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Bacurau (2019): Filme previu a situação de crise no Brasil atual, depois de pandemia e desgoverno




No futuro próximo, o povo de Bacurau, um assentamento rural empobrecido no município fictício de Serra Verde, no oeste de Pernambuco, se reúne para o funeral de Carmelita, uma idosa vista como a matriarca da comunidade. Sua neta Teresa, retorna à cidade depois de muitos anos para a ocasião, além de entregar remédios e vacinas para a cidade. Na sequência, ela e os demais moradores começam a ficar nervosos com uma sequência de estranhas ocorrências que se seguem: incluindo sinais telefônicos caindo, a cidade inexplicavelmente desaparecendo de mapas e GPS, avistamentos de drones em forma de OVNIs e um casal anônimo do Rio de Janeiro passando pela cidade em motocicletas. Dirigido pelos pernambucanos Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, venceu o prêmio de Melhor Filme no Festival de Cinema de Munique e o prêmio do Júri de Cannes

Disponível no Apple Tv, Google Play, Now e Telecine

Há uma disputa em curso sobre os direitos hídricos do rio local, com a água sendo represada rio acima em um esquema de corrupção que o prefeito de Serra Verde, Tony Júnior (Thardelly Lima), é a principal força motriz por trás. Durante sua campanha de reeleição, ele visita Bacurau na tentativa de ganhar a simpatia de seus moradores e garantir seus votos com comida velha e esgotar livros. O ódio dos cidadãos de Bacurau por Tony Junior é claro, pois todos os cidadãos tentam se esconder para sua chegada. Tony Junior parece ser um homem rico, enquanto os cidadãos de Bacurau têm que esperar por um caminhão de água para obter água para a comunidade. Mais tarde no filme, a água é vista fluindo para fora do caminhão como resultado de vários buracos de bala que penetraram no tanque.



Quando uma debandada de cavalos aparece de repente na cidade, dois homens locais são enviados para investigar a fazenda próxima de onde eles presumivelmente escaparam e encontrar a família que a possuía foi assassinada. Ao tentarem sair do imóvel, são executados pelo casal nas motocicletas que já haviam agido de forma amigável com o povo da cidade de Bacurau, enquanto na verdade plantar um dispositivo que é sugerido impede o uso de celulares e internet.



Este casal se encontra com um grupo de estrangeiros majoritariamente americanos liderados por Michael (Udo Kier). O casal é ridicularizado por ser mais branco do que os locais, mas ainda não "branco" o suficiente. Em seguida, eles são castigados por matar os dois homens, pois matar duas pessoas vai privar os estrangeiros de duas chances de marcar "pontos", sugerindo como os estrangeiros pensam dos nativos como sub-humanos. Após receber instruções inéditas através de fones de ouvido, os estrangeiros executam o casal de motocicletas e discutem sobre quem matou e tem direito aos pontos, colocando em plena exposição a crueldade dos estrangeiros.



À medida que o número de mortos aumenta, Pacote (Thomás Aquino), ex-amante de Teresa, deduz que a cidade está sob ataque. Isso o motiva a procurar Lunga (Silvero Pereira), um fugitivo que recebeu apoio e proteção do povo de Bacurau enquanto ele se esquiva da aplicação da lei e a quem Pacote finalmente convence Lunga a se juntar aos seus esforços na luta contra a ameaça na frente deles. Os habitantes da cidade começam a armar-se e se preparar para defender sua cidade com todo o seu coração. Enquanto as pessoas da cidade desenterram um esconderijo de armas, um dos americanos mata um menino de nove anos na periferia da cidade. Então eles cortaram eletricidade para a cidade para causar pânico.



História por trás do filme


Udo Kier, ator americano do filme já apareceu até mesmo no clip de Madonna Deeper and Deeper. Bacurau foi filmado no povoado da Barra, no município de Parelhas e na zona rural do município de Acari, na região do Sertão do Seridó, no Rio Grande do Norte. A equipe de filmagem visitou mais de 20 cidades do nordeste para encontrar o local certo de filmagem. Os cineastas Pedro Sotero e Kleber Mendonça trabalharam no filme ao lado do designer de produção, Juliano Dornelles. Eles trabalharam juntos em outros filmes, incluindo Som ao Redor (2012) e Aquarius (2016).



O cineasta usou uma panavision anamórfica lentes da série C, juntamente com um sensor digital 4:3 para o compacto e um ARRI Alexa Mini confiável. Essa escolha estilística veio às custas, porém, com as lentes específicas não sendo vendidas no Brasil, a tripulação teve que importá-las tanto dos Estados Unidos quanto da França. O resultado final, no entanto, foi único e na opinião dos diretores "Eles [ajudam] a criar essa tensão entre um filme muito brasileiro e uma certa distorção que você associa com filmes clássicos americanos. Acho que tivemos muita sorte em fazer o filme exatamente do jeito que queríamos que ele fizesse." 



A equipe gravou 12 horas por dia durante 8 semanas. Auto-proclamado cinéfilo, Kleber Mendonça Filho afirmou em entrevista que os cineastas do filme se inspiraram em várias fontes, incluindo tanto filmes de estilo faroeste americanos quanto westerns italianos dos anos 1960.



Bacurau se afastou de várias normas cinematográficas durante sua produção. Entre eles estão o uso de zooms que atingiram muitos cinéfilos como um pouco de uma chamada de volta para técnicas de filmagem mais antigas. Outra saída estilística do que muitos consideram padrão na indústria de filmagem foi a falta de uma câmera estável no set, com os diretores optando por usar faixas em vez disso: "Eu não tenho nada contra isso; é uma ferramenta interessante. Mas para este filme, queríamos mover a câmera usando apenas faixas. No final das filmagens, o gaffer disse que tínhamos colocado 1.300 metros de faixas para este filme, em oito semanas e meia de filmagem."



Crítica do filme


O curiango-comum (Nyctidromus albicollis) é uma ave da família Caprimulgidae. Bastante comum, distribui-se desde o sul do México até o nordeste da Argentina. A plumagem tem uma coloração pardo-amarelada finamente pintada de preto e com manchas pretas maiores, rêmiges pretas com fita branca. Também chamada de bacurau, curiangu, coriavo, engole-vento e mariangu.



Assisti Bacurau na época que saiu. Mas, as vezes prefiro esperar um pouco passar da época do lançamento do filme para refletir melhor o filme, ou refaço alguma crítica que ficou antiga. Na época, Bacurau soava um pouco pessimista, mas hoje em dia, depois de uma pandemia e 4 anos de um país governado pela direita conservadora, ele só parece realista. 



Os críticos estrangeiros viram em Bacurau uma variação colorida de "Sete Samurais", de Kurosawa, mas não há guerreiros experientes vindo para o resgate aqui. Em vez disso, os aldeões devem lutar por suas próprias vidas contra forças invasoras e políticos egoístas que os venderão. Mas o filme não é só isso, e possui metáforas e detalhes que valem analisar melhor 3 anos após o lançamento do filme. 



Primeiro, em questão de gênero e técnica. Bacurau pode ser definido como um "weird western". É um termo usado, muitas vezes coletivamente, para os gêneros híbridos de fantasia ocidental, horror ocidental e ficção científica ocidental. O termo teve origem em Weird Western Tales da DC em 1972, mas a ideia é mais antiga, pois os gêneros foram misturados desde a década de 1930, possivelmente anteriormente, em westerns de filmes B, histórias em quadrinhos, séries de filmes e revistas de celulose.



No cinema, O Império Fantasma (1935) é às vezes considerado o primeiro western do gênero. Gene Autry, em seu primeiro papel como um cowboy cantor, se aventura por um poço de minas e descobre um reino futurista perdido. Horror Westerns começou na década de 1950 com Curse of the Undead, e continuou na década de 1960 com filmes como Billy the Kid Versus Drácula (1966), que retratava o fora-da-lei da vida real lutando contra o vampiro fictício, e The Valley of Gwangi (1969), em que Ray Harryhausen usou efeitos especiais para colocar cowboys contra dinossauros. Outros faroestes com elementos de fantasia, terror ou ficção científica são 7 Faces do Dr. Lao (1964), Jesse James Encontra a Filha de Frankenstein (1966), High Plains Drifter (1973), The White Buffalo (1977), Pale Rider (1985), Ghost Town (1988), Wild Wild West (1999), Purgatório (1999), Jonah Hex (2010), e Bone Tomahawk (2015). Bacurau tem influencia de vários desses filmes.



Essa proposta se mistura com gênero melodramático e popularesco, com tom de comédia de costume, que são típicos no cinema nacional. Logo, há certa ironia ácida constante no filme, que faz a gente debater os mais diferentes aspectos do filme. 



A primeira cena que vemos do filme é uma cena do exterior da terra a partir do espaço, emulando a visão de um satélite, da perspectiva do território do Brasil visto de fora da terra. Esse primeiro detalhe já é importante para refletirmos que o filme tem uma proposta de debater perspectiva, no caso, a visão de fora para dentro do Brasil. Ou seja, isso explica para mim as coisas estranhas do filme: ele quer embaralhar a visão e representação do Brasil nos países estrangeiros e no cinema estrangeiro, e misturar com a nossa própria perspectiva de cinema nacional. 



O Brasil é mais lembrado pelo cinema e séries americanas mais do que reparamos. O problema é a qualidade dessa representação, que justifica inclusive nosso esquecimento. Filmes estrangeiros adoram representar o Brasil como um local de perrengue, como "Bem Vindo a Selva" (2003), com The Rock, ou como um local distópico, autoritário e super controlado, como Brazil (1985) e ainda como um local violento e de curtição como Velozes e Furiosos 5: Operação Rio. Bacurau parece misturar essas visões de filmes estrangeiros com filmes nacionais mais etnográficos, como Cidade de Deus. Mas duvida de tudo isso e isso, e entrega a mistura disso tudo em um faroeste.



O faroeste é uma falsa aleatoriedade do filme. O diretor escolheu de propósito inserir o filme nesse gênero para dizer que aquilo que os Estados Unidos mais se orgulham em sentido de nacionalidade, a cultura dos caubóis, o Brasil também possuí, e muito mais verdadeira que a deles. Aqui o filme provoca, já que, além disso, há gringos no filme que são invasores que só querem matar pessoas indiscriminadamente. A social-democracia do interior que os americanos se orgulham tanto, presente até na série Twin Peaks como um ideal, é muito mais forte aqui no Brasil, e os gringos se ferram pois acham que estão indo para um local exótico, de pessoas ignorantes, subestimando o senso se comunidade da população.



Outros aspectos interessantes também merecem análise. Como o fato do filme já anunciar "Daqui há alguns anos" e haver caixões na estrada, como uma tragédia anunciada. Assim como a placa da cidade "Bacurau: se for, vá na paz". Além de ser mais uma coisa parecida com Twin Peaks, a frase da placa entrega bastante do filme mas só notamos isso quando revemos. 



Outro detalhe, é que a jovem que vem no caminhão pipa de água potável, está trazendo remédios e vacinas no case. Ela toma uma pílula dada para um homem, uma droga nunca identificada no filme, mas que parece ser uma metáfora de "senso de coletividade" ao longo do filme. Ela chega em uma residência com as vacinas, e há uma imagem da famosa cantora de Lia de Itamaracá no carro de som ao fundo, no que parece ser seu velório: A esperança chegando em clima de funeral. 




É engraçado que a personagem de Sônia Braga, Domingas, única médica da cidade, parece louca no início. Mas era porque a moça que morreu era muito sua amiga, isso é explicado apenas pela cena posterior de Domingas, sozinha, encarando uma foto delas juntas. 



Ela usa sempre um jaleco, ao estilo médica cubana do SUS. E como ela era amiga de Lia de Itamaracá, ou seja da cultura, e ao mesmo tempo única médica, ela impõe certa autoridade sobre os moradores da cidade, e por isso Bacurau tem uma certa estética médica que combinou muito no cenário de um país impactado pela pandemia. Parece que os moradores de Bacurau sofreram muito ao longo da pandemia e o cenário que vemos seria um mundo meio pós apocalíptico, já que junto com livros, Tony Jr. leva caixões para a população. Ou seja, para as pessoas que morreram pela Covid? Possivelmente. 



Também o uso a música e do som é um destaque no filme, seja o carro de som e narrador nas horas marcantes, o violeiro que puxa o velório e até as canções da trilha.


Na sequência seguinte, após uma elipse de tempo que parece demonstrar o dia seguinte ou os próximos dias, vemos um ônibus escolar. Mas nele não há alunos, mas sim plantas. A água que sobra do irrigamento, passa por um cano e serve para o banho de pessoas.  Seria uma metáfora de que a escola, a educação rega de conhecimento os jovens e eles passam para o resto da sociedade da cidade? Depois vemos se pendurar um banner de estilo chinês e pulamos para ver a feira de Bacurau, ensejando que a cidade tem uma organização social quase socialista. 



Depois vemos o museu histórico de Bacurau, um elemento engraçado para uma cidade tão pequena mas não é sacanagem: é real. No Brasil, por mais pequena e regionalista que seja a cidade, ela terá um museu. Pode num ter um historiador, mas terá um museu. Aí engatamos no plot de Plínio. Ele é uma espécie de professor e líder comunitário, geralmente convocado para as deliberações de aspecto social. Temos então a famosa cena das crianças perguntando onde fica Bacurau, e ele diz estar mapa mas não aparece no Google Maps, apenas no mapa antigo da escola.



Chegamos então ao plot e dinâmica social da cidade que mais gosto: o de Tony Junior, o prefeito da cidade. Kleber Mendonça não foi nem um pouco sútil aqui em representar qual partido ele estava criticando na figura do prefeito: o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Pois o número do código eleitoral dele é 150 e todo código eleitoral no Brasil que começa com "15" é do MDB. Ele chega com seu carro de som espalhafatoso, tocando seu jingle de reeleição. Para isso, ele trouxe em caminhos, caixões e livros, metáfora óbvias, e as taca no meio da praça. Só que desde que entrou no território da cidade, os moradores já passaram a informação por telefone de que o prefeito estava chegando, e se escondem todos dele. A feira acaba, todos vão para suas casas e ninguém recebe Tony Junior. 



Na época do filme essa cena era menos forte do que agora, após a pandemia de Covid-19. Parece a metáfora do político negacionista que quer utilizar a ideologia da "retomada"  e o "novo" normal para se reeleger, enquanto a população utiliza da técnica do #FicaEmCasa para combater o político. Aqui é marcada uma espécie de ruptura entre o marketing e técnicas populistas eleitorais e o que o povo está pensando e sentido. 


A mídia é demonstrada apenas abstratamente com o cartaz de Lunga, o bandido local mais procurado da região, mas que ninguém sabe o paradeiro ou tem vontade de denunciar para as autoridades, por falta de fé no sistema.  



Depois, coisas estranhas começam a acontecer. Primeiro, cavalos invadem a cidade na madrugada. Depois, alguém dá tiros no caminhão pipa da cidade, fazendo o carregamento de água vazar. Por último, estranhos motoqueiros chegam na cidade. Brancos que afirmam ser do sul e tratam tudo no local com certo nojo, se recusando a visitar o museu local e tratando o violeiro da cidade com desprezo por ele implicar com eles. Mas ele estava certo, pois os dois fazem parte do grupo de assassinos que quer, sem motivos claros, realizar um massacre na cidade de Bacurau. Detalhes a se notar: parecia um projeto científico e de pesquisa. E, os americanos usavam pontos que passavam informações privilegiadas para eles sempre, e é de lá que vem as ordens para matar os dois brancos brasileiros traidores da própria nação. 



Aqui há um coisa difícil de traduzir para a direita brasileira, que é o seguinte: para ser de direita no Brasil hoje em dia, você precisa ser entreguista ou submisso aos Estados Unidos ou ao modelo do "norte" (como Bolsonaro prestando continência para bandeira dos Estados Unidos ou FHC vendendo estatais). Só que nos Estados Unidos, a direita é representada pelos Republicanos, um partido composto majoritariamente por nacionalistas conservadores. Ou seja, não tem como eles respeitarem a direita de um país que entrega os seus para conquistar o poder. É por isso que, economicamente e politicamente, governos de direita no Brasil estão fadados ao fracasso: não há nenhuma paridade que os sustentem. 



Vamos ao ponto mais significativo do filme. Diferente do que pensavam os invasores, não foi fácil invadir Bacurau. Como expõe muito bem em planos sugestivos da cultura popular e dos elementos guardados no museu, tudo indica que a cultura popular, de resistência e violência, está morta, sendo interpretada por muitos até como algo satírico, falso. Mas para Bacurau, nada dessa cultura popular é fake ou está morta. O cangaço, as armas e vestes são muitas das vezes representados ou despojados nas narrativas de uma maneira nula, morta e as vezes até ridícula. 



A coisa mais genial de Bacurau é que a cultura não está morta, apenas pacificada por contratos sociais. Mas se necessário, perante uma ameaça externa, toda a violência recalcada pode vir à tona. Aqui há uma percepção interessante sobre como a construção rotineira da paz, é uma negação da capacidade e poder de violência. Lunga que era um dos procurados e demonizados no sistema anterior, se torna um dos heróis da resistência contra a invasão da cidade. É da escola que partem os tiros de resistência, e alguns dos invasores são mortos no museu, uma metáfora de que no Brasil a Historia se faz em de tempo real e continua acontecendo. E por isso, depois a moça pede para não tirar o sangue da parede, pois com a invasão a História aconteceu em Bacurau, e agora reforçará os laços de paz do próximo ciclo.  



Essa forma histórica de pensar a cultura em Bacurau que o torna um bom faroeste, pois assim o filme reflete como a paz é construída através da memória histórica da violência e dos golpes que a vida dá. O povo lembra sempre de alguma maneira dos traumas e das escolhas que faz, e não está congelado, se mexe, reage as condições adversas e tenta se adaptar. Essa paz coletiva é construída constantemente enquanto memória e adaptação. 




Talvez por isso o Brasil é conhecido por ser bom de "gambiarras" e adaptações, pois nossa cultura é extremamente calcada na memória dos ciclos de crise e de paz. E quando se está em paz, ela não é dada, mas uma espécie de consciência coletiva, que implica na relação e aceitação ou não de várias interações ou consensos. "Quer viver ou quer morrer?" Isso é bem parecido com os faroestes de teses americanos, como Shane, onde a passagem do tempo dentro de uma estrutura direciona culturalmente a sensação e intepretação da História. 



Podemos inicialmente achar Bacurau exagerado, violento e um pouco louco. Mas essas não são as definições que fazem do brasileiro, em sentido positivo e negativo? E principalmente depois do caos do governo Bolsonaro, principalmente na gestão da pandemia, como podemos não ficar um pouco loucos na medida que nenhum dos poderes pode impedir o seu desgoverno, mas Dilma foi tirada por pedaladas que depois comprovadamente não aconteceram? E se você discorda do meu ponto, tudo bem, pois isso só torna mais certo o que estou falando de Bacurau, já que isso prova que ou eu estou louco ou você está. Ou estamos todos? Parece que perante os ciclos de crise do país nos últimos anos se tornou parecido com o que Plínio diz no filme: "estamos sob efeito de fortes alucinógenos e você vai morrer". Se tornou feio ser brasileiro, usar a camisa do Brasil. São chagas culturais que necessitam de algo que estirpe para serem esquecidas rápido, se não, ficam na memória para sempre. 



O elemento UFOs do filme tem haver com isso, já que os discos voadores misteriosos que sobrevoavam Bacurau e intrigam os moradores, eram na verdade drones dos invasores inimigos. Aqui é perfeita a noção meio Arquivo X da metáfora da "abdução" ou dos objetos voadores não identificados, como coisas estranhas, opressões, e ataques inexplicáveis que acontecem com as pessoas e eles não sabem como explicar ou relatar de uma maneira que as pessoas compreendam. 



Por isso, a fantasia sempre pode ser uma prótese metafórica da realidade e da violência subjetiva, recalcada, dentro da sociedade que adquire esse aspecto para se tornar tangível, explicável, através de lendas, fábulas e mitos. Por isso, falar de "fake news" no Brasil pode ser mais difícil do que imaginamos a priori. Por exemplo, o cangaço. Várias das histórias orais exageram pontos, para bem e para mal, sobre as visões, histórias e memórias do cangaço. Mas você pode dizer que tudo é mentira quando depoimentos se chocam em relatos iguais entre pessoas que nunca se conheceram antes? 



O filme previu bem o nosso atual estado degrada da democracia e do debate coletivo. Ficamos debatendo que está certo dentro de uma série debates fúteis e midiáticos, para recalcar a violência cognitiva que é perder direitos e não poder fazer nada em em relação a isso. Vamos nos tornando hostis, prontos para reagir e marcar posição em torno de tudo, e logo mais manipuláveis. Ao mesmo tempo, aqueles que são atacados, os mais populares, criam uma memória fortíssima dos acontecimentos e obviamente vão reagir. Não que terá vingança, afinal os brasileiros são receptivos e amistosos mesmo confrontados. 



Mas como mostra o filme na cena onde Sonia Braga recebe o líder dos invasores, Michael, com uma mesa maravilhosa de comidas e ao som do Spandau Ballet - True, são os invasores que cospem na nossa receptividade e esperança, pois eles sabem que é um softpower da nossa superioridade cultural perante os conflitos. As roupas de criança sujas de sangue no varal, metaforizam os invasores como forças policiais que invadem as favelas e geram morte de crianças inocentes, por acidente ou não.



E onde fica Bacurau? Bacurau é o Brasil! Por isso, parece justamente que o que os gringos e suas narrativas buscam combater no brasileiro é que ele seja feliz, que ele seja alegre. Que ele tenha esperança e mente aberta para resolver os conflitos. Ou seja, a resiliência brasileira assusta o mundo, parecendo que nossa História sempre é feita de maneira muito intensa e real. 



A mensagem final do filme é bem simples: Partidos políticos, universidades, empresários, esquerda e direita, aprendam que são vocês que se inspiram na cultura popular e não a cultura popular que se inspira em vocês. Isso é muito necessário de explicar para a esquerda política. Um bolsominion quando dança freneticamente ele está refletindo sua própria cultura, e não que é fascista, pois afinal muitos dançam também pela esquerda para seus candidatos. 



Bacurau é um trauma alucinante com algo de Jodorowsky. É também um faroeste paranoico de vingança, que me lembra Clint Eastwood em Um Punhado de Dólares, mas misturado com Westworld, Amarelo Manga e Cidade de Deus. Em termos de técnica, o filme é bem rico. A fotografia é brilhante e vibrante, dando um ar bem quente ao visual do filme, típico nos westerns coloridos. 


A som é um esculacho! Muito bem editado e muito bem planejado entre músicas e trilhas. A direção do filme também é bem interessante, mas não é o melhor trabalho de direção de Kleber Mendonça, sendo ainda Som Ao Redor. A edição e montagem do filme é bem criativa, só fico com a sensação que havia mais cenas mostrando a dinâmica e rotina da cidade, deixando a sensação que Bacurau merecia se tornar uma série. 



O destaque principal vai para atuação. Tanto os atores como a coreografia deles em cena, é perfeita. Há todo um trabalho de linguagem não verbal no filme, tanto ensejando através de imagens, como através da expressividade e posicionamento corporal dos atores. Alguns momentos, ficaram com um caráter cômico por isso, como na cena que a velhinha da social-democracia bate palmas e comemora que o grande traficante Lunga chegou para proteger a cidade.



O filme pode ser criticado por ser demasiado academicista em sua linguagem e panfletário em sua mensagem. Por exemplo, imagine as leituras da direita sobre Bacurau em um futuro governo de esquerda no Brasil? Mas se você já viu Bacurau, reveja. Hoje em dia, com certeza você vai ver o filme diferente da primeira vez que viu. Se não viu, tá esperando o quê? Cinema nacional de qualidade precisa ser prestigiado e incentivado, sempre. 










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