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Better Call Saul "Waterworks" (6x12): Como a virada conservadora de Kim explica o retrocesso dos direitos das mulheres nos Estados Unidos atual

 


"Waterworks" é o penultimo episódio da sexta e final temporada da série Better Call Saul, o spin-off da série Breaking Bad. Esse episódio foi escrito e dirigido pelo criador de ambas, Vince Gillingan, e foi ao ar dia 08 de agosto de 2022. O episódio mostra a nova vida de Kim na Flórida, enquanto vimos a continuação da vida de Gene Takavic em Omaha, Nebraska, quando seu amigo de golpes é preso pela polícia, ele tenta ajudar sem se meter muito.  O episódio foi aclamado por sua criatividade, como também pela atuação de Rhea Seehorn vivendo a nova vida de Kim, que não mudou sua identidade no nome, mas mudou completamente em termos de personalidade. 



Em um flashback de volta a 2004, vemos a finalização do divórcio com Jimmy McGill, que agora é completamente Saul Goodman. Do lado de fora do escritório de Saul, ela está fumando um cigarro quando encontra Jesse Pinkman, que pede um cigarro para ela. Ele reconhece ela por já estar defendido Combo e outros amigos dele, inclusive, um que roubou um "menino jesus". Ele pergunta se Saul era legítimo e bom advogado, ela responde que "ele era quando eu o conheci" antes de ir embora. 



Em 2010, Kim está vivendo em Titusville, Florida, com cabelos escuros, e agora trabalha em um emprego burocrático na empresa de Sprinklers (irrigadores automáticos de jardins). 




Ela agora vive uma vida suburbana com seu novo namorado Glenn e tem amigos e faz churrasco de quintal. Vemos a conversa que tinha sido cortada pelo barulho do caminhão, e vemos o motivo da chateação de Gene/Saul/Jimmy, ao tentar falar com ela, ela conversa com ele, mas diz ele "deveria se entregar" para as autoridades, Jimmy chama ela de hipócrita por também fingir ser outra pessoa, só que de outra maneira. 



Uma Kim muito culpada viaja de volta para Albuquerque visita  Cheryl Hamlin, a esposa do falecido Howard, e escreve uma "confissão" sobre todos os eventos, desde da tentativa de tentar enquadrar ele como um viciado em cocaína, e a morte dele no apartamento deles e como foi encoberta com o aparente suicídio/sumiço dele. Kim diz que vai mandar a petição para o procurador do distrito, e que ela não vai encarar problemas na justiça pela falta de evidências físicas que ligam ela a esses eventos. Enquanto ela pega o ônibus de volta ao aeroporto, ela chora por tudo que aconteceu. 



Em Omaha, Gene entra na casa do senhor Mr. Lingk, seu alvo na tentativa de fazer um novo golpe de identidade, vê seus registros financeiros e senhas enquanto o cara estava inconsciente. Gene vasculha a casa, Lingk acorda e de repente assusta Gene que entra em pânico, mas ele desmaia de novo. Do lado de lado, Jeff entra em pânico quando a polícia acaba o prendendo por roubo. Jeff liga para Gene e pede para ele ir lá buscar ele, mas ele diz que não pode ir pessoalmente (afinal, sua identidade é falsa e ele é procurado por associação criminosa). 



Marion descobre a verdadeira identidade de Gene. Quando ele chega, ela mostra os comerciais de sua antiga empresa. Ela usa o botão de alerta de perigo que tem e chama a polícia para Gene, forçando ele a fugir de novo, sendo o gancho para a series finale da próxima semana.



História por trás do episódio




Waterworks foi escrito e dirigido por Vince Gilligan, sendo o único episódio da temporada que ele escreve completamente sozinho. Ele deixou a equipe na terceira temporada e deixou a cargo do outro criador de Better Call Saul Peter Gould. 




Bob Odenkirk e Rhea Seehorn aparecem nos créditos como estrelando a série, apenas os dois atores (que são incríveis, por sinal, atuações muito marcante e detalhadas). Rhea Seehorn estava fora da série desde Fun and Games, quando ela sai decidida a se separar de Saul. O curioso da produção é que as cenas que seria supostamente em Titusville, Florida, foram gravadas mesmo em Albuquerque, New Mexico, com alteração digital na imagem para soar mais tropical. 


A cena de Kim no aeroporto foi realmente filmada em um ônibus alugado do aeroporto de Albuquerque. Sendo usada na cena 4 câmeras para conseguir pegar todos os movimentos de Rhea. Já as cenas de Kim e Saul dirigindo com paisagens ao fundo foram feitas com o efeito tradicional de estúdio que todos conhecem. 

Aeron Paul aparece de novo em uma pequena cena conversando com Kim. Essa cena dele foi filmada meses antes guardada especialmente para esse episódio, todos ficaram animados em colidir os dois universos, já que Kim nunca conheceu o senhor White. A esposa de Gilligan participa do episódio como motorista de ônibus. 


Crítica do episódio


Esse episódio foi complicado de ver e de analisar. Como mulher, são escassos os bons modelos, tanto na produção cultural brasileira, como na americana, de bons modelos de mulheres. Normalmente, é uma confusão sem fim. As novas gerações já acham que feminismo é uma palavra engraçadinha, algo que ficou no passado. Isso é realmente uma questão importante, são poucos os bons modelos femininos em séries e filmes. Normalmente, vemos mulheres promíscuas, ou mulheres de direita, como Skyler e Marie, que são perfeitos modelos na visão média da maioria das pessoas. Pessoalmente, achei a Kim morena um charme, muito mais bonita que ela loira, mas uma pena isso ser apenas símbolo de que ela perdeu algo de sua personalidade original. 


Na cena que Kim está fazendo um quebra cabeça e o namorado dela está vendo televisão, a mudança é nítida. Com Saul ela assistia junto no sofá os clássicos do cinema, com o novo namorado, ela não compartilha nada, é um vazio. Uma grande metáfora de que as séries americanas hoje em dia tem pouco orçamento e audiência. você coloca 1 milhão de pessoas para assistir. Apenas lembrando que séries como CSI tinham audiência de 16 milhões de pessoa em média por episódio, muito menor do que audiência que as séries de atuais tem. 



Kim sempre foi diferente, sempre foi companheira de Jimmy, mas de do Saul (a justificativa aqui é que o ego e o envolvimento com pessoas como Walter White acabaram com o carácter de Jimmy). Recentemente, a suprema corte dos Estados Unidos, na decisão chamada Roe vs Wade, no dia 24 de junho desse ano, um golpe fatal nos direitos civis e reprodutivos das mulheres. O conservadorismo e aceitação da ordem vigente, da polícia e das instituições fizeram Kim mudar completamente como era sua personalidade antes. 

A Suprema Corte dos EUA suspendeu a decisão conhecida como "Roe vs Wade", de 1973, nesta sexta-feira (24) de junho, sustentando que não há mais um direito constitucional federal ao aborto, que garantia prerrogativas federais contra leis de Estados mais conservadores. A decisão era firme e sustentava um modelo de feminino onde as mulheres poderiam viver vidas ao estilo "Sex and the City", nada mais impossível para os tempos pós pandemia. Como isso explica a virada conservadora de Kim? Vamos separar narrativas e fatos aqui. Saul foi um small crook (peixe pequeno), pequenos golpes, ele tirava vantagem de executivos, pequenos golpes que nunca enrolaram ele ao ponto dele se ferrar. 


O grande problema da vida de Saul aconteceu quando ele começou a representar o cartel. Meu problema com a visão do episódio é de que estamos condenando Saul, sem que tenha UMA EVIDÊNCIA FÍSICA CONTRA ELE. Saul não matou Howard, nem ocultou, isso foi tudo com Mike, ele pode ser acusado de mentir, e mesmo assim, o carácter probatório de tudo que ele fez só poderia ser contado por alguém que viveu tudo isso junto com ele, no caso, sua ex esposa, Kim. Fico muito chateada, já que Kim era vista como alguém mais malandra e forte, como disse o Mike, que o próprio Saul. A série está correndo o risco de cair no clichê do mais barato punitivismo americano (que é feroz).  



Ontem, eu estava vendo o primeiro episódio da sexta temporada da série Homeland (que eu já tinha desistido), me surpreendi como a série realinhou seu posicionamento ideológico e transformou a protagonista (Carrie), em uma pessoa que agora defende o "terrorismo", quando ela era da CIA antes e ela mesmo era a "polícia". 



A série soube se criticar e dizer, por exemplo, que a chance de condenação por qualquer crime nas cortes americanas aumenta em 90% se o acusado for mulçumano, ou mesmo negro. Por isso que me surpreendi com a virada da série, que soube se criticar e dizer que tudo aquilo que vimos como "verdade" pode ser apenas ponto de vista. A mesma coisa vale para Breaking Bad, que soube rir do pseudo racionalismo de Walter (a coisa dos "bons em ciências exatas"). Diferente de Walter, Saul/Jimmy representava alguém das ciências humanas (o direito). Em Breaking Bad, ele soa como completamente ameaçador, um problema mesmo na visão de Walter e Jesse, que acham que Saul está querendo extorquir deles e por isso o sequestram.  



Entendo que a morte de Howard tenha alterado algo muito profundo em Kim, mas a transformação completa da ideologia do personagem é interessante. Lembram quando Saul estava no deserto, levando o dinheiro de Lalo para a entrega, e ele fica perdido. Kim vai até a Lalo para saber onde está ele. Ela não fala com a polícia, como sugerem para Jimmy/Saul que ela faria. Esse detalhe de personalidade muda, e agora ela fala que ele "deveria se entregar". Gostaria de fazer uma reflexão mais profunda sobre as regras do direito clássicas, por exemplo, você não precisa produzir provas contra si mesmo, isso é um direito constitucional. 


Outra questão, é que Saul era ADVOGADO do cartel, não do cartel em si, claro que ele se perdeu na época de Walter White e passou a ter uma participação maior. Mas dizer que ele foi perseguido pela "coisa azul" e por tráfico junto com os crimes "Heisenberger" é demais. Ele poderia ser considerado nos termos jurídicos como "pessoa de interesse", ser investigado junto, sofrer algum tipo de interrogatório, mas não. 


A série lida como se ele fosse o próprio Walter White, ou Gustavo Fring. É uma visão que parece ser contra os advogados em geral. Quem nunca ouviu aquela expressão: "advogado de porta de cadeia"?  A série caminha por águas perigosas ao dizer que Saul é um grande criminoso, já que não tem nenhuma evidência de um caso formal contra ele, é tudo no chamado "Hearsay" (ouvir dizer, fofoca). Como a senhora fala para Gene ao achar o clip da empresa dele antiga, "digitei enganador e Albuquerque". Aí vemos Gene ameaçando uma velhinha (Carol Bernett), algo que ele nunca faria. 


O episódio traz todo um clima pesado, exceto pelo seu final, que mostra Gene correndo ao ter sua identidade revelada. Muitos fãs estão apostando na morte dele e até tem razão de pensar assim. Mas vamos lá, temos sempre que matar o personagem para fazer "um grande final". Qual o motivo de ter que ter um final trágico para mostrar uma certa qualidade da série? Em Breaking Bad faz sentido, afinal, Walter chegou até a fazer pacto com nazistas por raiva do cartel latino. Em Better Call Saul, todos estão apostando na morte do protagonista da série, mas aí o tom das duas séries vai ser o mesmo. Quase como se fosse uma cartilha boba de departamento de saúde: "aqui se faz, aqui se paga". Mas presta atenção, 


Claro, nos Estados Unidos, fraude fiscal pode levar alguém para a cadeia por anos e anos, ao exemplo dos "Kettleman" que roubaram dinheiro e não queriam devolver mesmo, provocando uma série de problemas para Kim, que era advogada da época que tinha feito um acordo de devolução onde eles não não se ferravam tanto. Saul nunca roubou dinheiro público, apenas tinha negócios de lavagem do dinheiro que ganhou, como o salão de beleza que virou seu escritório, ou o "lasertag" (alguém aí lembra do Barney de How I Met Your Mother?), esses esquemas foram revelados com a queda do senhor White, Skyler (a puta mor) fez um pacto com o F.B.I, Kim nao fez um pacto, mas acabou mudando até mais que Gene/Saul/Jimmy. 

Tenho que criticar a cena de sexo horrível, feita para dizer que ela está ali quase como obrigada. Não faz sentido para a personalidade de Kim, ser uma "mulher de cara", ou pior ainda, isso quer dizer algo de muito podre sobre toda a mudança dos tempos na América, se antes a mulher falava de igual para igual com os homens, depois de quase 50 anos, ela não pode fazer aborto, por exemplo. Em um país onde tudo é pago, significa obrigar as mulheres além de ter filhos, a arcar financeiramente com os custos de se ter um filho, ou seja, é uma coleira. Da mesma forma que Kim também está em uma coleira. 



Ou seja, o único jeito de manter sua identidade e uma "vida normal" era se separando de Saul. Outra coisa, se ela estivesse com alguém que amasse de verdade, não teria nada de cinza na sua vida, ou seja, isso foi uma visão que mira em criticar a vida suburbana americana, mas acaba sendo uma visão contra pessoas comuns e trabalhadoras. 


Dá muita pena de Kim, principalmente vendo ela no ônibus chorando, se ela foi certa em fazer que fez, qual o motivo da tristeza? A tristeza de Kim é um pouco a tristeza de todos os fãs, a série Better Call Saul fez tanto sucesso e durou mais que a original por ser uma série que estimulava o sentimento de potência. Não precisamos exatamente de um final feliz para a próxima semana, precisamos pelo menos de um final que nos dê potência. Sinceramente, tenho essa dica aos produtores de série e roteiristas americanos. Se for para te deixar triste e sem potência, eu ligo a televisão da minha casa e assisto Datena.

 O próximo episódio parece que vai ter a duração de um filme, com mais de uma hora e meia, o nome vai ser "Saul's gone", com o tom pessimista da pré season finale, todos estão apostando em um final igual Walter White, e com razão, já que podemos ver claramente um certo tom punitivo exagerado e não real da série.  Achei interessante o Gene tentar ajudar o cara por telefone, dizendo que se a polícia nada tem sobre ele de evidência, não poderiam prendê-lo por suspeita. Essa é a regra, a prisão em flagrante de um crime tem que ser feita em flagrante, lei do direito que muitos não respeitam por aí. O indivíduo preso só pode ser detido por apenas 24 horas, senão é cárcere e calabouço, herdeiros do antigo regime. 



Se for outra situação, é necessário provas cabais de envolvimento do indivíduo, saber que ele é perigoso para a investigação, e aí sim pedir a chamada prisão preventiva. Acontece que muita vezes é o personalismo e as cruzadas individuais que definem o trabalho da polícia em muitos casos, como mostra em Breaking Bad quando o Hank espanca o Jesse por motivos pessoais. Por isso que os direitos constitucionais acabam sendo as melhores lições das primeiras temporadas de Better Call Saul. 



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