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Vingança e Castigo (2021): Faroeste produzido por Jay Z e dirigido pelo rapper The Bullitts inova em termos de direção e linguagem, mas peca pela falta de verossimilhança com a História



Nat Love, de 11 anos, está jantando com seus pais quando Rufus Buck e seu sócio Cortez chegam. Buck atira nos pais de Nat e depois esculpe uma cruz em sua testa. Vinte anos depois, Love encontra e mata Cortez. Enquanto isso, seus parceiros, o atirador de elite Bill Pickett e o rápido no saque, Jim Beckwourth, que emboscam a gangue Crimson Hood e roubam sua carga de um recente assalto a banco. O único sobrevivente diz a eles que os $ 25.000 que eles roubaram pertencem a Buck. Love viaja para conhecer sua ex-amante Mary Fields, que administra uma rede de bares. Pickett traz notícias do assalto para Love.


A gangue de Buck, liderada por Trudy Smith e Cherokee Bill, liberta Buck à força de um trem saindo da Prisão Territorial de Yuma. Eles revelam que Buck foi perdoado e eles foram pagos para matar os soldados corruptos do Exército dos EUA que guardavam o carro da prisão. Depois de massacrar os soldados, Buck e sua gangue chegam em seu antigo reduto de Redwood City, agora administrado pelo associado de Buck, o xerife Wiley Escoe. Ao saber que Escoe usou a posição para lucrar às custas da cidade, Buck o chicoteia brutalmente e ordena que ele deixe a cidade. Buck reúne os habitantes da cidade e depois de matar, exige que eles arrecadem US $ 50.000 para salvar Redwood, ameaçando matar e queimar a propriedade de qualquer um que resista.




História por trás do filme


Uma produção da Netflix, o título original de trabalho do filme era The Notorious Nine. O filme foi anunciado em julho de 2019, quando Jonathan Majors foi escalado para estrelar. O rapper Jeymes Samuel, mais conhecido como The Bullitts, co-escreveu e dirigiu o filme. 


Idris Elba se juntaria em novembro, e Jay-Z, que produziria o filme, foi anunciado para escrever a música original para o filme. Em setembro de 2020, Zazie Beetz, Lakeith Stanfield, Delroy Lindo e Regina King estariam entre os novos membros do elenco adicionados ao filme.


As filmagens estavam programadas para começar em março de 2020 em Santa Fé, Novo México, mas foram adiadas como resultado da pandemia do COVID-19. Cynthia Erivo, Wesley Snipes e Sterling K. Brown, que foram escalados inicialmente, tiveram que sair devido aos atrasos causados pela pandemia. As filmagens começaram em setembro de 2020, mas foram interrompidas em 15 de outubro depois que um ator de fundo deu positivo para COVID-19.


Majors, que ganhou destaque após seu papel na série da HBO Lovecraft Country, disse que a Covid colocou todos “no mesmo balde”. “Quando não há inimigo, temos uma maneira de nos separar. Eu cresci metodista, eles são batistas na rua … Esse é o jogo de Rufus Buck e Nat Love. É através da narrativa e descobrindo o que nos une, que superamos isso.”




Elba disse que sua atuação “seria diferente se não tivéssemos passado pelo Covid, ele mudou e me amadureceu. Estávamos pensando que o mundo ia morrer. Mas nós nos levantamos. Eu estava saudável e bem. Isso realmente me deu uma perspectiva de mudança de vida.”


Luther foi uma das primeiras figuras públicas a declarar que tinha Covid em março de 2020, e já havia falado sobre o impacto “traumático” em sua saúde mental.




Para Jeymes Samuel e Jay-Z, música e cinema sempre estiveram inextricavelmente ligados. Basta olhar para o álbum de 2007 de Jay-Z, American Gangster, inspirado no filme de Ridley Scott de mesmo nome. Ou Samuel (cujo alter ego musical é The Bullitts) e a colaboração de Jay-Z na trilha sonora da adaptação de Baz Luhrmann de 2013 de O Grande Gatsby.


“Grandes filmes têm melodia para eles”, diz Jay-Z ao THR. “E ótimas músicas, você pode fechar os olhos e vê-las.”


Essa harmonia de música e filme impulsiona The Harder They Fall da Netflix, um faroeste ousado e sangrento co-escrito e dirigido por Samuel que apresenta a faixa “Guns Go Bang”, de Samuel, Scott “Kid Cudi” Mescudi e Jay-Z (que também atuou como produtor no filme). O filme reposiciona o conceito do Velho Oeste de Hollywood. Musicalmente, ele transforma orquestras épicas influenciadas por Leonard Bernstein e as pontuações de Ennio Morricone em reggae e hip-hop.


Agora, “Guns Go Bang” está na lista de finalistas do Oscar na categoria de música original, enquanto a trilha de Samuel está na lista de finalistas na categoria de trilha original. A dupla conversou recentemente com o THR para discutir seu processo colaborativo e suas filosofias compartilhadas sobre música e cinema. Acompanhe algumas declarações sobre o filme de Jay Z e do diretor do filme:


"JEYMES SAMUEL: Nós dois crescemos em lares onde sempre havia faroeste na TV. Como Jay disse, não havia muitos canais naqueles dias. Se seus pais estiverem assistindo, você o pegará automaticamente. Nossa abordagem para fazer a música foi como abordamos o resto de The Harder They Fall, que era que queríamos dar a este western sua própria assinatura, visual e sonoramente. Nós realmente o levaríamos ao redor do mundo, da Jamaica à Nigéria. Se você olhar para a música daqueles velhos westerns, essa não era a música tocada nos dias de cowboy. Quando você ouve Dean Martin cantando “My Rifle, My Pony and Me” no Rio Bravo, Jesse James nunca ouviu nada parecido. Sempre foi música moderna aplicada ao filme de cowboy.


JAY-Z: Coisas que você acha que não combinam naturalmente, na verdade acontecem porque os faroestes eram tão onipresentes. As pessoas na Jamaica estavam se vestindo como cowboys. Eles pegaram música ocidental antiga e fizeram dubs em cima dela.


JAY-Z: Naquela época, estávamos fazendo edições e prestando atenção na história e nos certificando de que estava certa. Obviamente, é uma história fictícia, mas esses [personagens] eram pessoas reais e queríamos homenageá-los. Isso estava em minha mente quando ouvi aquelas cordas. E eu basicamente contei a história do filme nesses 12 compassos. Estava indo e voltando de qualquer perspectiva – às vezes era Nat Love [Jonathan Majors] falando, às vezes era Rufus Buck [Idris Elba], às vezes era os dois. “Os pecados do pai escurecem a porta, eu me tornei você” – isso é Nat Love. Foi uma chance como escritor de explorar a complexidade desses personagens e explorar a transição entre essas vozes.


Cinema e música estão intimamente ligados na arte que você faz. Como a linguagem da música e do cinema podem se informar?


SAMUEL: Eu sempre digo que vejo música e ouço filme. Para mim, eles são um fluxo contínuo de consciência. Uma música é exatamente como um roteiro. Há aproximadamente três atos em uma música. Você começa em um lugar e termina em outro com informações que não tinha no início. Filme é o aspecto visual de uma música. Quando estou assistindo a um filme e estou ouvindo diálogos, estou ouvindo melodia. Quando estou olhando para o movimento, estou ouvindo a pontuação."


Leitura e crítica do filme


Vingança e Castigo é um faroeste inovador. Há uma proposta diferenciada aqui de organizar e pensar o faroeste, havendo uma proposta muito mais psicológica do que narrativa. Começando pela proposta de ser um faroeste totalmente negro. Há pessoas brancas no filme, mas elas são minoria. Há uma proposta estética interessante aqui, mas historicamente difícil de localizar entre passado e presente, algo que pode desagradar bastante os críticos. 


É bem legal como o filme explora as cores, das roupas e dos ambientes, de maneira psicológica, algo que remete bastante aos filmes do cinema novo, onde as cores são dispostas muito mais por sua relação psicológica. Por exemplo, na cidade dos brancos, que é onde tem um banco, tudo no cenário também é branco. Essa forma forçada de representar cenários e coisas, com cores bem forçadas, marcam uma certa influencia do "new wave" do cinema, onde as formas de marcar o sentido são mais destacadas que a tentativa de representar a realidade de maneira verossímil. As músicas são ótimas e o disco com a trilha sonora pode totalmente ser consumido de maneira separada. 


A história e o roteiro são rocambolescos, sem muita profundidade, só marcando uma narrativa melodramática de fundo. As viradas são esperadas e o final não esconde nenhuma surpresa. Talvez a única contradição bem explorada, é o fato do vilão e sua esposa, estarem por diversas vezes certos. Eles querem, inclusive, mudar a forma como a cidade é governada, atacando a polícia. Já o protagonista e seu par romântico são muito individualistas. O herói é vendido como o protagonista altruísta, mas sua jornada é por vingança, enquanto sua parceira fica quieta a maior parte do filme. 


Em outras palavras, esse é um filme que se legitima pela direção e música, que criam uma linguagem única e moderna que mira muito mais numa proposta de dinamismo novista, similar aos animes e quadrinhos. A proposta é pulp, focando menos explicar a história do que manter um constante dinamismo da história, projetando sensações do espectador através da montagem e linguagem. Há uma clara influencia de Carrie (1976) na cena que a tela é dividida. É bem original se pensarmos na questão criativa e de trabalho que dá compor músicas totalmente originais, que tenham haver com aquilo que vai estar em cena, sem nem saber se o que vai estar em cena vai combinar. No fim, a sincronia entre músicas, ritmo e cenas são a melhor coisa do filme, mostrando o como técnicas formais ainda podem tornar o cinema mais interessante sempre. 


Porém, acredito que o grande pecado do filme é ser demasiado incorreto na proposta e representação histórica, focando em uma meta-realidade projetiva que tem mais haver com sentimentos e projeções do que com fatos históricos. É claro, há referências a personagens reais no filme, mas muito pouco do que eles de fato fizeram realmente sem suas vidas é representado, como se nada na História pudesse ser aproveitado de maneira projetiva.  


Por exemplo, Nat Love realmente existiu. Love nasceu escravo na plantação de Robert Love no condado de Davidson, Tennessee, por volta de 1854. Seu pai era um capataz de escravos nos campos da plantação e sua mãe a gerente da cozinha. Love tinha dois irmãos: uma irmã mais velha, Sally, e um irmão mais velho, Jordan. Apesar dos estatutos da era da escravidão que proibiam a alfabetização negra, ele aprendeu a ler e escrever quando criança com a ajuda de seu pai, Sampson. Logo adquiriu o dom de domar cavalos. Depois de algum tempo trabalhando em bicos extras na área, ele ganhou um cavalo em uma rifa em duas ocasiões, que ele vendeu de volta para o proprietário por US $ 50 cada vez. Ele usou o dinheiro para deixar a cidade e, aos 16 anos, foi para o Oeste.


Love viajou para Dodge City, Kansas, onde encontrou trabalho como vaqueiro com condutores de gado do Rancho Duval (no Texas Panhandle). De acordo com sua autobiografia, Love lutou contra ladrões de gado e se tornar um atirador especialista e cowboy, pelo que ganhou de seus colegas de trabalho o apelido de "Red River Dick". Em 1872, Love mudou-se para o Arizona, onde encontrou trabalho no Gallinger Ranch, localizado às margens do rio Gila. Ele escreveu em sua autobiografia que enquanto trabalhava nas movimentações de gado no Arizona, ele conheceu Pat Garrett, Bat Masterson, Billy the Kid e outros. No dia 4 de julho de 1876, participou de um rodeio em Deadwood seduzido pelo prêmio de $ 200 em dinheiro. Ele ganhou as competições de corda, arremesso, empate, freio, sela e equitação de bronco. Foi nesse rodeio que ele afirma que amigos e fãs lhe deram o apelido de "Deadwood Dick", uma referência a um personagem literário criado por Edward Lytton Wheeler.


Rufus Buck também existiu. A Gangue Rufus Buck era uma gangue de foras da lei cujos membros eram parte afro-americanos e parte índios Creek. A onda de crimes ocorreu no Território Indígena da área de Arkansas - Oklahoma de 30 de julho a 4 de agosto de 1895.


Formada por Rufus Buck, a gangue consistia também em Lewis Davis, Sam Sampson, Maoma July e Lucky Davis. A gangue começou a acumular um pequeno estoque de armas enquanto permanecia em Okmulgee, Oklahoma. Depois de matar o vice-marechal dos Estados Unidos John Garrett em 30 de julho de 1895, a gangue começou a assaltar várias lojas e fazendas na área de Fort Smith durante as duas semanas seguintes. Em um incidente, um vendedor chamado Callahan – depois de ser assaltado – teve a chance de escapar se pudesse fugir da gangue. Quando o idoso Callahan escapou com sucesso, a gangue matou seu assistente em frustração. Pelo menos duas mulheres vítimas de estupro pela gangue morreram devido aos ferimentos.


Também Cherokee Bill, que foi um bandido norte-americano do século XIX, envolvido em vários atos de derramamento de sangue e roubos por parte de uma gangue da qual participava, principalmente no chamado Território Indígena.


James Beckwourth foi um "mountain man" e explorador dos Estados Unidos, recordado pela sua obra The Life and Adventures of James P. Beckwourth. Nascido na escravatura de pai branco e mãe escrava negra, foi levado pelo pai para Saint Louis e libertado. Entre 1823 e 1924, foi contratado por expedições comerciais que se dirigiam para as Montanhas Rochosas. Casou-se com várias mulheres indígenas e viveu entre os Crow durante aproximadamente seis anos.


Em plena corrida ao ouro da Califórnia, estabeleceu uma rota comercial através da Sierra Nevada. Na Califórnia conheceu o juiz de paz Thomas D. Bonner que em 1856 publicou muitos dos seus relatos e histórias, reavivados hoje em dia em vários textos para crianças. Os mais antigos historiadores do Velho Oeste consideraram irrelevante o livro, mas este tem sido recuperado como fonte incomparável para a história social, nomeadamente para a vida entre os ameríndios Crow, embora alguns pormenores não sejam fiáveis. O movimento dos direitos civis da década de 1960 celebrou Beckwourth como um dos primeiros pioneiros afro-americanos.


Mas não há nenhum registro de que todas essas figuras tenham se reunido em um tiroteio até a morte, ao estilo OK Corral, muito menos que se conheceram. Obviamente o filme procura explorar a noção de que a História seria a "versão dos vencedores", e nada dela pode ser aproveitado, o que é obviamente uma falácia. O filme poderia ter tido o trabalho de representar melhor um acontecimento ou uma ficção com fundo de verdade, parecendo apenas uma disputa de gangues transferida para o western, onde a diferença das narrativas pessoais dessas figuras históricas é usada para questionar o sentido da América para os negros. Para ser herói tem de se fazer tudo certo, quando obviamente está se falando de um processo brutal e opressor de transição para a civilização, baseado na mãe de obra escrava. 


A atuação por sua vez é um destaque positivo do filme. Jonathan Majors é um ótimo ator, um herói automático, e mais uma vez encaixou bem no papel com bastante naturalidade. Regina King continua se mostrando uma grande atriz, em mais uma papel onde ela encaixa perfeitamente e surpreende. Mas é evidente que o melhor ator em cena é Idris Elba, que além de estar interpretando um ótimo vilão, ensejou em alguns momentos o que podemos esperar de uma possível atuação sua como 007, mantendo o mistério e a linguagem corporal necessária para um personagem ambíguo e contraditório como James Bond. 


No fim das contas Vingança e Castigo é um ótimo faroeste. Explora bem arquétipos e temáticas típicas do gênero. Possui uma ótima direção e trilha sonora. Mas peca pela falta de historicidade e verossimilhança com a realidade, tornando ele um filme mais divertido e de entretenimento do que um filme com uma mensagem. Entretanto, não abriu mão de uma bandeira ideológica em sua produção (a questão racial) tornando profundamente contraditório o sentido final do filme. É divertido, o diretor tem talento e quero ver futuros filmes dele, mas a falta de uma mensagem final ou um subtexto melhor trabalhado joga o filme para baixo e torna sua presença nos circuitos temporária. 




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