Um magnata da música (Denzel Washington) é alvo de um plano de extorsão. Preso em um dilema moral entre a vida e a morte, ele é forçado a lutar por sua família e seu legado.
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Preciso começar comentando o fato a escolha da tradução do título no Brasil, que pegou a ideia social por trás do titulo original "Highest 2 Lowest", que significaria algo como "do mais alto ao mais baixo", e jogou direto. O título brasileiro passa a ideia, entretanto de uma maneira um pouco equivocada, uma vez que faz parece que esse é um filme "militante" de Spike Lee, quando na verdade o filme pode ser visto como uma ida ao centro de sua ideologia, uma vez que o filme levanta um questionamento cultura que perpassa classes. Ou seja, o filme busca justamente questionar a forma como a luta de classes funciona, apesar de confirmar que ela existe.
Denzel Washington, David King é um magnata da música de Nova York, considerado o dono do "melhor ouvido do ramo" e fundador da Stackin' Hits Records. Tendo vendido sua participação majoritária na empresa, ele pretende recomprar o controle acionário para evitar que uma gravadora rival o compre. Para recuperar a maioria das ações, King oferece comprar a parte de um de seus dois sócios. Para levantar o dinheiro necessário para o negócio, ele oferece como garantia a maior parte de seus bens pessoais, incluindo sua cobertura e sua coleção de arte de artistas negros contemporâneos.
No dia em que o negócio seria fechado, King recebe um telefonema anônimo de um sequestrador exigindo US$ 17,5 milhões em notas de 1.000 francos suíços para libertar seu filho, Trey. King imediatamente liga para a polícia e concorda com sua esposa, Pam, em pagar o resgate, mesmo sabendo que isso colocará em risco o dinheiro necessário para o negócio. Mas Trey logo é encontrado em segurança, pois o sequestrador havia levado por engano Kyle, o melhor amigo de Trey e filho de Paul Christopher, motorista e confidente de King.
Apesar de King estar disposto a pagar o resgate pelo próprio filho, ele reluta em fazer o mesmo por Kyle. E aqui vem a ideia do nome do filme, seja em português, onde o cara rico estava disposto a pagar para seu filho, mas para seu funcionário obviamente não. Percebemos que há uma distinção, uma certa casta na interação. Paul e Trey imploram a King que salve Kyle. O sócio de King o adverte de que não fazê-lo prejudicará a imagem da empresa.
Seguindo as instruções do sequestrador, King coloca o dinheiro em uma mochila, que a polícia marca com um rastreador GPS, vai até a estação de metrô Borough Hall, no Brooklyn, e pega um trem para o Yankee Stadium. Perto do estádio, o sequestrador liga para King e ordena que ele passe entre os vagões do trem. Então, um cúmplice aciona o freio de emergência, o trem para bruscamente e a mochila cai entre os vagões, atravessando a estrutura metálica da linha elevada até a rua. Outro cúmplice, em uma motocicleta, a pega, e a mochila é então passada de mão em mão entre outros cúmplices em motocicletas diversas vezes enquanto eles fogem durante o Desfile do Dia de Porto Rico. Quando a polícia consegue prender o responsável pela mochila, o dinheiro já foi roubado. Kyle é libertado em um parque próximo. Essa sequência é toda muito boa, com uma edição incrivelmente sincronizada com a canção "Puerto Rico" de Eddie Palmieri.
As ações de King o transformaram em um herói para o público, pois ele foi filmado e a cena dele deixando o dinheiro cair virou um reels viral. Por isso várias músicas da Stackin' Hits estão subindo nas paradas de sucesso. Mas os credores dos US$ 17,5 milhões de King dizem que ele deve pagar em duas semanas ou começarão a confiscar a garantia que ele usou para obter o empréstimo, já que foi acordado que o dinheiro seria usado apenas para o resgate. King quebrou o contrato ao usar o dinheiro para pagar o resgate de Kyle em vez de comprar ações da Stackin' Hits. Kyle não consegue identificar seu sequestrador, mas se lembra de ter ouvido uma música hip-hop peculiar enquanto estava em cativeiro. A canção em questão é a Trunks, de A$AP Rochy.
King, ouvindo uma playlist de demos que Trey preparou para ele, reconhece a voz de um rapper, Yung Felon, como sendo a do interlocutor. A polícia não considera isso conclusivo, então King e Paul, ambos armados, rastreiam o endereço de Yung Felon por conta própria. Lá, King conhece sua esposa, Rosa, e seu filho pequeno, David. Rosa conta a ele que "Archie" (nome verdadeiro de Yung Felon) é um ex-presidiário e aspirante a rapper que idolatra King.
Acreditando que ele quer contratar Archie para sua gravadora, Rosa leva King até seu estúdio de gravação, onde ele confronta Archie. Em uma batalha de rap improvisada, Archie diz que via King como uma figura paterna e recorreu ao sequestro depois de ser ignorado por ele durante anos. Um tiroteio começa e Archie foge para uma estação de metrô elevada próxima. King o persegue até a plataforma e para dentro do trem, finalmente o alcançando entre os vagões e o deixando inconsciente. Enquanto isso, os detetives encontram o dinheiro do resgate no apartamento de Archie.
King oferece a Paul a oportunidade de fazer parte da nova gravadora. Paul, que perdeu o olho esquerdo no tiroteio com Archie, recusa "respeitosamente". Archie aceita um acordo judicial, cumprindo uma pena de 25 anos de prisão em troca de um novo encontro pessoal com King. Quando se encontram, Archie tenta convencer King a contratá-lo. Ele se tornou o artista musical mais ouvido do mundo desde o sequestro e afirma já ter recusado diversas ofertas lucrativas. King diz que deixou a Stackin' Hits Records para criar uma nova gravadora, menor, e rejeita Archie, que explode de raiva e decepção.
Entretanto, apesar de recusar, nessa sequência tem uma sequência muito louca de King curtindo o som de Archie, que é na verdade a música Trunks. Essa cena é muito simbólica, pois reflete que sonoramente King curtiu o som e sabe que é exatamente o tipo de som que ele produz, mas as circunstancias e a fase (financeira) da vida de King, impedem que ele feche com a "ralé".
Em sua cobertura, King, Pam e Trey fazem um teste com Sula, uma cantora e compositora descoberta por Trey. A apresentação de sua música "Highest 2 Lowest" impressiona os Kings, que se oferecem para contratá-la para sua nova gravadora.
A ideia aqui é tão sutil que é difícil de perceber. O ponto do filme é que por mais consideremos as atitudes de King erradas, cercadas por um certo elitismo de "novo rico" que se enxerga como superior, afinal ele "venceu na vida"; por outro lado a ideia cultural daquilo que seria de "bom gosto" ou de "boa qualidade", implica em princípios elitistas dentro da elaboração da arte. Não atoa que chamamos de "alta" cultura quando queremos falar que uma obra artística é bem executada. Obviamente Sula tinha mais talento, cantava muito mais que Archie, mas foi o rap, exatamente aquele como feito por Yung Felon, que fez King chegar ao status que possui. A atitude de Yung Felon, por mais que louca e criminosa, possui algo de infantil, como um filho que pede atenção. Além disso, ele está influenciado pela cena de gangsta rap que King ajudou a formar, vendendo a ideia de que é legal ser "criminoso" e "malandro".
Essas ideias são reforçadas pela repetitividade e batida chiclete da canção Trunks, que não é uma canção ruim mas no filme é colocada de maneira tão ridícula que me fez pensar: "Como o rapper aceitou isso?". E por mais que eu seja fã de rap e a situação do rap nacional seja bem diferente, é difícil não dizer que a cena está se degringolando. Primeiro pela modernidade. Hoje em dia o trap, sua velocidade e repetição, combinam muito mais com a modernidade e o ritmo de vida dos jovens. Por outro lado, vemos o perecimento da mentalidade rap clássica. Tem dúvida? Olha Kanye West, olha o Sean Diddy e olha até mesmo o Jay Z. Inclusive, é nesse último que o personagem do King mais parece inspirado.
Por parecer ignorar esse contexto e trazer um ponto de vista divergente do meu mas que possui pontos interessantes, gostaria de trazer aqui uma opinião sobre o filme que li no Reddit ao pesquisar mais sobre o filme no Google. Em uma análise sobre o filme, intitulada "A virada reacionária de Spike Lee em Luta de Classes", um usuário escreveu:
"A história do Kurosawa girava em torno do paraíso precário do protagonista, cujo mundo de ordem e ambição é estilhaçado quando o inferno de uma sociedade fraturada invade violentamente sua vida. A tensão vinha dessa colisão constante entre a aspiração individual e a desintegração coletiva. Lee, em contraste, muda o foco para um retrato autoindulgente do personagem interpretado por Denzel Washington. Ele é apresentado como um homem negro que conseguiu, que personifica o triunfo de elevar a cultura negra à sua forma mais alta, sitiado não pelas forças estruturais da opressão, mas por um mundo hostil reduzido principalmente à cultura decadente. O inimigo nesta história não é o racismo sistêmico ou a dominação econômica, mas a degeneração do rap, retratado como uma forma de arte corrompida por sua obsessão por sucesso e fama vazia. Contra esse pano de fundo, está a mulher que o personagem de Washington nota no final, que simboliza a pureza e uma alternativa redentora. Essa estrutura produz uma imagem profundamente conservadora: um artista negro digno e realizado, cercado pela cultura popular vulgarizada, ansiando por uma salvação pessoal idealizada."
Não acredito ser uma virada conservadora. O que é preciso entender é que apesar da boa descrição que essa opinião faz do filme, ela chega em conclusões errôneas por não entender que o filme busca ser uma representação do mundo, da realidade atual e seu contexto. Sobre a degeneração do rap através da fama e sucesso vazio, é uma ideia que tem muito haver com o contexto atual, e por mais que se você olhar para "outros lugares" vai ver que podem existir bons rappers surgindo pelo mundo, aquilo que podemos chamar de Hip Hop hegemônico, está em forte revés justamente por apresentar essa característica vazia da fama. Da forma como fez, Spike Lee fugiu da crítica que poderia receber de ser contra a ascensão social dos negros. Também não é sobre o rap ser uma "arte degenerada". É sobre como uma coisa subverte a outra: sem a novidade, o capitalismo, a indústria cultural e, no caso, musical, não conseguem sobreviver e por isso precisam existir artistas a sumir de vistas e novos sucessos. Por outro lado, ao esses artistas populares serem "descobertos" e difundidos, a essência que os tornava interessantes por falar de um lugar, de uma região, de um ponto de vista e eu lírico; se dilui justamente por seu sucesso.
Isso faz com que o filme seja muito atual e critico, entretanto, para poucos. Nem todos estão dispostos a aceitar a ideia de distinção cultural associada a algo que deveria ser cultura popular, como o rap, algo que todos ainda associam erroneamente a "cultura do gueto". Porém isso já aconteceu com outros gêneros musicais, não é mesmo? Daí a ideia do nome do filme, uma disputa entre "pobre" e "ricos", ganha mais sentido, uma vez que ganha mais dimensões. A disputa não seria só financeira e material, seria também cultural. King chegou lá mas se tornou elitista culturalmente, pois afinal agora é a essa classe que ele pertence.
Um filme muito interessante, um dos melhores do ano, mas que pode não agradar a todos por ser muito sutil. A ideia desse filme me lembrou em muito A Hora do Show (Bamboozled, 2000), também de Spike Lee. Porém, aquele filme era explícito em sua critica, satírico, quase com um humor de esquete. Já Highest 2 Lowest tem um jeito sutil de apresentar a ideia, que faz com que o filme ganhe mais valor e peso conforme é reassistido. Guardem o que digo: daqui há uns anos esse filme será considerado um clássico cult.










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