião em casa'. Mas teve gente que gostou, George Henry Lewes disse que o livro te arranca lágrimas e parece ganhar vida própria.


Algumas diferenças são notadas em diversas adaptações, são muitas mesmo, séries e diversos livros que foram inspirados nesse romance. No fim, quando Jane volta, o filme captura apenas o reencontro mais silencioso, no livro, há toda uma explicação e conversa e Jane nem conta muito sobre tudo que passou para Rochester que nem enxerga mais. 


Um livro que seria um inverso desse livro seria DH Lawrence O amante da Lady Chatterley, onde a mulher tem o marido inválido e o funcionário como amante, uma inversão mais moderna e cínica da lógica do casamento e das aparências sociais. 


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