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Triângulo da Tristeza (2023): Vencedor da Palma de Ouro de Cannes satiriza a futilidade dos influenciadores digitais, retratando a Europa atual como um navio afundando



Triângulo da Tristeza é um filme de 2022 escrito e dirigido pelo sueco Ruben Östlund. Seguimos a vida de um casal de influenciadores digitais, que ganham um ticket grátis para viajar em um cruzeiro de luxo, onde eles vão conhecer pessoas completamente diferentes deles. Quando o navio começa a balançar, os passageiros começam a enjoar e não percebem que estavam sendo atacados por piratas. 
O filme estrela Harris Dickinson, Charlbi Dean, Dolly de Leon, Zlatko Burić, Henrik Dorsin, Vicki Berlin, e Woody Harrelson.

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Crítica do filme


A atriz Charlbi Dean (Yaya) faleceu há pouco tempo atrás, apenas com 32 anos, o que foi chocante para todos. O filme se divide em três partes, a primeira "1) Carl e Yaya", Carl participa de um casting para modelos e influenciadores, enquanto eles saem em um encontro, Carl reclama sobre os "papeis de gênero" em relação a ele ter que pagar a conta do jantar.

Eles discutem e vemos que o casal é falso praticamente, um casal de contrato. Por lá, já vimos o quanto é superficial e banal a forma de seleção e do quanto os modelos são tratados como um pedaço de carne pelos selecionadores. 




O relacionamento deles se constitui em tirar fotos e esperar por algo melhor entre eles. lá temos um casal que ganha a vida com munições e em "nome da democracia", e outro casal de oligarcas russos neoliberais, como também vemos toda uma frota de pessoas brancas e ricas, e especialmente, mais velhas que acompanham o cruzeiro. 


O filme faz uma sátira, uma grande alegoria sobre as formas de exploração do capitalismo moderno e que faz isso usando de debates e terminologias do euro-marxismo, em uma alegoria de que a Europa estaria por conta da crise econômica com relações típicas de terceiro mundo de exploração e vivência. 


Abigail (Dolly de Leon), é a funcionária da faxina do cruzeiro que logo começa a chefiar os outros na terceira parte da ilha, vemos aqui a metáfora do poder político da Europa que passou de pessoas como a antiga capitã dos funcionários, que parece simbolizar a Alemanha, ela aceita a liderança de Abigail, a funcionária chinesa, sendo metáfora de como a China hoje em dia é a principal parceira comercial do ocidente, mas que a relação é tensa, como brinca a cena final do filme. 




Vemos aqui uma comparação que já foi feito antes com Manoel de Oliveira em "Um Filme Falado (2000)" e por Godard também depois em Film Socialisme (2010). Ou seja, a ideia de usar a alegoria do navio e dos personagens como representantes típicos de locais e nações em um navio é antiga e super já usada, mas mesmo assim o ganhador da Palma de Ouro ainda surpreende ao unir isso com a típica narrativa de sobrevivência e aventura no fim do terceiro capítulo "A Ilha", ao estilo da série "Lost (2004)", alguns passageiros que sobreviveram se veem em meio de uma ilha com suprimentos limitados depois do ataque dos piratas. 


A segunda parte, "02) O Iate", vemos que o casal conseguiu por uma promoção a viagem, e estão acompanhados da nata da Europa, como um casal de oligarcas russos, onde a mulher é a Vera, que é de esquerda e o homem chamado Dimitry e que cita Margareth Thatcher. Outro casal é Clementine e Winston , que ganham sua fortuna com munições e granadas e em "nome da democracia". Um técnico em computação e rico começa a flertar com Yaya, que havia dito para seu namorado que o único futuro em sua profissão de modelo era ser "esposa troféu" de alguém. 


Em certo momento, vemos que a comida estava estragada e ruim, apesar de ser culinária de alta gastronomia, o resultado é uma generalizada crise de vômitos, agravada pela ondas e depois por um ataque surpresa de piratas no fim do filme que faz com que alguns sobreviventes desfrutem de uma ilha e do nada, eles vira sobreviventes em busca de abrigo e comida. 


O capitão do navio se chama Thomas Smith, é ao contrário do cara russo neoliberal, ele aparece falando frases de internet, típicas da esquerda, e de Karl Marx. Carl se incomoda que sua namorada falou com um dos caras da manutenção, ele comenta com a chefe de staff, e então o trabalhador é demitido por não ter usado camisa. Paula exige que todos os funcionários usem as dependências do navio, apesar de regra interna dizer que eles podem ser demitidos se em horário de trabalho usarem essas piscinas e espaços de convivência. 



Paula consegue fazer Thomas ficar sóbrio para ir na festa do navio, quando vários dos passageiros começam a passar mal, vomitar e ter crises de diarreia. Quando a manhã chega, piratas atacam e matam Clementine e Winston com uma granada, que por coincidência, era da empresa deles. O bêbado Thomas defende o comunismo em uma discussão acalorada, enquanto Dimitry cita frases de defesa do capitalismo. 


A terceira parte é "A Ilha", onde vários passageiros sobreviveram, Yaya, Therese, Paula, Jarma, o mecânico Nelson que Dimitry acusa de ser pirata e que ele acusa de volta de ser racista. Abigail, uma funcionária chinesa da equipe do navio logo toma a liderança do acampamento já que ela é a única com habilidades de sobreviventes. 


Carl começa a trocar comida por favores sexuais de Abigail e fica tenso com sua namorada. Yaya por fim decide ir dar uma caminhada atrás de notícias do mundo de fora, Abigail se voluntaria para ir com ela, mesmo Carl dizendo para ela não ir sozinha. Eles acham um resort, e então por fim temos uma grande surpresa no filme. 


Outra cena muito boa é a cena da capa que colocamos na crítica, onde a modelo Yaya está tirando foto do macarrão, mas diz para o namorado que não vai comer, é apenas para postar, algo completamente irracional, mas que deve fazer parte da vida das "influenciadoras digitais" que vivem de propaganda e vantagens que beiram a prostituição. Por isso também que o relacionamento entre ela e o namorado é apenas um "namoro de fachada de contrato", como tantos famosos tem por aí. É uma grande sátira de comportamentos muito esquisitos mas que na modernidade sem oportunidades e massacradora, parecem "normais". O próprio ingresso ao cruzeiro que eles ganharam era uma forma desses "clubes de vantagem". 

Triângulo da Tristeza foi anunciado pelo diretor Ruben Östlund, em junho de 2017. O filme consiste em uma sátira contra ao mundo uberizado, fashion e gerais noções similares de "primeiro mundo" e "Europa", ou essa ideia dos influenciadores digitais que beleza é uma forma de moeda e troca. O termo em inglês 'Triângulo das Tristezas' é um termo usado pelos cirurgiões para se referir ao espaço entre os olhos e a sobrancelha, algo que poderia ser removido com botox. 


O filme é bom, ótimo para a sensação de tela, passando por três locais diferentes de narrativa, a primeira na seleção de modelos, fria e sinistra, depois no navio, e depois na ilha aparentemente deserta. "Triângulo da Tristeza" é com certeza um filme que questiona a artificialidade da economia europeia, e também o quanto a cultura em torno do "primeiro mundo" é fajuta e está sempre a beira da falência. 


História por trás do filme


O filme foi concluído em 73 dias, utilizando locais como a praia de Chiliadou , Euboea, e a Grécia. O diretor contou que toda a produção fez mais de 1000 testes de covid-19 durante as alocações. A pós produção durou 22 meses. De acordo com os atores, Östlund filmou quase 23 takes de cada cena. Triângulo das Tristezas abriu em 10 casas em Los Angeles, New York e em São Francisco. No fim do ano, lucrou meio milhão e saiu entre os 10 principais bilheterias. Lucrando $4.5 milhões nos Estados Unidos e no Canadá. 

O festival de Cannes sempre teve uma pegada de premiar a ideia mais de filme arte, nos últimos anos, os filmes se tornaram mais de cunho e mensagem crítica ao capitalismo. Eu achei o filme ótimo, mas ainda tem aquele estranhamento ao diferente, o que acontece em uma cultura de capitalismo selvagem guiada pelo euro (a moeda mais valorizada no mundo, apesar de sua crise de valor atual), e os modelos de renda e profissão que não poderiam ser mais artificiais. 


Essa artificialidade da Europa é muito notada pelos observadores mais atentos. O filme é uma boa crítica ao ideal de primeiro mundo, a futilidade e aos valores cultivados pelo velho continente, mostrando um "enjoo" coletivo representado na cena onde todos os passageiros vomitam a "comida de elite", porém estragada servida no navio. 


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