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Central do Brasil (1998): Clássico do cinema nacional é uma jornada ao Nordeste, refletindo o abandono social e a diversidade dos "Brasis"


Dirigido pelo diretor Walter Salles, em uma parceria do Brasil com a França, de 1998. Com título em inglês ficou "Central Station", recebeu uma indicação ao Oscar por Melhor Filme e Melhor Atriz, e ganhando no Globo de Ouro como Melhor Filme em Linguagem Estrangeira, Festival de Berlin e Festival de Havana. O roteiro foi escrito pelos famosos escritores de novelas da Globo, João Manuel Carneiro, e Marcos Bernstein, contando também a fotografia marcante de Walter Carvalho. A atuação de Fernanda Montenegro, tendo sido reconhecida em todo mundo por críticos, é um destaque junto com Josué (Vinicius Oliveira). Mas, injustamente, não foi reconhecida pelo Oscar. Demonstrando as dimensões continentais do Brasil, e grandes diferenças culturais entre o Sudeste e o Nordeste do Brasil, o filme acompanha Dora, uma ex-professora do Rio que engana pessoas escrevendo cartas para elas mas nunca colocando no correio, até sua vida se cruzar com a de Josué

Disponível no Apple Tv, Telecine e GloboPlay


Dora (Isadora) é uma professora aposentada, filha de um motorista, e que trabalha pra ganhar uma dinheiro extra na Central do Brasil (uma famosa rodoviário que fica no Rio de Janeiro), ela paga para os seguranças da central para poder escrever cartas para pessoas que não sabem escrever e querem mandar uma mensagem para alguém. Ela é aposentada e mente sobre entregar as cartas que escreve. Uma das mulheres quer mandar uma mensagem para o marido na cadeia. É evidente que aqui há uma tentativa de mostrar atuações amadoras junto com os relatos dos próprios atores de verdade do elenco do filme.


O filme começa com uma câmera que acompanha o grande movimento de pessoas na central e começa uma certa trilha sonora dramática de overtune e mostra o depoimento de várias pessoas comuns populares falando sobre suas vidas, em um momento de relato muito forte. Inicialmente vemos relatos mais próximo das pessoas comuns, e então vemos Ana e seu filho Josué.  Em um dos casos, ela conhece um garoto de 9 anos chamado Josué, que espera conhecer seu pai algum dia, o Jesus, e por isso manda uma carta para sua casa no nordeste para conhecer o pai da criança. 


Quando a mãe de Josué é morta em um acidente de ônibus em frente a estação de trem por um ônibus quando Josué volta para pegar seu brinquedo de peão, Josué fica sozinho no Rio de Janeiro, Dora é forçada a cuidar dele, sem gostar muito, ela tenta abandonar ele com para a adoção em troca de uma televisão de 14 polegadas, mas depois se arrepende quando sua irmã Irene (Marília Pera) comenta que esse tipo de lugar poderia ser apenas uma fachada para venda de órgão de crianças. Dora volta na casa de adoção e foge com Josué quando sabe que estão atrás dela na casa de sua irmã. 






Eles encontram um caminhoneiro simpático (Othon Bastos) que ajuda eles no caminho, apesar de desconfiar inicialmente de Dora, por ela ter roubado a loja que eles pararam. Dora troca seu relógio por uma passagem para Bom Jesus do Norte (parecido com Cruzeiro do Nordeste, distrito de Sertânia, Pernambuco). 





Quando eles estão chegando no nordeste, se deparam com a forte cultura popular das festas e da crença nos santos mais ligados ao caráter de sofrimento e redenção. No filme, acontece a festa de São João, e lá Dora agora escreve cartas sem enganar as pessoas, apenas usando da sua escrita. O que significa que ela para de enganas as pessoas no nordeste. 





Depois eles acham o endereço do pai, mas quando chegam lá, descobrem que ele já desapareceu há muitos anos. Por fim, ela liga para sua irmã Irene (Marília Pera) para vender seus móveis para ela morar com Josué, já que ela não sabia que eles iam achar sua família. Ela espera até a manhã seguinte e um dos meio irmãos de Josué está trabalhando perto da parada de ônibus e diz que eles estão procurando pelo pai deles, pedindo para levar Josué e Dora para jantar.  


Ele encontra seus irmãos, Moisés (Caio Junqueira) e Isaías (Matheus Nachtergaele) contam que o pai deles está procurando por ele no Rio de Janeiro e que eles se perderam. Os irmãos vivem juntos e trabalham no mesmo ofício do pai, que é carpinteiro. Lá Dora observa que Josué estará junto com sua família, logo salvo da fome e da miséria, como seria se ele tivesse ficado como uma criança de rua no Rio de Janeiro. 



Isaías explica para Dona que o pai deles casou com Ana, que eles não sabiam ser a mãe de Josué, e depois que a mãe deles morreu quando ela abandonou o pai de Josué para ir para o Rio e acabou morrendo em um acidente. Parece que o pai de Josué tinha ido para o Rio de Janeiro para tentar conhecer o filho. Isaías e Josué acreditam que o pai vai voltar, Moisés já não. Na manhã seguinte, já aos cuidados dos irmãos, Dora vai embora em um ônibus de volta para o Rio de Janeiro.  



Dora deixa a carta para Jesus e a outra para Ana (Soia Lira), da época que ela deixava as cartas sem colocar no correio. Dora escreve uma carta para Josué no ônibus chorando, e leva consigo a foto do dia da festa da igreja para lembrar da viagem. 


O filme é uma grande ode aos planos econômicos do Brasil e tem uma estrutura material absurda, com referências ao preço de espelhos de 0,50 centavos, ou o fato de Dora ter toda uma estrutura patronal, não é rica, mas desfruta do privilégio de ser membro das estruturas sindicais cariocas. No início ela manda Josué ir embora, Dora vive no neoliberalismo e não questiona como todos os outros. 


A vida no Rio de Janeiro parece completamente banal, com uma das cenas iniciais marcantes de um furto que termina com a morte sumária do ladrão, algo que é defendido até hoje nos programas pinga sangue da televisão com a ideia fascista do "CPF cancelado". O tom da vida do Rio de Janeiro é jogada em um tipo de realidade cínica e cruel. PMs expulsavam crianças, alguém era morto por roubar um rádio. Um dos seguranças da Central do Brasil é interpretado pelo ator Otávio Augusto.




O começo do conceito surgiu em 1993 quando Frans Krajcberg recebeu uma carta de Maria do Socorro Nobre, ele mostrou ao amigo Walter Salles, o diretor do filme. Quando terminou de ler a carta, sabia que tinha um filme em mãos.  O filme iniciou foi o documentário Socorro Nobre (1995) feito em Salvador com a detenta. Krajcberg, um artista plástico havia saído da Polônia com a morte de sua mãe e ele estava totalmente deprimido, quando viu essa história conseguiu se encantar com a ideia do filme. 


Foi quando  Walter Salles escreveu um roteiro sintético de 20 páginas com o começo meio e fim do filme. Ele contou que ele quis fazer um longa, dizendo que o filme é um reflexo da sociedade contemporânea brasileira e da população que tinha família com desaparecidos, resultado dos grandes ciclo de emigração em massa dos anos 1990.  Milhares de pessoas deixaram o nordeste por conta do Plano Collor (que visava sanar os problemas econômicos, mas acabou apenas agravando a situação). A questão da falta de raízes e crise identitária são partes das chaves de entendimento para esses problemas de Brasil contemporâneo. 


 

Minha Leitura do Filme


O filme tem como nome a famosa rodoviária e originalmente ferroviária carioca inaugurada em 1858 pelo Imperador Dom Pedro II e teve como primeiros passageiros a família real. O prédio foi demolido e reerguido em 1930 para fazer parte das obras da Av Presidente Vargas.  O relógio famoso que fica na Central é maior do que o Big Ben de Londres, o inglês mede sete metros de altura, e o da Central do Brasil 10 metros de altura e foi colocado lá em 1943. 


Na primeira imagem a estação nos dias atuais, já com seu relógio característico, embaixo a imagem da estação ferroviária original no século XIX


A curiosidade é que a maioria das pessoas se referia ao local apenas como estação D. Pedro II, depois do filme filmar lá em 1997, o nome Central do Brasil passou a definitivamente ser usado para definir o lugar. 


Dora apenas usa do fato de saber escrever (uma sugestão de que naquela época ainda havia o problema do analfabetismo e que isso fazia com que as pessoas não pudessem escrever suas próprias cartas. Mas Dora nunca entregava  as cartas e ficava com o dinheiro para ela. O tom é de ver um "mundo cão" de todas as maneiras possíveis. A metáfora aqui é bem óbvia. A brincadeira das cartas são metáforas das estórias orais dos populares, há aqui uma referência ao tipo de história que exige o registro da fala e das estórias contadas através do método oral. O que acontece é que isso evidencia a questão do analfabetismo no Brasil. 


Não apenas Salles é um dos donos de um dos maiores bancos nacionais, ele entrega no filme o sentimento de nação e responsabilidade com problemas democráticos sérios que o país enfrentava junto com o crescimento e o começo de um leve estabilidade depois do casos da "década perdida" e da falência de diversas tentativas de implementação de moedas durante os anos 1980-90. 


Bastidores e história por trás do filme


O filme custou quase 3 milhões e lucrou 20 milhões, mostrando que foi um sucesso, o filme brasileiro mais lucrativo do ano em seu boxoffice geral, sendo uma grande produção com o tipo de divulgação e estrutura que podem filmes nacionais possuíram no geral. Ganhou quase todos os prêmios sindicais e especializados, possuindo um destaque par aa primazia técnica, que em muitos sentidos, lembrava o humanismo do neorrealismo italiano em filmes como Ladrões de Bicicleta, e Roma Cidade Aberta, ou La Estrada. 


O menino do filme, o Josué foi interpretado por Vinicius de Oliveira, um ator escolhido no meio de um casting (seleção de elenco) com quase 1.500 crianças e foi escolhido. Walter Salles escolheu Marcos Bernstein, que nunca tinha escrito um roteiro de cinema antes. Ele foi escolhido por ter ajudado no filme Terra Estrangeira (1995), pedindo ajuda ao escritor João Manuel Carneiro para desenvolver o argumento. De 1900 até 1995, a indústria brasileira cinematográfica não produziu quase nenhum filme, sendo um "apagão", marcado no filme de Carla Camurati "Carlota Joaquina, Princesa do Brasil", sendo um filme que marca a paralização da indústria, e o marco da comemoração depois feita em torno da questão do "Brasil 500 anos". 


Surgiu uma nova onda de conceitos, como a tentativa da redução dos custos de produção com o Dogma 95, a privatização da Mosfilms com o fim da União Soviética e a privatização da educação e do ensino superior no Reino Unido e o surgimento da "esquerda de terceira via" foram marcos dos anos 1990, que apesar disso, viveu também uma década de florescimento de debate em torno de temas importantes, como alfabetização e educação básica, como a erradicação da fome, eram metas da ONU, por exemplo. Salles pensou no personagem de Dora como também parte dessa visão econômica e social do filme. 


Dora era a representação dos ciclos patronais fracassados e dos problemas das grandes cidades, como desemprego e violência e a barreira psicológica do sentimento blasé em relação aos outros. Tomando como referência a história de Socorro Nobre, o filme contou com "não atores", com uma técnica etnográfica que lembra filmes como The Wild Bunch (Seu Ódio Será Minha Herança, 1969) Salles declarou que teve orgulho de "perder o controle" da produção, pois deu uma cara autônoma e cultural extras ao filme. 


O papel para Fernanda Montenegro já era pensado há quase 10 anos e eles já tinham trabalhado juntos. A filha Fernanda Torres tinha trabalhado no filme Terra Estrangeira com Salles. Nos anos 1950, Fernanda Montenegro e o marido tinham uma companhia de teatro onde faziam performances  de peças de teatro de Arthur Miller e Samuel Beckett. Nas novelas da televisão, Fernanda Montenegro sempre viveu personagens de elite, mulheres ricas e más que vivem em uma grande mansão, mas o papel da vida dela, que deu o Urso de Prata foi o da professora aposentada Dora. 




O filme foi uma grande produção nacional, teve fundos da lei Rouanet e da Riofilme, além de recursos próprios, com um orçamento de 2,2 milhões de dólares, e também contou com o dinheiro vindo do Ministério da Cultura da França, como também ganhou concursos internacionais de melhor roteiro original. Eles começaram filmando no Rio de Janeiro na Central do Brasil. 


As filmagens começaram dia 08 de novembro de 1996 e acabaram no fim do ano seguinte. Depois eles começaram a filmar em uma viagem ao nordeste, que é a principal questão do filme. Eles começaram em Vitória da Conquista (local do caminhoneiro do filme, como também de nascimento do grande diretor Glauber Rocha), e depois em Milagres pelo interior da Bahia, enfrentando um forte calor de 40 graus típico do nosso país. A produção escolheu a pequena cidade de Sertânia, a trezentos quilômetros de Recife, para representar a fictícia cidade de "Bom Jesus do Norte". 


Os moradores da cidade ganharam cachê como atores para participar do filme junto aos atores profissionais. Segundo Walter Salles, as pessoas eram inocentes e pediam realmente para se escrever cartas para eles. A cena da Romaria contou com 800 pessoas, composta por habitantes locais e de cidades vizinhas, eles trabalharam umas 3 noites seguidas para fazer as sequências da festa de São João do filme. 


A produção ainda construiu uma igreja, uma casa dos milagres, barraquinhas, um cabeleireiro e uma agência dos Correios, segundo Elisa Tolomelli, que disse que foi usada a mão de obra local. Socorro Nobre que inspirou o filme saiu da cadeia em 1995 sob liberdade condicional, no filme, ela aparece na primeira cena, pedindo para Dora escrever uma carta de amor. Ao comentar sobre o trabalho de Walter Carvalho na fotografia, ele disse que escolheu ele depois de ter trabalhado com o mesmo em Terra Estrangeira e saber que Walter Carvalho dispensada a "parafernália" dos fotógrafos americanos e trabalhava com uma câmera francesa (Aaton Digital). 



Ele disse que o trabalho dele lembrava do diretor mexicano Gabriel Figueroa, dando uma "alma" ao filme extra de quem tem o olhar treinado. O filme foi rodado com a câmera Panaflex e lentes widescreen. O foco do filme inicial é para dar a sensação blasé e foca apenas em Dora, ela não consegue ver para além dela mesma, e aos poucos, ela se aproxima do menino e a profundidade das lentas acompanha o olhar de Dora. Algumas sequências das cartas e dos relatos que envolviam os atores não profissionais são importantes para demonstrar o caráter documental que intercala a narrativa do filme. 

A trilha sonora do filme é especial, em certo momento, toca Mama África de Chico César, o fim do filme termina com Preciso Me Encontrar do Cartola. A trilha sonora clássica que percorre o filme foi composta por Antônio Pinto e Jaques Morelenbaum,  as músicas "Toada e desafio", de Capiba; "Preciso me encontrar", de Candeia/Cartola "Ruínas da Babilônia", de Fauzi Beydoun; e "E Deus por nós", de Fátima Leão e Alexandre Neto.


Renda, economia e identidade nacional no Brasil dos anos 1990



A elite do Brasil engana o nordeste, que não pode se elitizar e ter tantos oportunidades na vida, por não saber ler e escrever. Uma realidade de um Brasil riquíssimo enquanto potência regional, mas pesadamente marcado pelo flagelo da fome, da seca, e dos problemas internos de renda de uma economia forçadamente jogada na paridade completa com o do dólar não acompanhada de um real aumento das condições de renda per capita lograram ao Brasil ainda um permanente assento na miséria e no subdesenvolvimento. 


Ao escolher a âncora no real, o país se tornou dependente de vender suas reservas em dólares para manter uma paridade artificial com as economias do primeiro capitalista. Mas tem uma explicação lógica para isso, sendo necessário pensar em focalizar as commodities mais necessárias para a estruturação de um país. O dólar influencia no preço do cálculo de riquezas sólidas, como por exemplo, o preço dos barris de petróleo que produzem não apenas combustíveis, mas uma infinidade de variados que são encarecidos caso o país entre em rebelião com o dólar. 


Nos últimos anos, o reino do dólar foi ameaçado pelo mesmo dólar, só que comprado em reservas pela China, que cresce sem medida em sua ideia de abertura de "socialismo de mercado" desde os anos de 1980 em franca expansão e plena estabilidade. A própria China que investe em variar o poder do dólar, ela mesma tem grandes reservas em dólar para controlar a artificialidade da própria moeda, por isso os chineses resolvem quando querem desvalorizar a própria moeda, um pensamento econômico completamente ao contrário do sistema de economia pensado pelo PSDB. 


O mundo em 1998 era estranho e diferente, com a social democracia o (PSDB) no governo, era a Disneyland da classe média, embora as medidas do monetarismo de FHC tenham se provado a longo prazo, afinal, não é todo mundo que "faz" uma moeda bem sucedida estruturalmente falando, isso podemos dar ao PSDB naquela época, isso foi feito pensando uma ideia liberal de conexão com o mundo, completamente diferente da direita que agora comanda o Brasil com Bolsonaro que não liga para uma paridade mais frouxa, parecida com a ideia mais de esquerda de economia, como partidos como o PCdoB antigo, que com razão abordavam a necessidade de ser realista com o valor da moeda, até para frear o lucro famigerado do agro negócio brasileiro, que sofreu as primeiras perdas econômicas no ciclo do último semestre da economia. 


Depois de grande inflação da chamada "Década perdida" (anos 1980), o país teve 6 moedas diferentes na tentativa de acabar com a inflação. O Plano Real foi visto como a solução para todos os problemas, através da ideia da âncora cambial. Dora parece muito com a antiga classe média do país, que negou aos pobres a erradicação da pobreza, mas que aceitou de bom grado fim da inflação. 


O filme percorre o Brasil desde o Rio de Janeiro até chegar em Pernambuco, como uma coisa meio "viagem de volta para minha terra", pois se o nordestino é pobre no nordeste, ele pelo menos tem família e estrutura lá, como no filme, que Josué encontra seus irmãos, e logo Dora sabe que ele estará bem e salvo pela estrutura comunitária das grandes famílias populares brasileiras. 


Em 1998, a União Europeia inovava em elitismo progressista e implementava o conjunto de critérios para a nova moeda mandachuva da paridade mundial, era o ano do lançamento da Zona do Euro, e dia 1 de Janeiro de 1999 houve a introdução da moeda e a convergência da adoção de múltiplos parceiros nacionais, que começou a desenhar uma ideia clara de Primeiro Mundo financeiro, ganhar em Euro passou a ser melhor que ganhar em dólar, fazendo os Estados Unidos perder grande poder. 

Segundo dados da FGV de Marcelo Neri, Fábio Vaz e  Pedro Souza, o salário mínimo viu seu poder de compra diminuir 0,22% entre 1992 e 2002, mas aumentar na década seguinte, em cerca de 5,25%, o que pode evidenciar o aumento da renda das famílias durante a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva. 


Lula foi um ex presidente do Brasil que veio de uma região similar no interior de Pernambuco. Como Josué, o menino do filme, Lula viveu o abandono parental e foi criado pela mãe, a Dona Lindu. Ele foi o presidente que melhor aumentou as condições de vida desse público retratado na história de Central do Brasil, como se o filme previsse a guinada em direção a políticas de esquerda que ocorreu no governo Lula. Foi determinante para o fim da fome no Brasil, por exemplo.


 Esse processo de erradicação da pobreza começou com o PSDB de maneira inicial,  com os planos de cidadania como Bolsa Escola, e evoluiu para o Bolsa Família, e agora convive com as inovações das operações do Auxílio brasil e do Caixa Tem. O salário mínimo, que viu seu poder de compra diminuir 0,22%, ao ano entre 1992 e 2002, na década seguinte subiu 5,26% anuais além da inflação, contribuindo para o aumento da renda das famílias e para a queda da desigualdade observada nesse período.


Em 1999, mais de 3,1 milhões de brasileiros não tinham renda suficiente para comer, vestir-se cuidar da saúde e da educação segundo pesquisa de Sonia Rocha do Ipea, 33,4 % da população vivia na pobreza, cerca de 54,1 milhões de pessoas jogadas no subdesenvolvimento, o ano de 1998 foi o ano da crise dos Tigres Asiáticos em 1997 que atingiu em cheio essas economias como Indonésia, Tailândia, Malásia e Coreia do Sul que tiveram uma redução de 10% do PIB. A questão é que em 1993 onde atingia 63 milhões de brasileiros, 44%,  da população estatística, vale lembrar que isso foi no ano anterior ao lançamento do real, a crise foi maior que foi em 1998-99, mostrando que apesar de ainda ruim, ter tido uma relativa melhora com a estabilização financeira. 


O crítico Roger Ebert estranhou o filme e deu apenas 3 estrelas, dizendo que o filme é carregado por Montenegro e que a personagem da professora é sórdida demais para ser gostado, a proposta parecida com o tipo de realismo de um Ladrão de Bicicleta, peca por talvez glamourizar e perpetuar os problemas do Brasil como não solucionáveis, como uma retórica famosa da elite de dizer que o Brasil será sempre apenas um "país do futuro" e da promessa. 


Talvez por isso, alguns críticos gringos especializados entenderam que o filme fazia referência ao próprio ato de se contar uma história como algo típico do aval que vem da elite, no sentido de que os que leem enganam aqueles que não podem ler. O filme fez uma viagem ao sentido do verdadeiro Brasil do nordeste, das ocupações do MST, MTST, das casas sorteadas pelos governos e projetos de políticas públicas sociais.


 Ao fim do filme, Dora volta para o Rio de Janeiro, e Josué fica no nordeste com a perspectiva de aprender a profissão do pai e dos irmãos. Se ele ficasse no Rio de Janeiro, não iria encontrar o pai que está lá, como também poderia ser morto, ou virar morador de rua, como o filme mostra, a vida no Rio de Janeiro não vale nada. Essa mistura do capitalismo selvagem com uma perspectiva meio monárquica faraônica deixa o Rio de Janeiro como um local hostil aos imigrantes nordestinos, como também hostil com crianças abandonadas. 


A crítica interna que foi feita é que a volta ao nordeste pode ser uma forma um pouco reacionária de lidar com os problemas do Rio de Janeiro, como se fosse algo determinista. Apesar disso, o filme é vitorioso em mostrar a beleza das tradições nordestinas e de não criticar o "salvacionismo" da religião, em uma forma de compreensão humanística que exerce o respeito em relação a cultura alheia. Como quando Dora desmaia ao se perder de Josué ao perceber que estava em um local de fé e transe, e depois disso, através do salvacionismo, de escrever cartas aos santos e pessoas desaparecidas, agora entregando e guardando, e não mais jogando fora. 


Ao fim, Dora aprende o valor de Josué, e do nordeste, coloca o vestido que comprou na feirinha local, passa o batom e volta para a casa ao olhar a foto dela e de Josué com Padre Cícero. O filme se transforma em uma incursão para dentro da descoberta, não é Dora que salva o menino, é o menino nordestino que acaba dando sentido a vida vazia de Dora. Central do Brasil pode ter sido preterido em alguma metida pelo Oscar, mas ganhou a maioria dos prêmios internacionais e nacionais, sendo um dos filmes mais marcantes e materialistas sobre a temática antiga da identidade nacional, em busca de unir os "tantos brasis" separados por costumes e geografia diferentes. 


Central do Brasil é uma jornada de descoberta a ideia do socialismo perdido. Quando Josué encontra os irmãos, ela encontra tudo, família, profissão, região e ideologia, e logo Dora sabe que ele estará melhor do que com ela. O filme é uma ode cultural ao melhor lado regional do Brasil.




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