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A Relíquia Macabra (The Malthese Falcon, 1941): Estrelando Bogart, filme traçou perfil do detetive moderno e teve seu autor perseguido pelo macarthismo


"O Falcão Maltês" de Dashiell Hammett de 1930, publicado originalmente como uma série na revista Black Mask. Em São Francisco, os detetives Sam Spade e Miles Archer tocam um agência de investigação com certa fama no meio. Quando uma moça de Nova York, Wonderly, está procurando a irmã, que está namorando alguém desaprovado pela família, pedindo para investigar o homem. Só que essa investigação pode ser mais complicada do que parece. Filme do diretor célebre John Huston.


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Ele pede para a sua secretária dar a notícia para a esposa Iva pra não ter contato por ele ser um suspeito, todos acham que ele matou o colega para ficar com a mulher de Miles, e é com ela a última cena, já que ele é obrigado a recebê-la. O Sargento-detetive Tom Polhous queria conversar com ele. Um revolver 45. de oito tiros no calibre que não era fabricada mais foi achada na cena do crime na Rua Bush. 


Descobriram que ele esteve hospedado sozinho em um hotel antes de ser morto. Os dois crimes foram ligados e fizeram o uso do jornal para mostrar que os crimes estavam ligados. Iva fala com Sam e ele a abraça. Descobrimos então que ele tinha um caso com esposa do amigo, dá para ver na cena que eles se encontram sozinhos depois da morte do parceiro. ele também manda tirar a placa dupla e mudar para seu nome e sobrenome.



O filme tem a presença de fortes técnicas modernas de fotografia ao estilo de Cidadão Kane, que dão um toque especial ao filme, feitas por Arthur Edeson, o diretor de fotografia do filme, e John Huston, de uma maneira que popularizou a técnica cult do filme de Orson Welles. 


O autor do livro além de mostrar toda uma tradição de detetives democráticos e anti polícia, foi perseguido na era Eisenhower por isso, sendo preso em 1951, por um ano e lavando sanitários da prisão. Vale lembrar que esse excelente filme era o que a Warner fazia em 1941, para você ver como Hollywood morreu em termos de arte. O detetive Sam Spade foi escrito para ser um cara "gente como a gente", que não gosta de polícia e come sua geleia de mocotó no meio do serviço. Além disso, a gíria "X-9", para se referir a um delator, é oriunda de seu quadrinho "Agente Secreto X-9", publicada pela vez em 1934. 



Muitas dessas técnicas que estavam se retroalimentando entre a radiodifusão e as técnicas derivadas das grandes peças de teatro. Na fotografia, o uso de lentes grandes angulares, com tamanho de 21mm e não 24 (como é normalmente), e os raccords de zoom, e como também uso cenários internos.



O autor do livro de Dashiell Hammett foi um detetive de verdade, que largou a escola para trabalhar e sustentar a família aos 14 anos. Aos 20 anos ele foi trabalhar na Agência Pinkerton (conhecida como a melhor agência de detetives do planeta na época), como detetive, antes trabalhou como mensageiro e entregador de jornais, escriturário e também foi estivador. Seu tipo de estória e contos são altamente politizados a sua maneira, e são do gênero hard boiled. 


Além de ter escrito grandes livros como também o "The Thin Man" de 1934, e ter se casado com uma escritora também, ele teve problemas com o macartismo e a perseguição aos considerados "subversivos" na sociedade americana, sendo cancelado e depois preso por não revelar os doadores do fundo para as vítimas do macartismo, por conta disso, passou a ser perseguido e ficou 1 ano preso em uma prisão federal em 1951. Foi um grande ativista político, como também serviu na Segunda Guerra com 48 anos. O cara viveu! Mas achou que tinha que sair da vida de detetive para poder escrever. Escreveu apenas 3 livros e deixou um incompleto.


O filme busca contar logo a história do objeto, um pássaro falcão maltês,  começa a descrição de que em com 1539, os cavalheiros de Malta deram um presente da Ordem dos Templários para Carlos V (o grande unificador do último império do ocidente, do Sacro Império Romano Germânico), com essa noção do objeto específico, como as lendas do Graal perdido e coisas genéricas assim. Mas por trás de todo esse estilo noir e inovador que descreve mais do que inventa um tipo de sociabilidade, a relação dos detetives com a polícia como não sendo um mar de rosas, já que um faz a função do outro. 


Por exemplo, se ele protege a moça porque se envolveu com ela, ele leva a culpa por associação, já que como ele mesmo explica como o parceiro de investigação foi morto pela moça, ser ele não entrega o assassino, a culpa e a responsabilidade recai nele, ainda mais por ele estar como "pessoa de interesse" na vida de Iva, esposa de Miles Archer estavam envolvidos também.  A moral do livro bem moderna é dizer que ás vezes temos que fazer por obrigação o que não queremos. Se ele tivesse protegido a Miss Wonderley, ele estaria protegendo a pessoa que envolveu ele na confusão em primeiro lugar. Quando Sam finge que vai aceitar o suborno, ele estava reunindo já provas da associação do grupo criminoso. 



Esse é o primeiro filme de John Huston (dos clássicos O Tesouro de Sierra Madre, African Queen e The Misfits), um mestre dos filmes de faroeste e também de suspense. Vemos uma atuação ímpar de Bogart como o Detetive Sam Spade. Na descrição do livro o detetive era descrito como um "demônio loiro", uma grande diferença entre o filme e o livro, o filme optou por um ator mais moreno e não loiro exatamente. É interessante ver essa ideia de um suspense a ala Indiana Jones que contém pistas de um objeto histórico milenar que é central para toda a narrativa. Acompanhamos uma forma de empresa de artefatos que participa Cairo, Gutman e outros envolvidos em tramas de assassinatos. 



Lendo o livro e vendo o filme, pensei em algumas noções que perpassam o tipo de história, escrita do autor devido a sua experiência com casos reais, formula o que chamam da invenção do "detetive americano moderno" e de toda a estética de filmes de detetives que viriam depois beberam muito do estilo direto e cínico de Sam Spade.  



O livro é de 1930, o filme de mais ou menos 10 anos depois. Esse detetive americano moderno tem falhas e vícios como qualquer pessoa. Mas em uma das cenas mais absurdas do livro, vemos Spade negociando colocar um inocente atrás das grades. Antes dele entender que tinha sido a sua nova namorada quem tinha matado seu parceiro.  Esse livro mostra o realismo das relações parcas entre polícia e detetives. 

A diferença aqui é quem acha quem culpado pelo o que, a viúva acha que ele matou o parceiro, a polícia acha que ele matou o cara investigado, enfim, há uma desconfiança em torno do protagonista, Sam. A secretária o alerta. você é muito esperto para seu próprio bem. A moça que havia ido até seu escritório falou que ela tinha mentido, e que ela se chamava senhorita Brigid O’Shaughnessy. Ele não falou ainda para a polícia, dizendo que estava enrolando eles, ela pede para ele não contar. Ela disse que conheceu Floyd e os outros no oriente, mostrando que na verdade, faziam parte de uma quadrilha. Ele diz a moça que o Joel ofereceu 5 mil dólares pelo pássaro preto, daí ele a beija no fim da cena. O senhor Joel Cairo, ele tenta roubar o detetive e encontrar a estátua perdida. O cara gordinho disse que ficou quase 20 anos tentando achar o tal pássaro. 


Um detalhe que é diferente do filme é que no livro temos a confirmação total do caso do detetive e a mulher do amigo. Também vemos que no livro a cena que Sam dorme com a mulher que o contratou foi seguida dela se dizer ameaçada e precisar de um lugar para ficar, onde ele pede para sua secretária acolher ela por alguns dias. Para a secretária, a moça parecia santa e boa, como perguntado pelo detetive, mas ele próprio depois de convencer com o Gutman tirou algumas conclusões sobre o dia em que ela foi o contratar. 


Primeiro, que ela fez de caso pensado, já que ficou esperando a hora dele voltar do compromisso dele. Outra diferença é que o personagem do Joel Cairo tem um capítulo inteiro dedicado a ele no livro, ele é o "oriental" que parece culpado, mas no fim não tinha feito nada, e suas cenas são principais referências ao mercado oriental de negociação de itens. Outra cena parecida do livro e filme é a cena que Cairo, a moça e o detetive estão discutindo e o detetive dá 3 tapas que tiram sangue do rapaz oriental, enquanto isso chega a polícia na sua casa por ele ser suspeito tanto da morte do antigo parceiro, quanto da morte do cara que ia investigar, o detetive faz com que todos digam que estavam "fazendo uma brincadeira" na hora da briga e que eram bons amigos para não ter um registro formal da ocorrência, essa cena chega a ser cômica, já que o rapaz na descrição estava sangrando. Acontece que a senhora que vem contratar ele também é um risco em si, obviamente ela esconde coisas, como o real envolvimento dela com a vítima e depois vemos mais segredos por parte dela.  


O homem gordo, o colecionador antigo, senhor Gutman, é quem conta sobre a história real por trás do objeto misterioso. Contando a história de Solimão, o magnífico que havia expulsado os Rodes em 1523. Até 1530, quando o imperador Carlos V conquistou Malta, Gozo e Trípoli. A ordem havia ficado rica roubando dos judeus sarracenos e então acumulou diversas riquezas.


A referência encontrada nos poucos arquivos remanescentes da ordem é de um livro chamado "Les Archives de l'Ordre de Saint-Jean" de J. Delaville Le Roulx. O grão mestre da ordem havia dado de presente ao imperador em uma escolta e foi roubado por alguns piratas de Argel, fato citado pelo historiador francês Pierre Dan. Ficando por lá por 100 anos, até que um viajante inglês chamado Francis Verney, depois disso, os relatos colocam o pássaro na Sicília, caiu no poder de Vítor Amadeu II. Ficou praticamente perdido até 1911, quando foi encontrada por um grego Charilaos Konstantinides. Gutman também ficou sabendo segundo ele lendo o jornal da morte violenta desse homem e de seu estabelecimento. O dono moderno do pássaro era um russo, Kemidov, que vivia no subúrbio de Constantinopla.  


O navio La Paloma vindo de Hong Kong que ele viu no jornal acaba por pegar fogo misteriosamente, tem um capítulo todo sobre o "La Paloma", já que foi lá que que a estátua foi roubada de novo. A moça ainda teve a cara de pau de segurar sua narrativa até o fim, até mesmo achar que convenceria o detetive de "amor" depois de apenas uma noite, muito noir isso. Se ele aceitasse seu jogo, seria idiota e poderia virar alvo da polícia, que já sempre implicou com ele e seus negócios. 


Uma questão interessante é pensar na experiência real dos detetives, que na maioria das vezes não querem ser associar (muito ao contrário do que pensam) com casos pesados de assassinato e clandestinidade. Os detetives tem uma tradição de seguir os objetos e as evidências, por isso o elemento fantástico histórico está presente como um objeto que tem um passado histórico de roubos até chegar até ali. Sabemos que o mercado clandestino de arte existe e se intensificou na Europa no período das guerras, a adaptação do livro é de 1941, um ano antes dos Estados Unidos entrar na Segunda Guerra oficialmente. 


Mas o clima de desconfiança é ótimo, já que mostra como todos são corruptos que estão a espera de pegar o tesouro. Mas em termos de caso e rotina, o que o autor quer dizer com esse livro ainda é mais profundo. Se vemos uma resposta machadiana, realista de Forster (autor de Passagem para a Índia) em oposição a literatura vitoriana romântica, aqui também temos uma resposta ao tipo de romance clássico de suspense inglês, ao estilo Aghata Christie. 


Autores como ele, como Chandler fizeram do romance janelas para uma visão visceral da sociedade com suas contradições e seus vícios e corrupções gerais. O clima de pós crise de 1929 é claro onde os americanos não caíam mais em fórmulas de romance baratas e idealizadas, como na moda de detetive britânica que caia ás vezes na mera brincadeira de palavras e charadas. Aqui os personagens se envolvem, mas também não embarcar completamente na aventura narrativa da estória.



Para o autor, não existe nada aleatório na arte de cometer crimes, especialmente assassinatos. Ou seja, na lógica do assassinato cometido entre 4 paredes (no espaço privado), onde falamos como cada coisa aconteceu e em cada cômodo, como no jogo de tabuleiro "Detetive", quando fazemos esse "english way" de trabalho investigativo, na opinião do autor, é apenas um combinado formal e burocrático, como preencher um relatório para a polícia porque você é obrigado por formalidades. 


Logo, foi o "Coronel Mostarda que matou com o castiçal na sala-de-estar", é um tipo de história que parece afirmar o culpado e não investigar as causas do ocorrido (que para o autor são sempre maiores do que a paixão imediata do momento), essas causas principais normalmente ascendem quando se segue o rastro do dinheiro, como Sam fez na história. A recusa de ser o "bode expiatório" e de se envolver e cruzar mostra que toda a história que acompanhamos do detetive, já que a primeira cena do livro é da moça contratando ele com a intenção de arrumar esse bode expiatório. A personagem de Eiffie é interessante, reflete a ascensão da mulher moderna normal. Ela quer acreditar no romance do livro, como todo o público feminino, mas no fim, ela é obrigada a entender que julgou a moça errado, e que ela era a assassina de caso pensado do parceiro de Sam. 



O interessante é essa transferência, ela como secretária, nada quer realmente de pessoal com Sam, que como cafajeste, todos sabem da marca e ninguém duvida que seja mesmo parte daquilo que aponta e critica. Mas nisso, a personagem da secretária aponta para uma contratação, ás vezes as mulheres consomem o romance da novela para não consumir o romance da vida real que é complicado, mata pessoas e destrói reputações, como no caso de Iva e Sam. Nisso, a melhor personagem feminina é mesmo Eiffie, que observa de tudo sem participar demais da narrativa, a secretária que mora com a mãe, que como Sam falou "é como um homem" por ela não viver ali toda a sua vida, por ter exatamente essa separação, o próprio fato dela torcer pro chefe ficar com a assassina mostra que ela interpreta o que vê no seu trabalho como alguém de fora. 


Outra reflexão de masculinidade é a ideia para ele de que ele poderia mandar prender a mulher, já que ela havia mentido para ele o tempo todo. Aí vem o debate de quem estava "usando quem", mostrando com isso também a face real dos relacionamentos modernos pós anos 1930, sendo uma reflexão tanto de carreira, perfil profissional, como de namoro e hábitos de confiança. 


O livro e a moral são uma antítese em si, engana o leitor, que quer ver uma aventura quando lê um livro e acompanha a história do ponto de vista dos acontecimentos recentes e simultâneos que acontecem em apenas um dia, o dia que a femme fatale entra e o contrata com uma história totalmente mentirosa, mas o que o livro entrega é um retrato de rotina e procedimentos, como se você pudesse mesmo escrever um livro igual com outros personagens e uma outra narrativa completamente. Cada país tem o "seu detetive", a França tinha o Lupin e a Inglaterra tinha o seu Sherlock Holmes, depois desse livro, os Estados Unidos passaram a ter "Sam" como em uma historinha pulp de gibi mesmo. 


Outra coisa muito moderna é essa noção que a vida dos detetives não é romântica e se você é contratado por alguém, provavelmente é, como livro explica nos mínimos detalhes, algumas pessoas nesse ramo podem querer se aproveitar de você, como se você tivesse contratado um capanga ou um cúmplice. Ou seja, o livro/filme então discute uma ideia de ética profissional entrecortados por tramas do pessoal. 


O personagem do Sam é muito contraditório, é verdade que "fundou" a concepção moderna de como se retratar as estórias policiais, fundando o gênero americano de investigação, já que isso era um estilo mais dos ingleses, que faziam mais sobre a estética e a elegância do noir, mas que poderiam cair apenas na estética e não entregar uma objetividade real de casos sérios (com exceção para Hitchcock que era um mestre da substância real e da estética ao mesmo tempo). É baseado nesse distanciamento que o autor criou mesmo a forma de se retratar o detetive americano moderno por saber nadar nessas contradições. 


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