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Dead For a Dollar (2022): Com trama sobre racismo e relacionamento proibido, novo de Walter Hill, de The Warriors, faroeste mostra o outro lado para os "raptos" no Velho Oeste


Em 1897, no Território do Novo México, o veterano caçador de recompensas Max Borlund descobre que Joe Cribbens, um ladrão levado à justiça por Borlund, em breve será libertado. Borlund visita Cribbens para alertá-lo contra seguir com sua promessa de vingança. Então, um amigo de Borlund o apresenta ao empresário Martin Kidd, que o contrata para recuperar sua esposa, Rachel que supostamente foi sequestrada e estaria está sendo mantida como refém em Chihuahua, México, por Elijah Jones, um homem afro-americano que desertou do exército


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Crítica do filme 


Apesar de parecer aleatório, esse filme não é o que podemos chamar de surpresa. Isso pelo seguinte detalhe: ele é dirigido pelo grande Walter, diretor de clássicos como The Warriors, O Último Matador e A Calvagada dos Proscritos. Se trata apenas do seu mais novo projeto, o último desde The Assignment (2016), filme que desagradou a muitos. Assim, Dead for a Dollar trouxe muitas expectativas desde que a produção foi anunciada e principal por ser sua volta ao gênero de faroeste. 


Isso é importante de se ter em mente pois acredito que esse "hype" foi negativo para o filme. Todos observaram o filme como a volta de Walter Hill, esquecendo de vê-lo como apenas um novo filme de faroeste. Por isso, o filme está tendo notas baixíssimas nos sites de agregação de avaliação de filmes, apenas pelo simples fato de o gênero de faroeste parecer simples mas não ser. As pessoas estão indo ver mais um filme, que os agradem, e esquecem que a principal mensagem dos faroestes é a redenção e isso não necessariamente passa por um caminho agradável e que busca a todo momento agradar o público.


O principal mote do filme parecer confrontar diversos personagens típicos de faroeste em uma mesma situação, algo que remete ao clássico a Stagecoach. Temos o caçador de recompensas, a volta de de Chirstopher Waltz ao faroeste desde Django de Tarantino. A principio ele já parece condenado a uma tragédia desde o início pois seu algoz está saindo da cadeia. 


Porém, o foco do filme está, na verdade, em Rachel Kidd, a esposa de um manda-chuva local que supostamente foi raptada. A missão do caçador de recompensar seria trazer a mulher de volta, se não fosse um porém: ela não está sequestrada, mas sim fugindo de seu marido com outro homem.


Esse é o fator mais interessante do filme de longe, pelo fato de existirem muitos faroestes e lendas do velho Oeste de sequestro de mulheres, sendo o mais clássico Rastros de Ódio. Geralmente os filmes mostram essa situação como trágica, mas mesmo em Rastros de Ódio onde vemos a história de Cynthia Ann Parker, história de rapto mais famosa dos Estados Unidos, era na verdade uma farsa, uma vez que Ann Parker na verdade havia fugido e foi "resgatada" pelos homens brancos para morrer na pobreza, algo que também é explorado em Dança com Lobos.


Como mostram pesquisas históricas mais recentes, muitas desses "raptos" eram na verdade fugas, onde o rapto era uma versão inventada para proteger uma suposta "reputação" dos homens. Ou seja, muitas vezes a versão oficial de "rapto" era uma versão dada pelos maridos para esconder o abandono das mulheres, que, uma vez que não existia divórcio, fugiam para se livrar dos abusos dos homens. Existiram raptos reais, mas em grande parte era uma forma machista de colocar a mulher como alienada perante as relações, rebaixando-as perante as escolhas e ressaltando a honra masculina na disputa de uma suposta "posse" da mulher. Assim, os principais temas do filme o racismo, a desigualdade de gênero e abuso na formação da América. 


O filme faz certa ironia dessa questão. Mas apesar da piada, essa ironia é historicamente embasada, mostrando que os raptos eram uma forma de culpar os negros, mexicanos e índios, escondendo que perdiam suas mulheres por serem broncos. 


Aqui algumas curiosidades ajudam a completar a proposta do filme. A atriz que faz Rachel Kid é a humorista Rachel Brosnahan, mas conhecida por estrelar a série A Maravilhosa Sra. Maisel. Na série, ela interpreta alguém de ascendência judaica, mas a atriz de fato não possui essa ascendência. Por isso que suas cenas carregam uma certa carga de tensão e comédia, pois ela faz a típica mulher forte mas um pouco histérica dos faroestes. Sé que ela faz isso de maneira exagerada de proposito, uma vez que ela só fugiu para se livrar de seu marido e não amando completamente seu novo parceiro, Elijah, vendo nele a oportunidade de fugir dos abusos do seu marido. Ao mesmo tempo, ela nunca mais se envolveu com outro homem e virou ativista da causa feminista pelas sufragistas.   



O que eles não havia calculado é que obviamente o (corno) traído vai se vingar de maneira covarde, e ele mata Elijah dentro da cadeia assim que chega a cidade, comprando o silêncio das autoridades. O querido marido é morto então pela sua esposa, em vingança pela morte de Elijah.


Assim, todo o contrato era uma farsa e o mercenário Borlund já perdeu o contrato e mais: se viu preso em uma situação onde ele deve ajudar a proteger o vilarejo da gangue local. Aqui talvez resida o problema do desenrolar do filme, uma vez que a situação de maior perigo e desafio do filme é um evento separado dos eventos iniciais do filme. 


Ainda mais desconexo fica a trama do personagem de De Foe. Tudo bem, é interessante acompanhar suas tentativas de sobreviver fora da prisão e se ele de fato vai buscar vingança contra Borlund. Mas o problema é que seu personagem fica desconexo, até o momento auge do filme onde mata um personagem chave do filme. Fora isso, sua participação do filme ficou muito limitada e óbvia. 



Essa falha também acompanha em parte Borlund, onde parece que o cowboy é mais alguém que ouve problemas e assiste a tudo, mas os problemas meio que se resolvem sozinhos. Entretanto, isso está mais para um ironia do filme do que para algo sério. 


Dead For a Dollar é mergulhado em certo ironia e cinismo, onde as cenas buscam fazer um certo tipo de piada, bem similar as gags do cinema e novelas brasileiras. Por exemplo, quando o grupo de bandidos invade a cidade, um deles dá um tapa na cara da recepcionista do hotel. Quando chega Kidd e o assistente de Borlund, a recepcionista atira junto com eles e seus tiros são o diferencial para vencer o bando de invasores. Essas piadas de encenação mostram que, por um lado, o filme possui um caráter de sátira, onde o faroeste seriam as tragédias da vida e do mundo atual. 



Outro elemento que considero forte erro, e aqui vai um spoiler, é que Elijah acaba morrendo, e isso tira um pouco do humor e do romance do filme, mas acrescenta extremo realismo uma vez que historicamente isso era bem comum. Isso dá verossimilhança, mas se o roteiro não é baseado em fatos, um final mais romântico era possível, só retirava a perspectiva histórica que o diretor queria passar, colocando ela como uma das mulheres da primeira geração do feminismo. Assim, a morte de Elijah aumenta força de seu personagem, mas também marca o lado trágico e realista das barreiras sociais no passado histórico.  


Digamos em termos gerais, que o roteiro do filme não dos melhores. Ele não é baseado em livro ou e história real. O que torna ridículo o final do filme, onde é contado o destino dos personagens, como se eles fossem pessoas reais, quando o filme é pura ficção. Serve como linguagem, mas é ludibriar o público em parte. 


Entretanto, aqui está a chave de tudo. O roteiro foi escrito pelo diretor, e em essência sua função é deixar brechas para que o diretor possa ludibriar com a direção do filme. Aqui é onde o filme brilha, com uma ótima direção, principalmente nas cenas de comédia e ação. Isso dá um caráter meio teatro ao filme, uma vez que as atuações também são boas, melhores até que os personagens e seus arquétipos. A fotografia do filme, em um tom sépia e meio sujo como poeira do deserto, é sensacional. Um verdadeiro deleito visual a combinação da direção, com a fotografia e atuação.


Ou seja: é um filme para sentar e relaxar, não pensar muito. A função de usar a década de 1870, é apenas por ser uma época conhecida de modernização que produzia certas loucuras no comportamento e novidades. Assim, comparando a excentricidade que a modernidade gera nas relações tradicionais, Hill quer muito mais falar do presente, refletindo como a mudança nos comportamentos pode modernizar e inovar coisas conhecidas, como o faroeste.


É um bom filme e eu recomendo, só não vá esperando um senhor roteiro ou uma obra prima como Warriors. É apenas um filme interessante, que sabe provocar e inovar nos pontos certos, mas mantendo uma forma mais técnica. Entretanto, principalmente como um faroeste é que o filme é muito inovador, sendo inéditos alguns paradigmas do filme, ou seja, nunca foram feitos por outro faroeste. Assim, Dead for a Dollar é um clássico moderno do gênero de faroeste e não me surpreenderá se sua fama aumente ao longos dos anos e passe a ser considerado um clássico do gênero.   



História por trás do filme 


O filme foi anunciado no Marché du Film em junho de 2021. Marca o retorno de Waltz ao gênero após Django Unchained (2012) e o retorno de Hill à direção após The Assignment (2016). A fotografia principal ocorreu em Santa Fé, Novo México, de 24 de agosto a 21 de setembro de 2021. Aproximadamente 80 membros da equipe, 20 membros do elenco principal e 40 antecedentes e figurantes do Novo México foram contratados para a filmagem. 


Em 2009, a Myriad apoiou a campanha do Oscar para Last Stop 174, do diretor Bruno Barreto, que foi a Seleção Oficial do Brasil para o Oscar 2009 na categoria Melhor Filme Estrangeiro.


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