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Loucura Americana (1932): Sistema bancário serve como metáfora do cinema durante a Grande Depressão


American Madness é um clássico filme de Frank Capra. Com fotografia de Joseph Walker, e sendo o primeiro roteiro original de Riskin. O filme também marcou a série de legendárias colaborações entre Robert Riskin e Capra e o Banco Nacional. A trama começa quando os diretores do banco pensam que o presidente do banco, Thomas Dickson (Walter Huston), está emprestando muito dinheiro para pessoas que os outros sócios mais gananciosos pensam não ter como pagar de volta. Isso tudo durante a arriscada época da Grande Depressão, e por isso que Rom Dickson estava sendo ameaçado de demissão, se recusando a renunciar sua posição na empresa. Mas toda essa trama pode ter um desfecho surpreendente por um fator inesperado: a História


Em plena década de 1930, o Banco Nacional é visto pela primeira vez com seu presidente conversando com um dos porteiros do lugar. Ao ser ameaçado de demissão, Thomas Dickson, um banqueiro que estava do lado dos "menores" na escala social para emprestar dinheiro, fica com problemas pessoais com sua esposa Phyllis (Kay Johnson), que acha que ele trabalha demais e não dá atenção para ela.  Ele argumentava que enquanto o país estava mesmo em recessão, emprestar dinheiro era o que mantinha a moeda circulando, impedindo do processo de recessão ser pior. 


Ela está planejando um encontro especial para comemorar o aniversário deles na noite, porém ele esquece por conta do trabalho e frustra Phillys remarcando, depois esquece de novo ao marcar uma reunião de negócios na hora do encontro. 


 

Três assaltantes liderados por Dude Finlay (Robert Ellis) entram no escritório onde o caixa Cyril Cluett ( Gavin Gordon) é intimidado por ele. Ele deve $50,000 de dívidas de jogo, os bandidos prometem não machucar ele se ele participar do roubo que eles planejam ao Banco Nacional. 



Enquanto isso, os acionistas tentam provocar a renúncia de Tom, argumentando que sua forma de gerenciamento era mais familiar que empresarial. Tom seria um típico democrata da Era de Ouro de Roosevelt, que teria que lidar com a "loucura americana" da especulação e da tragédia anunciada. 




Eles aconselham ele a arrumar um forte álibi para a noite do crime, na cabeça do sedutor Cyril Cluett, a mulher de seu chefe Phillys era a melhor ideia de quem poderia ser. Os assaltantes também avisaram que o roubo ocorreria no meio da noite. A esposa do presidente do banco acha que não teria problema em ficar com Cyril enquanto seu marido Tom está não disponível para ela. 




O que acontece é que Matt Brown (Pat O'Brien) os vê juntos. Ele está esperando na volta do apartamento por lealdade a Tom, seu chefe. Enquanto isso, a gangue assalta o banco e roubam $100,000 dólares do banco. Também roubando um dos guardas que os avistaram. 





O próximo dia é um caos, o roubo ao banco gera repercussões muito negativas junto a população que começa a circular rumores de falência e falta de segurança do banco. 




Enquanto isso os acionistas do banco querem mais do nunca tirá-lo no poder, querendo forçar sua demissão. O banco ainda possuía recursos para pagar com os recursos disponíveis. 




Enquanto a confusão e a turba dançam em ritmo frenético, o dinheiro do Banco Nacional acaba, e para manter a reputação do banco, um dos subordinados tem uma ideia de ligar para aqueles que Tom Dickson havia ajudado no passado, assim o banco é salvo e também o emprego de Tom. Enquanto isso, Brown é considerado suspeito de ser o contato dos assaltantes com o banco, e é defendido com unhas de dentes por Tom. 






Depois disso, a namorada de Brown, secretária de Tom lembra de ter visto Cluett no banco com Dude Finlay antes do assalto. Dickson descobre sobre a história do álibi e pensa que seu casamento havia acabado com a situação com Cyril. 



Tom fica deprimido e fica querendo se demitir. Mas depois dá a promoção para Matt Brown, e "manda" por fim ele se casar com sua namorada, Helen, a secretária de Tom. Pedindo antes para ela reservar uma viagem luxuosa para ele e sua esposa. 




A história dos bastidores e o contexto da indústria cultural em recessão


Enquanto Frank Capra estava na sua lua de mel, Robert Riskin estava finalizando seu roteiro original chamado de Faith, que era sobre um roubo a banco. Aproximadamente, 3,600 bancos americanos haviam falido desde 1929, um quinto do total. O que explica o pânico da população ao criar filas na cena do filme. 




As repercussões das sucessivas crises geravam um clima de completa insatisfação, táticas como uso de feriado bancário, como  proclamado por Roosevelt impediam que os poupadores conseguissem confiar nos bancos e fazer depósitos neles. Enquanto Edgar Hoover ainda era presidente, os americanos guardavam quase 100 milhões com medo de depositar nos bancos. A consequência foi um déficit considerável para o tesouro americano. Enquanto Faith começou a ser filmado durante a campanha presidencial de 1932,  Roosevelt foi eleito com a pauta de ressuscitar o a confiança no sistema bancário americano. Seu lema era "put their money to work" fazer o dinheiro circular.  


O método para fazer isso era exercer o crédito, a fidúcia necessária através de visão que analisaria o crédito para além do viés puramente empresarial e fisiológico. Para os outros acionistas do banco, Tom Dickson é democrata típico da época, considerado comunista por ser mão aberta, ou por não ceder para a lógica do "administrador de bens  privado". Mas é exatamente sobre essa loucura predatória dos acionistas misturado com a população em receio , que lembra a mentalidade dos esquemas de pirâmide financeira que contribuiu com a falência do sistema bancário e as sucessivas e cíclicas crises do capitalismo. 


Antes de 1932, a Depressão tinha a reflexão nos filmes através de uma popularização dos filmes de gênero de gangster, como um reflexo da anomia social. Com um quarto dos trabalhadores desempregos. Ou seja, se em 1929 a bilheteria dos filmes pipocou com o advento da tecnologia sonora e também o uso de temas escapistas aumentou a venda de ingressos. Ao fim de 1932 isso já não era a mesma realidade. No ano da eleição histórica de Roosevelt, a indústria refletia sobre a crise geral que anteriormente ajudava a esconder. Frank Capra com seu estilo rebelde audacioso, mas também conservador, popular e católica tinha na Columbia uma necessidade geral e uma certa espera antecipada por suas ideias e filmes. Era o diretor do pequeno estúdio. Como a Columbia era como um estúdio independente, havia muita aproximação dos donos com a intenção de fazer os filmes. O dinheiro e financiamento era conversados diretamente.  


Os estúdios maiores como Paramount e RKO receberam por causa da crise recuperação de um ano, a Fox e a Warner seriam fechadas por falência. A MGM permanecia mais ou menos, como a Columbia também se mantivera. A frase era típica, toda vez que Capra fazia um filme, uma parede era construída no estúdio. Devido ao alto custo de adaptação em direção ao campo da tecnologia de som, todos os estúdios se tornarem endividados com bancos, vindos do leste, dando aos donos de bancos um grande controle dentro da indústria cinematográfica.


A Columbia tornou suas ações públicas para acionistas em 1932, ano de lançamento do filme. Isso quando Joe Brandt vendeu suas posses e Harry Cohn adicionou a sua presidência no estúdio o cargo de chefe de produção, com Jack Cohn na tesouraria com 50% das ações. Até 1932 o fato da Columbia não ter teatros adicionais para a inauguração de seus filmes tornava a companhia fora do alcance dos acionistas de Wall Street, fato que mudou em 1932, quando o estúdio resolveu tornar públicas suas ações. 


A Columbia havia feito parceria com o chamado Back of Italy, que depois foi renomeado de Bank of America, essa parceria envolvia os irmãos Giannini, que fundaram esse banco em 1904. Esse banco ficou conhecido por emprestar dinheiro para os "little guys", pessoas com menos dinheiro. Essa forma de gerenciamento tornou o banco conhecido por emprestar dinheiro mais baseado no carácter da pessoa e na necessidade, do que no retorno stricto senso do empréstimo. 


Capra insere nas metáforas do filme que a economia é uma realidade direta, afetada por pessoas que funcionam como agentes representantes das temáticas apresentadas. Ao transformar o antigo projeto de Faith, o estúdio decidiu demitir o diretor anterior e confiar em Capra, que mudou quase tudo do filme. Sendo o primeiro filme onde ele conseguiu delimitar um estilo próprio, como Capra disse ele mesmo em uma entrevista em 1975. Uma das cenas finais da série Twin Peaks onde Audrey Horne se acorrenta ao banco da cidade, por exemplo, parece enormemente inspirada por American Madness e na estética de Capra. 


A mulher que quase trai o presidente do banco, tem paridade com alguns acontecimentos da vida de Frank Capra, que foi traído e por isso coloca essa questão em toda sua obra. Como Tom na comparação também é Capra, se pensarmos que são as ideias dele que eram rentáveis para seu estúdio. Houve também financiamento externo para filmes de Capra como It's a Wonderful Life, e Meet John Doe financiados com essa fonte do Bank of America. Durante a batalha interna pelo poder na Columbia em 1932, Doc Giannini defendeu Harry Cohn da tentativa de "golpe" que a tesouraria de Jack queria dar no estúdio, com a saída de Joe Brandt. O banqueiro se tornou um membro da diretoria do estúdio e um dos três votantes que controlavam as ações do estúdio. 


O Bank of America continuou financiando os filmes, mas em 1932 a Depressão se aprofundava, a os parceiros do Transamerica Corporation estavam em sérios problemas financeiros. Enquanto o estúdio filmava Faith, o banco perdia três milhões em valor de depósitos por dia. A facção dos The Walker eram opostos ao domínio do grupo representado por A. P. Giannini. Esse grupo era conhecido como o grupo dos "banqueiros populistas" pelo apreço maior na sociabilidade dos poupadores enquanto processo de confiança social do que no retorno imediato. 

 

A surpresa de todos na época, era Hollywood fazer um filme de um banqueiro como herói, isso porque na época em que o filme saiu ninguém confiava mais no sistema bancário americano. Enquanto a visão liberal dos banqueiros em sua maioria na época era de reestabelecer o padrão ouro das transações e voltar a controlar o valor da moeda e não o índice de investimento geral. Os "populistas" eram conhecidos no século XIX como a incorporação de tudo que era ruim, e acreditavam que os problemas crônicos de baixo preço no campo eram causados pelos "monopolistas de Wall Street" que causavam problemas na região centro-oeste americana. 


Quando os diretores acusam ele de ser "mais liberal do que nunca" eles estão se falando do conceito de liberalismo para os Estados Unidos. Ou seja, o conceito de "liberal" é usado para definir a esquerda mais do que a direita, diferentemente do Brasil que liberal seria o indivíduo anti establishment. Quando no filme Dickson é acusado de ser liberal, ele continua defendendo isso, dizendo que o problema do país era a pouca fé no sistema bancário, que fazia as pessoas guardar dinheiro em baixo do colchão, em meias, cofres, mas não no banco. 


Ao passar por telefone sem fio a informação do roubo ao banco, que foi de $100,000, o incidente se transformou em um rumor de que o banco havia perdido $5 milhões. Ao falar sobre a ideologia de Capra, o autor do livro "A Catástrofe do Sucesso" demonstra que em termos de ideologia política, Capra era uma incógnita. Apesar de se identificar com as elites educadas, ao mesmo tempo, havia algo de crença na inocência da origem rural, há uma idealização da cidade pequena na América, e uma noção de que a cidade era cínica. Como em Mr. Deeds Goes to Town.  Segundo o autor, apesar da propaganda do filme ser extremamente a favor de medidas de esquerda, o próprio Capra votou contra Roosevelt na eleição. 


O filme Loucura Americana mostra já em seus planos, as pessoa correndo entre o rumor e a mentira, a verdade e a confiança. Donald Willis por exemplo diz em seu estudo sobre Capra que a variedade dos assuntos abordados em seus filmes expressavam essa confusão ideológica. Podendo Capra ser visto como um autor que advogada para o comunismo, fascismo, marxismo, populismo, conservadorismo, anti-Hooverismo, como também Macarthismo, e outros. Frank Capra era um verdadeiro camaleão político, durante os anos 1930 foi mais conservador e republicano, apesar de sempre trabalhar de democratas. Já no período da Segunda Guerra, o diretor foi cada vez mais ficando "democrata". 


Apesar disso tudo e de ser um republicano de carteirinha, Loucura Americana ficou com as posições políticas mais liberais por Riskin. De acordo com uma biografia, durante os anos de da grande Depressão, Capra dedicou seu tempo em ler  Karl Marx, de tanto que a fé no capitalismo naquela época estava abalada. 


A MGM que sempre fez filmes de escapismo mais burguês, chamou esse filme de "propaganda soviética", Frank Capra era um homem que adorava a cultura do 'homem comum', baseada de sua família como imigrante da Sicília,  sendo um dos primeiros diretores a entenderem a ideia de uma identidade do filme estar como uma marca do próprio autor/diretor, um daqueles clássicos casos que estudamos de "republicanos de esquerda". 



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