Pular para o conteúdo principal

Better Call Saul - "Saul Gone" (6x13): Análise e curiosidades da season finale e conclusão geral do universo Breaking Bad


Começamos o episódio em flashback. Vemos Mike e Saul no deserto na quinta temporada. Foi o arco do "Abogado, amigo del cartel", lembram? Então, aquilo termina com Saul preso no carro, sendo alvejado, quando de repente com um rifle sniper, Mike o salva ele. Mas eles acabam presos no deserto. Eles sentam junto com as malas de milhões de dólares em um poço de água que eles acabaram de achar e conversam sobre o que fariam se pudessem ficar com o dinheiro e mudar de identidade. Mike diz que o dinheiro não os pertence e por isso não faria tal coisa, afinal ele acredita que só uma viagem no tempo, concertaria sua vida. Eles ficam pensando o que cada um mudaria de suas vidas e em qual momento. Isso até voltarmos ao presente e a fuga alucinante de Saul ao ter a sua identidade de Gene desmascarada


Veja aqui a análise do episódio anterior, Waterworks (6x12)


Essa cena representa muito sobre filosofia de vida, existencialismo e personalidade de cada um. Para Saul, mudar de identidade era o sonho, pois assim ele poderia esquecer e mudar seus traumas do passado, principalmente envolvendo carreira, o irmão e sua família. Para Mike, seria um pesadelo, pois afinal tudo o que o sobrou foi sua identidade. Assim, os roteiristas entregam muito do que pensam sobre o mundo e sobre os fãs da série. 



De um lado, Mike primeiro diz que voltaria a 2001, mas depois recua e diz que voltaria para 1984, data que recebeu seu primeiro suborno. Curiosamente, ambas as datas marcadas pela eleição de republicanos. Em 84, foi Reagan e 2001 Bush. Um analogia a personalidade política de Mike? Talvez.



Continuando, voltamos ao momento atual, quando Gene acaba de ser descoberto por Marion e foge desesperadamente de sua casa, após uma cena (ridícula por sinal) dele ameaçando ela com o fio. Cara, essa cena não tem nada de correto com o que vimos em Better Call Saul. Uma das piores coisas que já vi em séries, sinceramente. Parecendo alguém que nunca viu a série que escreveu. 


Ele foge, vai até em casa e pega o seu "kit" de mudança de identidade, com o cartão da loja de aspirador, o celular descartável e tudo mais. Ele foge até o último momento da policia. Entretanto, um fato aqui que o espectador não sabe, é que os policiais do universo Breaking Bad são simplesmente fodões (grande ironia). Sério, nunca vi uns caras que fazem seu trabalho tão bem quando policiais de Better Call Saul e Breaking Bad. Descobrem tudo, já reparou? E se o cara estiver em um beco aleatório, eles vão surgir na frente dele pois eles são tipo cachorro, farejam, sabe? 


Ele tenta como última cartada pular dentro de uma lata de lixo e se esconder. Só que ao invés do animal ficar quieto lá dentro, ficou se mexendo igual um louco, fazendo maior barulhada, sendo obviamente descoberto pelos "incríveis policiais de Breaking Bad"...


Pulamos então para uma cena onde vemos os próprios policiais assistindo um dos comerciais antigos de Saul. Parece para mim uma metáfora: até policiais estão vendo a série agora. Ou seja, é por isso que desde Nippy está meio chatinha, afinal estão tentando conviver com a audiência policial em uma série sobre crime. Claro, ia dar muito certo. 


Vamos então para os fatos. Saul decide ligar para última pessoa que ele gostaria de ligar do mundo: o promotor que era seu rival, e agora tomou seu lugar sendo o principal advogado de Albuquerque do momento, tendo inclusive sua cara estampada nos bancos da cidade. Ele convence o cara afirmando que vai ser o caso da carreira dele, vai poder botar no currículo, não é mesmo? Aí ele vai defender Saul. 



No corredor de onde Saul, já preso, está sendo encaminhado para a negociação com as autoridades, vemos Marie, esposa de Hank em Breaking Bad. Aí queremos pensar: "Uau, legal! Uma participação especial de alguém original de Breaking Bad", certo? Errado. De uma maneira meio torpe, Marie que era super anti punitiva em Breaking Bad, agora é uma mulher emocional, conservadora e de direita, que quer punir Saul pela morte de Hank (?). Opa, pera! Marie nunca conheceu Saul antes! Da onde veio esse ódio, como se tivesse uma familiaridade entre Hank e Saul que foi quebrada, quando os dois nem se relacionavam. Plot totalmente furado, parecendo mais uma vez que quem escreveu o episódio não via a série desde o início. Uma pena, mesmo. 



Bem legal a aparição surpresa de Bryan Cranston com Saul. A cena foi meio filosófica, parecendo os duplos dos personagens de Crime e Castigo. Mas não fez muito sentido essa linha temporal. Quando aquilo aconteceu? Não faço ideia, mas foi uma boa metáfora que foi a interação com Walter que tirou a cor da sua vida, explicando o preto e branco do episódio.



Aí, como gênio que é, Saul lembrou que tudo aquilo era culpa de Walter, afinal era uma série sobre química e meta, lembram? Lembram que foi Walter que fez pacto com os nazistas? Então, ele tem razão. Nesse momento, não senti o Saul falando, senti o próprio Bob Odenkirk lembrando da ideia original do universo, que ninguém mais parece lembrar. Isso me deixa assustado pois Walter está passando para a história com velhinho coitadinho e doente, quando ele foi responsável diretamente pela morte de Emilio, Krazy 8, Jane, um avião inteiro, pelo menos umas 3 crianças, Gus, Mike, Josh, fora as famílias que ele destruiu, incluindo a sua. 



Agora, meu caro leitor, eu quero que com calma e racionalidade vocês pensem: Qual foi o crime de Saul para além do exercício do direito? Ou pelo menos tudo que ele fez não pode ser confundido com o exercício do direito, que ele realizou por ganância (que não é crime) para pessoas em geral, inclusive criminosos confessos. Mas o que muitas pessoas não sabem é que a defesa é parte essência da realização da justiça bem feita. Sem advogados, não há possibilidade julgamento bem feito e justo, e todo mundo precisa ter um advogado em um momento de necessidade. Mas quem irá defender aqueles que são aparentemente culpados deste o início? Entende? Viola a própria profissão o final aberto de punição, por mais que ele tenha conseguido tirar a maior parte da culpabilidade das suas costas. 


Quando tentam colocar a tipificação penal de 'accessory after the fact' (um tipo de acusação aberta) sempre soa estranho aos meus ouvidos. Exemplo máximo disso, um repórter diz que o capitalismo é um roubo e que deveríamos todos roubar bancos, e de que, de alguma forma,  se houver um real roubo a banco, podem acreditar que ele teve algo a ver com um caso REAL de roubo, ele pode ser preso por roubo junto, mesmo se ele NEM ESTIVER NO LOCAL DO ROUBO. Essa é a loucura do direito nos Estados Unidos. 


Temos aqui um ramo do direito que quer acusar por associação alguém por apenas estar ali no mesmo universo. No episódio de CSI que Tarantino dirige, a moça filha do cara que enterrou Nick vivo foi acusada exatamente por isso, apenas por estar no local junto ao seu namorado na época. Essa tipificação serve normalmente para punir a família de condenados, e continuar punindo quem o sistema considera pária. 


Sempre vai haver um Saul. Se não o próprio, irá haver outro. E adivinha só: muito mais ganancioso que o próprio Saul. Vimos isso em como tanto a defesa como a acusação pareciam iguais, se completar para condenar Saul e o obrigar a aceitar um acordo. Quando ele conta toda a verdade para a juíza, anula tudo e eles não sabem o que fazer além do óbvio e ficar falando infinitamente, afinal ali ninguém tem ideologia. Cena ótima.


 Agora, vamos comentar de Kim. Eu particularmente não gostei de toda a virada final da personagem. Pareceu que rolou uma recuada, e uma personagem que era ultra atraente e independente, se torna um pessoa acuada e com medo. É uma boa forma de interpretar a virada que está rolando no perfil das mulheres e dos homens nos Estados Unidos, mas talvez tenha saído demais do personagem. 


Por isso, sinto que nesse episódio várias coisas colocadas no outro episódio foram descartadas. Primeiro, ela estava com amigos, um novo namorado, uma nova vida, mas chorava no final, ou seja, por quê? Mas nesse episódio foi tudo descartado! Puf! Simplesmente a Kim volta a se interessar por direito, trabalhando em casos pró-bono, ou seja, de graça para o cliente dependendo do caso. 


Ela estava vivendo sua vida profissional, parecendo ter um pulo de tempo que a série não soube construir bem (com muitas abas abertas), pois afinal não quis usar nada do episódio anterior, e pareceu breve demais. Mas dá para entender que pouco depois dela começar ali, ela recebe a ligação de uma informante, contando que Saul foi preso e ele aparentemente quer entregar a relação dela com a morte de Howard. 


Esse foi um dos momentos mais legais do episódio, pois foi só balela. Ele queria ver Kim, mostrar que ainda gostava dela, e fazer ela, através da preocupação, ir até lá para ele a ver mais uma vez. Um dos momentos mais bonitos do episódio, mostrando que ele conhece mesmo como ela pensa. 


No julgamento, Saul simplesmente tem que lembrar que seu nome não é Saul, é James McGill. Uma metáfora, pois muitos roteiristas e espectadores parecem nem lembrar mais disso.


Depois, temos a cena épica no ônibus para a penitenciária. Eu particularmente criticaria todo o plot punitivo em torno dele, pois eu acho que a série foi mais boazinha com Walter White do que com Saul. Mas tá lá, foi preso e pelo menos não morreu. Todos saudaram o "Better Call Saul", mostrando que para os presos, Jimmy é como um político, ao estilo Lula, que representa eles sendo até o fim alguém com uma certa ética que nunca vai ser admirada por ninguém. Isso é percebido se você notar os detalhes, como o fato de que ele estava certo, em um primeiro momento, Saul/Jimmy recusou o suborno de Walter, tentou sair dali e acabou sequestrado, fortalecendo o argumento de que o maior criminoso mora na porta ao lado enquanto você pede mais punição (no caso de Marie, por exemplo). 



Só que temos que lembrar que como Jimmy fez vários casos populares como Saul, todos no ônibus sabiam quem ele era. É como prender uma celebridade. E ver todos ali, pessoas excluídas pelo sistema, gritando "Better Call Saul", foi emocionante, um dos melhores momentos, quando vemos que tem "honra entre os ladrões". Uma ótima metáfora da série em si e de quem ela tem quem ela deveria falar, na realidade. Comprovando para mim que sua prisão foi totalmente injusta, uma solução mais barata para a série. Não curti. Ele tinha que conseguir se livrar totalmente, mas para quem queria uma perpétua e meia para ele (piada, ou seja, querem a sua vida e mais um pouco). 


Entretanto, pro que deu pra fazer, a cena final de Kim visitando ele na prisão e dando um cigarro, assim como eles faziam na primeira temporada, foi épica. A cena mais legal do episódio. Foi como se ela, sem dizer nenhuma palavra, falasse: "Estou com você!". Um momento realmente muito legal. Pena, que em um contexto, para mim torpe e um encerramento que não entrega nada. 

É sério que a série "Better Call Saul" vai terminar com o protagonista preso? E depois? Mais nada? Ele vai morrer na prisão? Se sair, vai ficar com Kim? Ela vai querer? E o que vão fazer? Nada disso foi respondido e ainda assim é o final. Acabou, não terá mais nada. Muito triste. 


Então minha opinião final é que foi mediano. Eu tinha muitas expectativa em torno do final. Fiquei ansioso, pois senti que até a 6° temporada a série era perfeita (tinha uma rotina, um debate jurídico contínuo, ria dos arquétipos certos), não tinha errado nenhuma vez e falava bastante para o meu tipo de público. Agora, não falou nada, terminando para mim como um grande vazio. Como se tivesse rolado uma censura geral da série, ninguém viu ou falou para você. 


Talvez por causa da pandemia a série tenha sido descontinuada e foi um esforço de terminar ela na marra, mas não me agradou. Tirando algumas cenas, não se compara em nada as temporadas originais, sendo um pouco triste demais o final. Só um filme para corrigir todas as pontas soltas e esse vazio final que ficou, para mostrar ele finalmente saindo da cadeia (mas é esperar demais, já que parece que todo mundo se deu uma estranhada ).







História por trás do episódio


"Saul Gone" é o final da série e foi escrito e dirigido pelo co-criador da série e principal showrunner Peter Gould. Gould escreveu o episódio de Breaking Bad "Better Call Saul", que introduziu o personagem Saul Goodman, e co-criou o spin-off com Vince Gilligan. 


Gould e Gilligan inicialmente serviram como co-showrunners antes de Gilligan deixar a sala de roteiristas para se concentrar em outros projetos, resultando em Gould se tornando o único showrunner.




Bob Odenkirk, Jonathan Banks e Rhea Seehorn são os únicos membros do elenco principal listados nos créditos. 


O episódio, temporada e série, termina com Gene Takavic sendo pego pelas autoridades e, sob seu nome legal de Saul Goodman, sendo condenado à prisão pelos crimes que cometeu em Breaking Bad, depois dele perceber que é mais fácil encarar seus algozes de uma vez. 


Gould e a equipe de roteiristas acreditavam que com o final da quinta temporada, o final certo para a série seria esse. 


Segundo eles, eles perceberam que Saul tinha passado sua carreira zombando do sistema de justiça, então era apropriado que ele terminasse a série como parte dele, só que desta vez como prisioneiro. Uma decisão bem idiota por sinal. Já que se o povo (a massa carcerária) acredita que ele é o cara, qual o motivo da opinião padrão da série ser ao estilo Marie (aqui se faz e aqui se paga). 


A produção inicialmente teve dificuldade em encontrar um local para a cena do tribunal, mas eventualmente foi concedida permissão pela Suprema Corte do Novo México para filmar no último andar de seu prédio. 


Ao comparar o final de Breaking Bad com o final de Better Call Saul, Gould disse que sentia que Walter White era um personagem que trazia a morte para as pessoas, então sua série terminou em uma chama de glória. Em contraste, Gould acreditava que Saul Goodman era um homem de palavras, então seu final seria mais focado no diálogo. No entanto, Gould considerou o final de Better Call Saul um otimista, não apenas para Saul Goodman, mas também para Kim Wexler. 


Com os dois personagens finalmente confessando seus delitos, Gould sentiu que ambos escolheram acabar com seus ciclos de tendências autodestrutivas e se absteriam de cometer os mesmos erros novamente. 


Ele ainda reconheceu as circunstâncias desafiadoras que aguardavam os dois personagens, com Saul passando sua vida na prisão e um processo civil pairando sobre Kim, mas Gould acreditava que, ao limpar seus conscientes, ambos recuperaram uma parte de sua humanidade e poderiam começar a viver vidas mais honestas. 


Saul e Kim compartilhando um cigarro enquanto se apoiavam contra a parede de uma sala de prisão foi a última cena filmada para a série. Gould considerou o momento, que em si foi uma homenagem ao primeiro episódio, como os dois personagens se relacionando um com o outro sem falar. 


A sala de roteiristas havia discutido a ideia de que esta seria a última cena da série, mas Gould não queria terminar o show com os dois juntos. 


Em vez disso, ele escolheu terminar a série com os dois se separando no pátio da prisão para lidar com a verdade de que Saul ficará na prisão por um tempo. Odenkirk e Seehorn disseram que outra tomada da cena existe onde Kim retorna o gesto de Saul fazendo armas com dedo para ela, um meme que se tornou marca da personagem na série. 


No entanto, Gould sentiu que isso poderia ser interpretado como Kim voltando aos seus velhos costumes, então ele escolheu ir com a tomada que permaneceu no corte final. Seehorn sentiu que a cena geral significava o vínculo que existia entre os dois personagens e a parte que ainda é verdadeira.


Gould considerou o final uma mistura do mundo dos personagens de Better Call Saul e Breaking Bad, já que o episódio viu vários atores retornando de ambas as séries. 


Isso incluiu Banks como Mike Ehrmantraut e estrelas convidadas Bryan Cranston como Walter White, Michael McKean como Chuck McGill, e Betsy Brandt como Marie Schrader. 


O personagem de Brandt apareceu na linha do tempo atual, enquanto os personagens de Banks, Cranston e McKean apareceram em flashbacks. 


Gould comparou as reaparições de Mike, Walter e Chuck aos três fantasmas de Uma Canção de Natal, cada um repetindo o mesmo ciclo em sua vida. Com a referência, inclusive de que foi Chuck que influenciou sua ideia para de mudar de identidade, mas ele mesmo estava inspirado em H.G. Wells, ou seja, ficção.


A aparição de Cranston foi filmada meses antes para acomodar sua agenda. McKean foi capaz de filmar sua cena antes de viajar para o Reino Unido para outro projeto, enquanto Brandt passou um período relativamente maior em Albuquerque devido a ela ter mais tempo de tela do que as outras estrelas convidadas. 


Gould queria trazer de volta não apenas outros ex-atores de Better Call Saul, incluindo Patrick Fabian, Giancarlo Esposito e Michael Mando, mas também aqueles que apareceram em Breaking Bad também, como Anna Gunn, RJ Mitte e Dean Norris. No entanto, devido ao tempo limitado de tela do episódio, ele não foi capaz de tê-los de volta para o final. 


Na semana que antecedeu o final, Gilligan afirmou que o episódio provavelmente seria a última entrada na franquia Breaking Bad, já que ele e Gould estavam prontos para seguir em frente para novas histórias. Gould mais tarde reconheceu que na estreia do final de Breaking Bad, ele e Gilligan já estavam trabalhando no spin-off, mas quando o final de Better Call Saul foi ao ar, os dois estavam trabalhando separadamente em novos projetos. 


Em outras palavras, deu ruim no final. Ficou parecendo que os caras se desentenderam muito em torno do final da série. E vai ficar com esse final vazio e triste para Saul e para o universo Breaking Bad até segunda ordem. Fim.




Comentários

Em Alta no Momento:

Os Desajustados (The Misfits, 1961): Um faroeste com Marilyn Monroe e Clark Gable sobre imperfeição da obra do artista e o fim fantasmagórico da Era de Ouro do Cinema Americano

Rastros de Ódio (The Searchers, 1956): Clássico de John Ford é o maior faroeste de todos os tempos e eu posso provar

"1883" (2021): Análise e curiosidades da série histórica de western da Paramount

Um Morto Muito Louco (1989): O problema de querer sempre "se dar bem" em uma crítica feroz à meritocracia e ao individualismo no mundo do trabalho



Curta nossa página: