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Arquivo X - "Shapes" (1x19): Uma investigação na reserva e na cultura indígena e a origem da lenda do lobisomem




Os agentes viajam para Browning, Montana, para investigar a morte de um homem nativo-americano, Joseph Goodensnake, pelo fazendeiro local Jim Parker. O assassinato parece ser motivado por uma disputa de terras, embora Parker afirme que ele atirou em um animal monstruoso em vez de um humano, acertando o rapaz indígena supostamente por engano. O filho de Parker, Lyle, tem cicatrizes que dão credibilidade à história, mas os agentes estão desconfiados, Mulder de algo sobrenatural e Scully de que se trate de um homicídio, tendo que fazer uma investigação e uma incursão nas terras e na cultura indígena


Disponível na Star+ e na Rede Brasil as sextas-feiras, 21h



Na cena do tiroteio, Scully argumenta que a curto alcance de onde Goodensnake foi baleado, teria sido impossível confundi-lo com um animal. No entanto, Mulder encontra trilhas que levam à área que parecem mudar de humano para algo mais animal na natureza. Scully descarta isso, mas encontra uma grande parte da pele humana do galpão nas proximidades. Ela acredita que os Parkers conscientemente mataram Goodensnake, mas sabe que eles não poderiam tê-lo esfolado, já que nenhum sinal de tal ferimento foi encontrado no corpo.


A investigação é complicada pela hostilidade que Mulder e Scully enfrentam da população nativa americana, decorrente de sua experiência com o FBI durante o incidente do Joelho Ferido em 1973. A irmã de Goodensnake, Gwen, também amarga recentimentos, já que seus vizinhos têm muito medo de lendas nativas. 


O xerife local, Charles Tskany, permite que Scully faça um exame superficial do corpo de Goodensnake, mas proíbe uma autópsia completa. Eles descobrem que ele tinha caninos alongados, semelhantes aos de um animal, e carrega cicatrizes curadas há muito semelhantes às de Lyle.



Mulder conta a Scully sobre um incidente semelhante na área 40 anos antes, que foi investigado por J. Edgar Hoover e se tornou o primeiro caso do FBI. Enquanto os agentes assistem o corpo de Goodensnake sendo cremado em uma cerimônia tradicional. Mulder compartilha com Scully sua crença de que os culpados no caso atual e na investigação de Hoover são lobisomens. Scully descarta essa teoria e, em vez disso, credita a crença à lincantropia clínica. 


Jim Parker é posteriormente despedaçado por um animal invisível fora de sua casa, e Lyle é encontrado nu e inconsciente a algumas centenas de metros de distância.



Crítica do episódio


Esse é um daqueles episódios de Arquivo X que dão pena que sejam apenas um episódio monstro da semana e que não tenha ligação com o arco mitológico da série, pois para mim esse episódio entregou toda a estrutura que a série poderia ter desde o piloto. 


Particularmente, como tenho antepassados indígenas, sempre gosto de tramas que abordam a temática. Obviamente o episódio faz uma revisão de Twin Peaks, com a presença inclusive do ilustre ator Michael Horse, que interpretou o Xerife Tskany no episódio,  e que já havia aparecido com o protagonista da série David Duchovny em Twin Peaks.  


Acontece um assassinato estranho, o FBI é chamado e se confrontam com a cultura e costumes locais. Até o fato de não querem fazer a autópsia no corpo para preservar seu estado pois é uma "crença local" é igual a Twin Peaks, onde Cooper enfrenta o mesmo problema. Porém, em Twin Peaks só havia nenhuma referência indígena mas não muitos índios. 



Outro elemento interessante do episódio é tentar mostrar de certa forma os ritos indígenas, fazendo todo um trabalho cultural de introdução. É chato pois para mim esse poderia ser mais o clima da série, mas que bom que o tema pelo menos foi abordado. 



Entretanto, o foco principal está na metáfora da lenda do lobisomem. Tais lendas são muito antigas e encontram a sua raiz na mitologia grega. Segundo As Metamorfoses de Ovídio, Licaão, o rei da Arcádia, serviu a carne de Árcade a Zeus e este, como castigo, transformou-o em lobo. Uma das personagens mais famosas foi o pugilista arcádio Damarco Parrásio, herói olímpico que assumiu a forma de lobo nove anos após um sacrifício a Zeus Liceu, lenda levantada pelo geógrafo Pausânias.



No Brasil existem muitas versões dessa lenda, variando de acordo com a região. Uma versão diz que a sétima criança em uma sequência de filhos do mesmo sexo tornar-se-á um lobisomem. Outra versão diz o mesmo de um menino nascido após uma sucessão de sete mulheres. Outra, ainda, diz que o oitavo filho se tornará a fera. Outra já diz que é após a morte de um familiar que possuía a aberração e passou de pai para filho, avô para neto e assim por diante.


Em algumas regiões, o Lobisomem se transforma à meia noite de sexta-feira, em uma encruzilhada. Como o nome diz, é metade lobo, metade homem. Depois de transformado, sai à noite procurando sangue. Antes do amanhecer, ele procura a mesma encruzilhada para voltar a ser homem.


Em algumas localidades diz-se que eles têm preferência por bebês não batizados, o que faz com que as famílias batizem suas crianças o mais rápido possível. Já em outras diz-se que ele se transforma se espojando onde um jumento se espojou e dizendo algumas palavras do livro de São Cipriano e assim podendo sair transformado comendo porcarias até que quase se amanheça retornando ao local em que se transformou para voltar a ser homem novamente. No interior do estado de Rondônia, o lobisomem após se transformar, tem de atravessar correndo sete cemitérios até o amanhecer para voltar a ser humano.



Nesse episódio o lobisomem, meio que obviamente era o filho da família do rancho local. O que fica claro no episódio é que existe um conflito de terras local, onde os fazendeiros não querem respeitar os limites das terras indígenas. Aqui temos o conflito de terras clássico do faroeste, com a diferença do elemento do lobisomem. 


O episódio enseja que o cowboy da família dos fazendeiros gostava da moça indígena, mas sua forma de lobisomem acabou matando o irmão da moça influenciado pelo moralismo do pai. Mas na verdade, na cena que Lyle vai ao enterro e é confrontado pela moça, ele diz que ninguém queria mais que Joseph estivesse ali do que ele, e se o pai atirou no rapaz afirmando ver um monstro "atacando" seu filho. Desconfio que os dois tinham um caso gay, reprovado pelo pai, que matou o namorado do filho para ele não se "misturar" com os indígenas. 


Assim, ele mata o próprio pai na forma de lobisomem para tentar equilibrar as coisas, sem nem mesmo lembrar depois, óbvia vingança pela perda de seu amor. 



Acontece também uma certa propensão dos agentes por cada lado. Enquanto Mulder se identifica mais com a cultura indígena, havendo inclusive um diálogo muito bom entre ele e os índios sobre seu primeiro nome, Fox (e também nome do canal que produz a série), que seria um nome indígena, significando raposa, ao que Mulder brinca ser "Spooky Fox" (raposa assustadora), zombando de seu próprio apelido. Por sua vez, Scully se identifica com o plot do rapaz cowboy, principalmente quando ele perde o pai. Isso acaba tornando Scully vulnerável, pois ao se importar com a dor do outro, se tornou vulnerável a estar com ele e um possível ataque no final. 



Muito bom episódio, um dos melhores até aqui. A temática dos indígenas vai ser melhores explorada depois, na segunda temporada, quando vamos descobrir que Mulder é descendente de índios. Por enquanto, foi um bom gostinho e um episódio muito bem dirigido, com um roteiro que faz sentido e entrega no final, mesmo que de certa maneira a conclusão seja meio óbvia. Mas consegue divertir e entreter bastante, além de trazer uma temática cultural muito interessante.



História por trás episódio


"Shapes" foi escrito depois que executivos da Fox sugeriram que a série deveria apresentar um tipo "mais convencional" (leia-se tradicional) de monstro. Então, os produtores James Wong e Glen Morgan começaram a investigar lendas nativas americanas do Manitou para formar a base do conceito do episódio, acreditando que "um show de horror deve ser capaz de fazer essas lendas que existem desde as treze colônias". 


O episódio fez menção ao primeiro arquivo x a ter sido aberto, aparentemente iniciado por J. Edgar Hoover em 1946; embora também faz referência aos eventos do episódio anterior da primeira temporada "Além do Mar", como Scully é vista discutindo a morte de seu pai. "Shapes" marcou a primeira vez que um episódio de The X-Files fez uso de temas nativos americanos e folclore. 


Embora este episódio fosse uma história autônoma "monstro da semana", episódios posteriores, tal como o final da segunda temporada "Anasazi", começariam a incorporar referências culturais navajo na mitologia abrangente da série.

 


O ator convidado Michael Horse, que interpreta o xerife Charles Tskany, é a terceira estrela convidada da série a ter aparecido anteriormente ao lado de David Duchovny em Twin Peaks, depois de sua colega Claire Stansfield, que interpretou no episódio The Jersey Devil(1x05), e Don Davis, que havia interpretado o pai da agente Scully, William, no episódio "Beyond the Sea"(1x13). 


Davis aparece de novo na segunda temporada de "One Breath", enquanto outros atores de Twin Peaks apareceriam em episódios posteriores da série — Michael J. Anderson na segunda temporada, episódio "Humbug", Kenneth Welsh na terceira temporada, em "Revelations" e Richard Beymer em "Sanguinarium" da quarta temporada, fazendo de Arquivo X extremamente relacionada a Twin Peaks.



Grande parte do episódio foi filmado em Maple Ridge e Pitt Meadows, Colúmbia Britânica, em um site chamado Bordertown, uma cidade "clássica western" que havia sido construída especificamente para sets de filmagem, localizada a apenas dez minutos de carro da casa do primeiro assistente do diretor Tom Braidwood. 


A área foi escolhida pois previa locais para as fotos externas da reserva, além de todas as áreas internas que eram necessárias para o episódio. Apesar de cobrir a área em cascalho, chuvas fortes deixaram o chão encharcado e enlameado o suficiente para derrubar equipamentos e veículos.



Condições climáticas semelhantes dificultariam as filmagens do próximo episódio, "Darkness Falls". A cena da pira funerária foi acesa principalmente usando a luz natural da fogueira usada; enquanto os figurantes que cantavam e rezavam foram escalados pelo diretor David Nutter após uma visita a uma reunião semanal de nativos americanos em Vancouver, supondo que o casting de não-profissionais daria mais autenticidade à cena.






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