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Godzilla Minus One (2023): Filme sintetiza a Cultura Popular com a História do Japão


Devastado pela Segunda Guerra Mundial, o Japão enfrenta uma nova crise na forma de um monstro gigante, o Godzilla, onde o protagonista Shikishima sem perceber terá sua vida completamente afetada em confluência com os rumos históricos do Japão


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Godzilla é um dos maiores ícones do cinema mundial. Existindo na cultura pop pelo menos desde dos anos 1950, quando saiu o primeiro filme 1950, quando saiu o primeiro filme, sua inspiração era nos tradicionais Kaijus da cultura japonesa. Isso quer dizer que por mais que o Godzilla seja uma criação do cinema, ele é inspirado em figuras semelhantes do folclore japonês. Isso sempre me pareceu interessante pelo fato de que, então, Godzilla é a cultura popular folclórica sintetizada na tela do cinema. Ou seja, é a cultura popular sendo convertida em cultura de massa. Aquilo que era restrito às superstições dos camponeses iletrados, se convertendo em cultura para as massas urbanas. 



Por acaso, essa reflexão tem tudo haver com o mais novo filme do Godzilla, Minus One ou "menos um" traduzindo. O mote do filme é em 1945, perto do fim da Segunda Guerra Mundial, e logo antes do primeiro filme (por isso "menos 1").  O piloto kamikaze Kōichi Shikishima pousa seu Mitsubishi A6M Zero na base japonesa na Ilha Odo. O mecânico-chefe Sōsaku Tachibana deduz que Shikishima fugiu de seu dever fingindo problemas técnicos. 


Naquela noite, Godzilla ataca a guarnição. Shikishima tenta atirar no monstro de seu avião, mas congela e fica inconsciente. No dia seguinte, Tachibana e Shikishima foram os únicos sobreviventes, com o primeiro furioso com o último por não ter agido.



Aqui caímos na situação moral que vai impactar todo o filme, que é o fato de ser julgado o fato do piloto não fazer nada. Era óbvio na situação do ataque que se Shikishima tivesse atirado contra o Godzilla, ele seria apenas mais uma das vítimas na situação. Seu medo foi na verdade um mecanismo de proteção que fez com que ficasse vivo, afinal o monstro é só um animal furioso. 


Já a raiva do mecânico em relação a inatividade do piloto reflete a sua própria incapacidade, afinal ele mesmo não fez nada pois ser apenas um mecânico. Em outras palavras, se espera que o soldado morra no cumprimento do dever, mas não do mecânico, que é tão incapaz de lidar com a crise como ele. Não sei o por que, mas esse momento me pareceu estar falando dos pilotos kamikazes: Esperava-se que ele aceitasse morrer como o resto do grupo, mas o que 1 a menos ou 1 a mais vai fazer de diferença? Como a ideia toda de se morrer na guerra não valer nada, muito reflexivo esse paradigma moral. 



Shikishima volta para casa e descobre que seus pais foram mortos no bombardeio de Tóquio. Isso o faz se sentir culpado por não ter atirado contra o monstro. Atormentado pela culpa do sobrevivente, ele se culpa acreditando que se tivesse atirado no Godzilla eles talvez continuariam vivos. No meio disso, ele conhece e se envolve com uma mulher, Noriko Ōishi, cujos pais também morreram no bombardeio, e um bebê órfão, Akiko, que Noriko resgatou. 


Ele encontra emprego a bordo de um caça-minas encarregado de eliminar minas navais da Segunda Guerra Mundial e passa a viver com a sua "família de step". É engraçado isso pois esse período do pós-guerra, vendido pelos EUA como "período dourado", era marcado por uma profunda fragmentação e crise para o Japão.



Enquanto isso, Godzilla sofre mutação e é fortalecido pelos testes nucleares dos Estados Unidos no Atol de Bikini, onde os projetos de Oppenheimer são vistos como uma mera forma de fortalecer o ódio de Godzilla. Devido às tensões da Guerra Fria, a União Soviética e os EUA não oferecem qualquer ajuda, exceto alguns navios desativados da Marinha Imperial Japonesa, aprovados pelo General Douglas MacArthur, e governo japonês, preocupado em não induzir o pânico, não notifica o público sobre o perigo.


Em maio de 1947, Shikishima e sua tripulação de caça-minas viajam para as Ilhas Ogasawara e têm a tarefa de impedir a aproximação de Godzilla ao Japão por tempo suficiente para que o cruzador pesado Takao o alcance em seu retorno de Cingapura ao Japão. Godzilla os ataca e os persegue, mas é ferido quando uma mina liberada pelo Shinseimaru é detonada dentro de sua boca, causando sérios danos faciais. Godzilla regenera seu ferimento e se prepara para destruir o caça-minas, apenas para Takao chegar e enfrentá-lo na batalha. 



Embora Takao consiga atordoar Godzilla com suas armas principais, ele é destruído pelo raio de calor do monstro. Depois de retornar a Tóquio, Shikishima conta a Noriko sobre seus encontros com Godzilla. Dias depois, Godzilla chega ao Japão e ataca Ginza, onde Noriko trabalha. Ela sobrevive por pouco ao ataque inicial e se reúne com Shikishima. Enfurecido pelo fogo dos tanques, Godzilla destrói grande parte do distrito com seu raio de calor, matando dezenas de milhares. Noriko empurra Shikishima para um lugar seguro, mas é pega pela explosão e dada como morta. Devastado pela perda, Shikishima jura vingança.


Frustrado com a inação do governo, um dos tripulantes do caça-minas, o ex-engenheiro naval Kenji Noda, elabora um plano para destruir Godzilla, atraindo-o para a Baía de Sagami antes de cercá-lo com tanques Freon e rompê-los, diminuindo a flutuabilidade da água e afundando-a, deixando a pressão da água resultante esmagá-lo. Caso o plano falhe, balões serão inflados sob Godzilla para forçá-lo a subir, matando-o por meio de descompressão explosiva. 



Para implementar seu plano, Noda recrutou veteranos da Marinha para tripular destroieres IJN desarmados. Shikishima recruta Tachibana para consertar um caça Kyushu J7W Shinden quebrado. Ele planeja matar Godzilla em um ataque suicida (kamikazi), voando em sua boca e detonando as cargas explosivas a bordo. Ele deixa Akiko aos cuidados de sua vizinha Sumiko antes que Godzilla reapareça.


Enquanto Shikishima atrai Godzilla para a armadilha preparada por dois destróieres, Sumiko recebe um telegrama destinado a Shikishima. Godzilla sobrevive ao mergulho inicial e então se liberta antes de ser forçado a subir, sofrendo ferimentos graves devido ao trauma induzido pela descompressão resultante. Com a ajuda de uma frota de rebocadores, os navios transportam Godzilla para a superfície.

 

Godzilla enfurecido se prepara para destruir todos os navios com sua baforada atômica, mas Shikishima bate o avião na boca de Godzilla e destrói sua cabeça, fazendo com que a energia do raio de calor destrua seu corpo. A tripulação comemora enquanto Shikishima é ejetado antes da explosão e salta de paraquedas para um local seguro, tendo lembrado que Tachibana lhe mostrou um assento ejetável instalado no Shinden, implorando-lhe que abandonasse sua culpa para continuar vivendo.


Ao voltar para casa, Sumiko entrega o telegrama a Shikishima, que o leva a um hospital onde ele se reúne com Noriko, que sobreviveu à destruição, mas está machucada e tem um hematoma preto subindo pelo pescoço. Enquanto isso, um pedaço da carne de Godzilla começa a se regenerar à medida que afunda no oceano.


Em outras palavras, Shikishima ficou tão preocupado em corrigir o erro do dia que não atirou que ele não percebeu a oportunidade que a tragédia trouxe para sua vida. Ele perdeu parte de sua família, mas ganhou uma nova. Ele não valorizou, afinal era uma família step uma vez que o filho não era seu e a mulher ele só conheceu pela tragédia. Ele não percebeu o quanto essa família step era importante até perceber que podia perdê-los. O que adianta vencer o Godzilla se perder sua vida pessoal? 





Isso diz muito sobre sobre o sentido do filme para a franquia Godzilla, onde sempre me questionei se a motivação dos personagens em deter o monstro não dizia mais sobre essas pessoas do que sobre o monstro. No Godzilla clássico, era uma motivação científica. No Godzilla Vs Kong original, a ambição de um empresário de um ramo farmacêutico. No Godzilla de 2014, o personagem de Bryan Cranston tinha como motivação o interesse científico mas também querer vingar a morte de sua mulher, que morreu perante seus olhos e ele não pode fazer nada pois tinha que manter um procedimento científico. E em Minus One, é a mera vingança, nos fazendo questionar as intenções que motivam aqueles que querem parar o Godzilla.


Entretanto, essa é apenas a moral do filme. Porém, em um contexto atual em comparação com o contexto do filme, o que de fato o filme quer dizer? Bom, o filme nos coloca no contexto do pós segunda guerra. Entretanto, mostra todo o contexto, ideologia e estética militar do Japão naquela época. Quando se pensa no Japão do contexto da Segunda Guerra, duas coisas ressaltam a atenção: o alinhamento ilógico com o Eixo (Alemanha e Itália) e os kamikaze e a tradição de submissão ao ideário monarquista. 



Se alguém não sabe, Kamikaze eram os pilotos de aviões japoneses carregados de explosivos cuja missão era realizar ataques suicidas contra navios dos Aliados nos momentos finais da campanha do Pacífico na Segunda Guerra Mundial. O nome oficial dos camicases originais era Tokubetsu Kōgekitai (Unidade de Ataque Especial), também conhecidos pela abreviação Tokkōtai ou Tokkō. As unidades da marinha eram chamadas de Shinpu Tokubetsu Kõgekitai (Unidade de Ataque Especial Vento Divino), em alusão a tempestades que salvaram o Japão do ataque mongol em duas ocasiões (1247 e 1281), portanto os pilotos suicidas iriam salvar novamente o Japão de novos mongóis: os estadunidenses. 


Uma coisa que sempre pensei sobre esse tema é o seguinte: Os kamikaze não são a transposição perfeita da ideologia por trás do Seppuku/Harakiri transposto para o contexto das guerras modernas? Sim, pois na verdade não era totalmente real. Não há uma precisão real de quantos kamikaze foram realmente jogados (apesar do governo da época dizer que derrubaram algo em volta de 81 navios), e pior: não se tem comprovação alguma se o ato kamikaze era um diferencia das batalhas, uma vez que o Japão foi derrotado mesmo assim. Era divulgado pela imprensa e o governo apenas o que pudesse servir como propaganda, incluindo relatos e testamentos demonstrando o espírito japonês. 


Então se inicialmente pensamos "que burros, se matando por uma guerra perdida", pensem de novo a luz de que poderia ser mera propaganda de Estado: fotos (montadas ou não), notícias e dados fabricados por um Estado autoritário. O objetivo não era ganhar a guerra, mas sim convencer o público de que aquelas medidas de Estado eram necessárias e que o Japão, pela ideologia e estética de seu povo, poderia ganhar. Isso revela, na verdade, o poder contemporâneo que a propaganda desempenha na política, onde o marketing ganha a função de refletir e refratar os anseios e mística popular sobre a política. 


Ou seja, sempre se refletiu que era um exagero o ato da Bomba Atômica contra o Japão representado na figura de Gojira, mas nunca se colocou isso em paralelo com o fato do Japão estar do lado dos nazistas na Guerra. Refletindo em relação ao Godzilla, sempre se questionou o fato do Godzilla destruir a cidade como errado, mas pouco se questiona sobre as motivações egoístas e pouco ecológicas daqueles que tentam o parar, afinal ele seria apenas um ser da natureza em sua realidade. E Minus One contrapôs isso muito bem, uma vez que até se consegue parar o Godzilla, mas com uma estratégia kamikaze, que mesmo que não tenha matado o protagonista no final, destruiu sua vida. 


Nesse ponto a ideia kamikaze ganha um novo sentido: era a metáfora em si do que o Japão estava fazendo consigo na guerra, se autodestruir. Shikishima e o Godzilla era um só, e ao derrotá-lo, como um kamikaze, ele derrotou parte de si próprio. 


Segundo o diretor de Minus One, a ansiedade mundial e a falta de confiabilidade do governo durante a pandemia se tornaram uma de suas principais inspirações para a história e Yamazaki esperava que esses eventos fossem refletidos claramente no filme final. Ele evitou ambientar o filme no Japão moderno e ter que se inspirar no desastre nuclear de Fukushima em 2011, pois acreditava que se tornaria muito semelhante a Shin Godzilla (2016). Em vez disso, Yamazaki decidiu ambientar o filme no Japão do pós-guerra, permitindo que Godzilla Minus One explorasse os temas antinuclear, anti-guerra, trauma, esperança, culpa, e redenção. Godzilla também simboliza a perspectiva japonesa do holocausto nuclear no filme, semelhante ao filme Godzilla original de 1954.


Yamazaki decidiu incluir o cruzador pesado Takao, o caça Shinden, os destróieres Yukikaze e Hibiki porque ele é um fã de história militar e nunca os havia retratado antes. 


Yamazaki foi inspirado em Godzilla, Mothra e King Ghidorah: Giant Monsters All-Out Attack (2001) de Shusuke Kaneko - que ele citou como um de seus filmes favoritos de Godzilla - enquanto escrevia o roteiro de Godzilla Minus One. Ele refletiu em uma discussão com Kaneko: "Eu tinha esquecido o conteúdo do GMK por um tempo, mas parece que pensei conscientemente sobre isso ao escrever o cenário para -1.0 . Sem perceber, eu estava sob considerável influência". Godzilla Minus One também foi fortemente influenciado pelo filme de 1954, Shin Godzilla (2016), Tubarão de Steven Spielberg (1975) e Guerra dos Mundos (2005), e os filmes de Hayao Miyazaki. O diretor de Godzilla (2014), Gareth Edwards, identificou os filmes de Spielberg, Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977) e Jurassic Park (1993), e Dunkirk de Christopher Nolan como outras influências evidentes no filme.


Em outras palavras, como conhecedor profundo da História do Japão e da mitologia do Godzilla, o diretor do filme mesclou as duas ideias, onde o Godzilla é um demiurgo que representa a necessidade do povo por novidades, mas que ainda estão apegadas a sua tradição e suas próprias representações: Se busca a novidade tecnológica e modernidade, mas ainda se reproduzem problemas e hierarquias de um país que está agarrado a sua própria tradição histórica. Assim, a destruição causada pelo Godzilla, apesar de trágica, impede o ser humano em trilhar o caminho para sua própria autodestruição, fazendo-o valorizar aquilo que antes era comum e ordinário. 


Um ser mitológico sendo rememorado pela cultura de massa como um ícone da mensagem anti-guerra e anti-nuclear, para que a comunicação de massa não represente apenas os interesses imediatos, criando um norte do que é "aceitável" ou "legal", inspirado na própria cultura popular do país, refletindo-a e representando-a, e não apenas ditando de cima para baixo aquilo que seria aceitável da cultura popular perante a erudição. Tentar calar essa voz e esse anseio seria sempre a receita para o caos e a destruição. 



Um filme muito interessante, com uma moral e uma mensagem muito atuais e necessárias. A estética do filme é sensacional. Tudo faz sentido pois parece que finalmente estamos vendo Godzilla em relação ao contexto e estética da época em qual foi criado, e não apenas uma ideia de aceitação posterior ou futurista. Aqui o fato de ser um filme histórico deu toda a diferença estética ao filme. 


Os efeitos vistos nesse filme, como a própria representação do Godzilla em si são as mais bonitas que já vi até hoje. Não existe Godzilla mais bem detalhado do que o de Minus One: cada escama ressalta em sua fisionomia. Entretanto, preciso dizer que o filme é meio óbvio. Ele se preocupa em sintetizar coisas que ninguém nunca tinha dito sobre o Godzilla abertamente em um filme, mas eram coisas que todos já pensavam e teorizavam sobre o sentido do monstro. Tudo que ele fez foi representar em tela os anseios e ideias já popularizadas em relação ao monstro. Isso faz com que o filme seja baseado em uma moral apenas, que depende da revelação final do filme para ter impacto. 


Uma vez revelada, já era, você não precisa rever o filme nunca mais, pois já lembra do final, sua mensagem e seu significado que é óbvio: O protagonista ao se preocupar com o problema público (Godzilla), perdeu o que estimava em sua vida privada. Então é um filme muito bom, que eu recomendo muito. Porém é mais intelectual e menos divertido que outros filmes de Godzilla, colocando muito de lado o elemento do tokusatsu e focando em mensagens filosóficas e de vida muito importantes, mas que uma vez entendidas, dificilmente serão esquecidas, e como poucas cenas "divertidas" ou "épicas", se torna um filme muito bom e cult mas que você assiste uma vez para nunca mais. 




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