Em homenagem ao dia das mães, hoje vamos analisar um dos filmes mais clássicos do cinema mundial de todos os tempos: "A Mãe" (1926). Uma produção russa da era de ouro da União Soviética, pioneira em retratar a maternidade e a importância das relações familiares na construção de qualquer país. Greve, violência doméstica e importância da educação; o filme aborda diversas temáticas que parecem atuais e à frente de seu tempo, incluído a importância e o papel das mulheres na sociedade
É claro, o fato do filme ser um filme produzido pela União Soviética pode fazer com que muitos descartarem o filme como socialista. Vamos então nos ater mais a técnica na análise para provar que o filme vai além da mera propaganda.
O filme conta a história de uma família: pai, mãe e filho. Inspirado no livro de Maxim Gorky, "A Mãe" de 1906. No romance, Gorky retrata a vida de uma mulher trabalhadora de uma fábrica russa durante a era Tzarista. Realizando trabalhos manuais árduos e lutando para sobreviver, Pelageya Nilovna Vlasova é a verdadeira protagonista; seu marido, alcoólatra, a agride fisicamente e deixa toda a responsabilidade de criar seu filho, Pavel Vlasov, para ela. Entretanto, ele morre inesperadamente. Pavel visivelmente começa a imitar seu pai em sua embriaguez e gagueira, mas de repente se envolve em atividades revolucionárias. Abandonando a bebida, Pavel começa a levar livros para sua casa. Por ser analfabeta e sem interesses políticos, Nilovna a princípio se mostra cautelosa com as novas atividades de Pavel. No entanto, ela quer ajudá-lo.
Pavel representa o espírito revolucionário socialista. Nilovna, movida por seus sentimentos maternos e, embora sem educação, representa a humildade e simplicidade da Rússia, uma mensagem nacionalista.
O filme inicialmente segue as mesmas linhas do livro, mas acrescenta a temática revolucionária para ir além e acrescentar valor.
O filme começa com a famosa cena, muito bem composta entre planos, do pai, já ébrio, se chegando em casa. Ele pega uma cadeira, sobe nela e vai em direção ao relógio. A mãe entende tudo na hora: ele quer vender o único relógio da casa para comprar bebida.
A mãe então se projeta sobre o homem e na ânsia de impedi-lo, acaba derrubando-o, que na fúria a agride com tapas, sendo intervindo pelo filho que o ameaça com uma ferramenta. O pai então desiste e vai embora, levando o ferro de passar roupa para trocar por bebida. A tragédia clássica.
Chegando no bar, ele tenta trocar o ferro, mas o dono do bar se recusa a aceitar. Trabalhadores da fabrica local que planejam a próxima greve no bar ficaram chocados com a cena do homem quase agredindo o dono do bar por bebida, e eles oferecem um copo de vodka ao homem.
Eis que vamos a grande greve. O filho se solidariza com o movimento e apoia a greve. Já seu pai é cooptado como segurança da fábrica para ser força repressora contra a greve. Os planos da fábrica são muito bem feitos e significativos para o filme, lembrando bastante um clássico do cinema brasileiro "Eles Não Usam Black Tie", de Leon Hirszman que provavelmente se inspirou no clássico de 1926.
Para resumir a história, uma confusão acontece a pancadaria se desenrola entre os trabalhadores e os seguranças da fábrica. A polícia é acionada, e simplesmente fuzilam os trabalhadores sem a menor chance de defesa, uma óbvia crítica a polícia dentro do regime monárquico e do autoritarismo da elite russa.
O pai acaba morrendo durante a confusão e o filho é preso. Na cena do julgamento do filho, os juízes que são três, são muito bem representados e bem trabalhados esteticamente na ideia de parecerem funcionários públicos e burocratas que apenas usurpam o Estado. Durante a apresentação da defesa, um dos juízes desenha, enquanto outro folheia papeis e olha o relógio, como se o julgamento estivesse decidido desde antes de começar.
O filho é considerado culpado, mas não se sabe pelo que exatamente, e a mãe em um ato desesperado confronta os juízes: "isso que consideram justiça?".
Na prisão, os trabalhadores que sobreviveram organizaram um grande evento para o 1° de maio: uma grande greve e passeata. Uma rebelião começa simultaneamente na prisão contra as más condições dos presos, uma óbvia construção da opinião do diretor Pudovokin em dizer que via o movimento dos trabalhadores como junto ao movimento contra o aprisionamento em massa, ou seja, via a prisão como aparato da burguesia.
A mãe está desesperançada. Ela anda pelas ruas sem rumo e se depara com uma mãe, em tradicionais vestes russas e amamentando um bebê menino, se enche de esperança e adere as passeatas doa trabalhadores no 1 de maio, caminhando pelas ruas e agitando bandeiras.
O filho consegue fugir da prisão da rebelião, fugindo no meio do lago congelado, sob a mira doa rifles dos guardas, uma cena bem feita para os padrões cinematográficos da época. Uma sequência que merece ser estudada em termos de técnica, composição e montagem. O filho é então abraçado e salvo pelos braços do povo.
A polícia é acionada e a cavalaria é convocada para reprimir a greve. Mais uma vez a polícia atira nos trabalhadores desarmados e derrubam o trabalhador do movimento que carregava a bandeira. A mãe é tomada por um súbito e percebe ao ver a cena: ela não tinha mais nada a perder. Ela corre, pega a bandeira e confronta sozinha a cavalaria, sendo morta brutalmente pelos soldados impiedosos, em uma cena onde a montagem, entre sombras e movimento, asfixiam o espectador.
A mãe morre no final, em uma mensagem muito mais pessimista mas também mais revolucionária do que o livro. A mensagem é que diferente de 1906, onde Gorky acreditava que o nacionalismo devia caminhar com o espírito revolucionário, buscando combater o desânimo do povo pela derrota na Guerra de 1905; Pudovokin acreditava que a humildade e simplicidade nacionalista do povo russo havia sido destruída pela elite russa na sua forma de tratar o povo.
A sentido técnico, a narrativa de Pudovokin serviu de inspiração para diversos filmes e personagens centrados na figura e arquétipo da mãe, assim como outras personagens femininas do cinema, como as de Felini.
Seu sacrifício final foi interpretado por outros cineastas sem o mesmo compromisso revolucionário como o sacrifício que todas as mães fazem por seus filhos, sendo até mesmo capazes de dar suas vidas. Mas também pode ser lida como mensagem de perseverança com a revolução de 1917, para o povo russo não esmorecer com a morte de Lênin, ocorrida dois anos antes.
Suas estruturas estéticas em linhas e ângulos geométricos inspirados em Rodchenko, tornam o filme visualmente agradável e fluído em sua montagem, dando um ar contemporâneo a sua estrutura que combina com as temáticas igualmente atuais do filme, chocando muito menos o espectador de hoje em dia do que o da época do filme. Eisenstein chamaria de "montagem intelectual".
Pudovkin sempre se destaca dos outros cineastas soviéticos por seu estilo etnográfico e quase antropológico. Muitas cenas eram filmadas junto as tribos e aldeias do interior da antiga União Soviética. Para ele era nesse contato com o "povão" estava a verdade cinematográfica, e sua estética vislumbra por vezes por parecem um pedaço da história, de uma passado congelado e intocado. Você pode não gostar da União Soviética e do socialismo, mas isso não retira o caráter de originalidade e técnica do filme em termos de estética e temáticas. Uma verdadeira obra de arte.
Você pode conferir o filme aqui:
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