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Jovem e Inocente (1937): O filme de Hitchcock que foi pioneiro ao criticar o "blackface"

 

Young and Innocent é um filme de suspense britânico de 1937, dirigido por Alfred Hitchcock. O roteiro do filme é inspirado no livro A Shilling for Candles, de 1936, de Josephine Tey. Acompanhamos Erica Burgoyne (Nova Pilbeam), filha do chefe de polícia Constable, que ajuda o procurado Robert Tisdall (Derrick de Marney), acreditando em sua inocência 


O filme tem algumas mudanças do livro, já que a moça era casa com um aristocrata e aqui ela era divorciada. O próprio diretor que fez a maioria das câmeras do filme, e por demos ver que ele também aparece em certa altura do filme. O filme também tem uma característica interessante, já que ele é mais um filme de assistir em casa, transmitido por vídeo no Reino Unido como um tipo de DVD ao estilo de Criterion Collection, também nos Estados Unidos. 



Esse filme vai justiça a tradição progressista do velho diretor, que depois dez uma crítica ferrenha a neutralidade de Chamberlain em A Dama Oculta (1938). Ele sempre tem esse tom político e social escondido nas entrelinhas, mas nesse filme a crítica é certeira. Enquanto a polícia da ficava perseguido o jovem por conta da ligação que ele poderia ter com a filha do chefe de polícia, o assassino se escondia aos olhos de todos em um emprego "normal", já que músicos de jazz ingleses colocavam o blackface para dar o "clima" dos bares agitados de jazz americanos que todos queriam ir. Essa é a contradição do preconceito e do racismo que o filme aborda. 

Uma curiosidade é que Nova Pilbeam quase fez Rebecca, mas perdeu o papel de última hora por pressão dos estúdios, depois ela se aposentou, mas sua atuação dramática é ímpar para dar veracidade ao filme. 

Destaque para a elaborada cena do salão do Grand Hotel, quando o paradeiro do verdadeiro assassino é revelado temos uma surpresa quanto ao trabalho, uma surpresa realmente impactante. 


A social democracia inglesa da época permitia esse costume pois os grandes salões eram segregados (logo, chatos), e por isso que o Hichtcock  critica dizendo que é o assassino que é permitido pelos costumes arcaicos ingleses, como o fato do controle territorial obrigar o rapaz pobre a dormir em um albergue de pobres enquanto a moça dorme no quarto, uma cena de cortar o coração e que mostra que a realidade de um casal de em fuga eles não poderiam nem dormir juntos pela lógica, também uma referência a implementação do hay code nos Estados Unidos e uma série de proibições que traçaram um modelo padrão de tipo de filme aprovado por Hollywood. 

 

Outro clássico do mestre do gênero de suspense. É impressionante como assistir Hitchcock é se preparar para ver um bom filme, o cara nunca "errou" na vida, o difícil é julgar qual filme dele é melhor, até mesmo quando o filme tem pouco orçamento, como o caso desse filme, ele faz uma obra de arte, tem muita percepção daquilo que está em voga no momento e sua obra é viva e antenada. Apesar de ter sido conhecido como mestre do estilo impecável inglês, Hitchcock sabia ser crítico do lado ruim do english way. 


Em uma noite de temporal, na costa praiana inglesa, Christine Clay (Pamela Carme), argumenta e briga com seu ex marido Guy (George Curzon). 



Ele é o verdadeiro assassino e ele é também um músico de Jazz que no fim do filme faz black face, marcando de maneira perfeita a crítica que Hitchcock queria fazer aos costumes ingleses, um filme realmente crítico do velho mestre do suspense, criticando tanto o preconceito social, como hábito draconiaco de músicos de salões de elite (segregados), que por rações de "culturalismo" colocavam coisas como o uso de blackface, como se as próprias pessoas fossem apenas arquétipos ali. 


Hitchcock então critica o primeiro cinema falado de Hollywood e filmes que são "progressistas" como o filme The Jazz Singer de 1927 (considerado um dos primeiros filmes falados de Hollywood) que abordava a vida de um cantor famoso judeu que fazia uma performance com blackface para "homenagear" a cultura negra, pois seria "irmã" da cultura judaica por ser duas culturas altamente segregadas na época em Hollywood, mas muitos criticam o filme pois justifica que "o racismo é impossível de mudar" e temos que aceitar o judeu representando o negro por isso, algo a se debater, é claro. 


Mas a visão de Hitchcock aborda o lado mais sinistro do black face é tipo de homem que comete feminicídios (ele mata em ódio a mulher, por achar que tem o direito pois ela o traiu). Vale lembrar que até mais ou menos os anos de 1980-90, existia no direito brasileiro o dispositivo de "legítima defesa da honra", onde o marido traído poderia matar a esposa por vingar a honra do corno, enfim, dispositivos draconiacos e que eram usados até ontem aqui, imagina o clima de machismo e de preconceito da Inglaterra de 1937, o filme é muito bom por parecer um filme ao estilo John Ford feito por Hitchcock, tem essa pegada de realista que normalmente não é uma preocupação do estilo do mestre.   


Para mim, o melhor do filme é o final, quem resolve tudo é a garota, e ela prende o verdadeiro culpado, que era o músico baterista com blackface, um costume naturalizado nas altas sociedades da época, por conta da segregação formal, ao mesmo tempo que isso mostrava que os brancos invejavam a música negra ao ponto de querer se pintar para dar o "clima de culturalismo" americano que os ingleses também invejavam, enfim, uma crítica poderosa contra o black face muito utilizado na indústria, até mesmo pela ala "progressista" da indústria, uma crítica certamente intencional de Alfred Hitchcock.


O título do filme de 1937 original já é diferente do livro, muda o nome do inspetor, Alan Grant, no filme ele é chamado Robert Tidall, o nome da moça é Erica Burgoyne, Robert Tindall no filme é um jovem acusado erroneamente de um crime, o assassinato de uma mulher casada com quem estava se envolvendo. 


Temos aqui uma mágica muito boa de cena, diferente dos locais de luxo e dos penteados impecáveis, esse filme aborda vida real e pobreza e é do diretor considerado o rei do gênero de noir (mais sobre a elite), nesse filme não tem nada disso, realmente pega aquela influência realista de caras como Hammett, ele corresponde ao seu momento e evolução histórica do cinema, tem um estilo que já reflete as influências de O Falcão Maltês e The Thin Man no gênero de suspense e investigação. 

Nesse filme, Jovem e Inocente são uma referência ao jovem que é incriminado por um crime que não cometeu pelo marido da mulher que ele estava saindo. Ao ser perseguido pela polícia, conhece a filha do chefe de polícia Constable, que o ajuda inicialmente e acaba se convencendo de sua inocência e foge junto com ele, gerando um conflito de perseguição aos dois, já que todos acredita que ele era um assassino por ele ter corrido na tentativa de salvar a moça e ter sido avistado por duas mulheres que testemunharam jurando por isso que o jovem era o assassino.  


É interessante ver como o romance dos dois tem um respeito por parte de Hitchcock, é tratado como algo a mais no filme, embora não seja o foco, tudo é muito real, não temos um teatro de máscaras aqui, e dessa vez gostamos mesmo dos personagens (algo raro nos filmes), . 



O casaco dele tinha sido recentemente roubado, o que deu uma pista para a polícia dele ser culpado. Já que a vítima foi estrangulada com uma corda de casaco. A situação piora pois a viúva tinha deixado dinheiro para o jovem no testamento, ou seja, em termos de pistas, muitos já estavam considerando ele o único suspeito. Então ele é preso e acaba passando mal. 


Os críticos gostaram do caráter dramático e a forma de direção quase imperceptível em termos de cortes. A única crítica negativa do filme é do New York Poster (um jornal da direita), pelo filme ter paisagens mais rurais e populares que o normal clima de elite e mistério combinados normais no gênero, é uma boa resposta ao tipo de resposta prática ao gênero de detetives americano popularizado e inventado por Hammett. Nesse filme, ele está influenciado pela ideia de gênero de detetive americano de Hammett. 


Houve também mudanças no romance. Vemos uma questão interessante, mais uma vez essa questão, mulher inglesa forte, homem inglês mais fraco ou oprimido, por assim dizer, já que armaram para ele. E quem armou para ele? Lembro muito bem de já ter lido um monte de bobagens sobre Hitchcock que não eram verdade. 


Para mim, um cineasta imensamente progressista (de esquerda) que abordava o ethos da elite, mudanças de costumes, o aumento da destreza e da ação das mulheres na sociedade, a possibilidade delas serem até mesmo assassinadas, mas nesse filme a personalidade da heroina, da moça do filme é como se fosse a própria Elizabeth II, ela é filha de uma família de certo poder de moralidade e perseguição e por isso tenta até mesmo manter as idas nas festas de família para manter a rotina (afinal, é a Inglaterra, e a social democracia nunca para), parece uma piada, mas é tudo em tom muito sério mesmo. 


Entendemos no fim, ele era o inocente e era a jovem. Mas no título americano o filme ficou The Girl Was Young (não fazendo sentido nenhum esse, já que a jovem do filme é super madura e prova seu ponto no final). No fim, a mulher resolve tudo e pode ficar com o seu novo namorado através da razão, ela quem tem o cara e é ela quem dirige o tempo todo. 


A participação especial de Alfred Hitchcock é uma ocorrência marcante na maioria de seus filmes. Ele pode ser visto do lado de fora do tribunal, segurando uma câmera, aos 14 minutos de filme. Young e Innocent, como todos os filmes britânicos de Hitchcock, tem direitos autorais em todo o mundo, mas foi fortemente contrabandeado para vídeos caseiros, ou seja é um filme clássico conhecido por ser pirateado em massa. 


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