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Dança com Lobos (1990): Filme destaca a visão da cultura indígena perante a História oficial e a narrativa padrão dos faroestes



Em 1863, o 1º tenente John J. Dunbar (Kevin Costner) é ferido em batalha no St. David's Field, Tennessee. O cirurgião pretende amputar a perna de Dunbar. Em vez disso, ele cavalga ao longo das linhas confederadas. As forças confederadas disparam repetidamente contra ele e erram, e o Exército da União aproveita a distração para montar um ataque bem-sucedido. Dunbar recebe uma citação por bravura e cuidados médicos que lhe permitem manter a perna. Ele é posteriormente premiado com Cisco, o cavalo que o carregou durante seu feito. Dunbar solicita uma transferência para a fronteira ocidental e o exército, buscando abafar seu feito, o manda para vigiar uma reserva indígena em crise pela falta de búfalos 


Assista o filme ao final do artigo


Crítica do filme


Dentro de uma perspectiva de época onde os faroestes estavam em declínio, é incrível o trabalho feito por esse filme, principalmente em termos de estética e enredo. Temos aqui elementos clássicos de filmes do gênero, mas tudo combinado com a onda mais emocional e publicitária do cinema dos anos 90. Assim, fatores essenciais do gênero, como a guerra e a relação com os índios, ao mesmo tempo que explora certos elementos de suavização. 


Temos aqui um início que geralmente é comum aos filmes de guerra e aos faroestes. Um homem, já ferido, buscando sua salvação em um contexto de guerra, a Guerra Civil. Ele, com a casaca azul, entrega que luta pelo Norte, uma vez que a cor do Sul era o cinza. Ele escuta que, como outros, não há salvação para ele, só restando a amputação. No meio de sua agonia, ele escuta o médico dizer que vai tomar um café. O absurdo da situação o desperta. Seu primeiro objetivo passa a ser então fugir dali o mais rápido possível, mesmo estando ferido. 



Ao fazer isso ele encontra um amigo e percebe a gravidade da situação. Assim, ele decide realizar um último ato heroico e suicida, afinal ele já vai morrer mesmo. Aqui preciso dar o meu ponto de vista sobre sobre a sequência, uma vez que tudo nela é metáfora, subjetivo. Ele monta e seu cavalo e faz uma cavalgada de um ponto ao outro do campo que separa os sulistas dos nortistas. Talvez pela ousadia ou por uma sorte de tempo, apesar de os sulistas atirarem nele ele sobrevive. E por seu ato de heroísmo, ele consegue a atenção de um superior. Além de não ser amputado, ele ainda consegue se restabelecer e ficar bom de novo, provando que não era tão grave a ponto de amputação. 



Obviamente a cena é metafórica do que era necessário para sobreviver e ser um herói durante a guerra civil. Ele teve que fazer um ato suicida que desmoralizasse o sul para só então poder ter acesso a medicina. É uma critica tanto ao Sul quanto a noção de hierarquia social do Norte.


Assim, como ele fez o impossível, ele ganha condecorações e um posto obviamente simbólico, uma vez que ele basicamente só vai vigiar a natureza e a reserva indígena.


Isso em tese, é claro. Logo se percebe que o cargo se levado a série é muito importante e de grande responsabilidade. Ele como leva tudo a série, pois é um homem ético e responsável, não percebe que o colocaram lá para esquecerem dele. O problema é que seu jeito dedicado e profissional, vão tornando sua função cada vez mais essencial. 


Logo, ele se vê tendo que superar seus preconceitos e fazer contato com os nativos da reserva. Ao mesmo tempo, ele começa seus diário. Esse era um recurso de fato muito utilizado por militares antropólogos, inclusive no Brasil, em figuras como a de Couto de Magalhães. Algum desses relatos sobreviveram a posteridade, sendo documentos históricos interessantes para ver uma forma de interpretação da aproximação dos homens brancos e suas crenças, perante os nativos. 


Nesses aspectos havia, claro, um grande aspecto biologista e positivista, uma vez que a natureza e seus recursos naturais eram alvo de análise e levantamento para possível exploração (e roubo). Assim, o objetivo mais claro de alguns fosse encontrar minerais como ouro, mas também no caminho registrava-se ervas, costumes e etnias. Isso torna esses relatos profundamente ambíguos, pois apesar de produzidos pelos opressores e invasores, eles fornecem importantes pistas da memória de aspectos culturais e medicinais do passado. Por outro lado, qual era a função de fazer isso? Obviamente registrar locais de possível invasão e espólio. 


Assim, ele não entendeu que sua função ali era registrar os índios para um possível invasão. Eles contavam que como homem branco ele teria um preconceito inerente contra os índios e entenderia que sua missão ali era ser inimigo deles para um futura invasão. 


Ele começa, na verdade, a mediar conflitos dos índios, ajudando eles principalmente com saúde e vice versa, uma vez que ele também aprende com eles. Logo, vemos ele abandonar sua postura de soldado aos poucos, passando a viver entre os índios. Logo, ele identifica o principal problema daqueles índios: o principal meio de subsistência da comunidade, os búfalos, estão acabando no vale. Como no Brasil, a principal forma de subsistência dessas culturas era a caça e a pesca. No meio oeste dos Estados Unidos, os rios são poucos então tudo era caça. De que? De búfalos. Assim, sabendo disso, surgiram figuras como Buffalo Bill que, como desculpa de alimentar os brancos mais pobres, começaram dizimar os búfalos, com a intenção de deixar também os índios sem comida. A palavra é genocídio.  


Essas relações de identidade com o exército e a relação com os índios são marcados por dois elementos chave: o cavalo e o lobo. O Cavalo ele ganhou pelo "ato de bravura no exército". O lobo, foi fazendo amizade com ele gradualmente conforme ele se aproximava dos índios, servindo como uma metáfora da sua relação com os índios, um "tropo". Assim, o cavalo é o oficio, a profissão e a responsabilidade. O lobo, o amor, o desejo e inclinação. 



Logo ele percebe que os índios era os homens da terra, os moradores dali, que tinham família e constituíam uma comunidade de valores muito mais sincera e honesta que a dos homens brancos. Ele aos poucos se converte em índio por suas convicções através do discurso oficial do que deve ser a democracia, casarem com os princípios de vida dos índios. 


Ajuda nisso seu interesse por uma jovem branca que vive entre os índios. Ela é ninguém menos do que Cynthia Ann Parker, a menina sequestrada no clássico do faroeste dirigido por John Ford, Rastros de Ódio (1956). Aqui o filme apresenta um outro ponto de vista da lenda, uma vez que mostra que ela não foi sequestrada por índios para ser escrava e ser desposada por um guerreiro, mas resgatada e cuidada por índio para sobreviver. O índio, na verdade, era só um padrinho para a moça. 


Sem entregar mais da trama, o final reflete em muito a divisão entre a intenção de fazer um registro e como isso se vincula com viver e aprender com a realidade. Por um lado, só conhecemos a história pelos relatos, que no filme a narração em over dá um bom elemento, quando esse recurso é sempre mal utilizado. Por outro lado, o processo de apreender e contar uma história pode impedir de viver a realidade, quando a História apenas deveria ser vivida. Preocupado em manter seus relatos, ele se impede de viver completamente o momento. 


Assim, metaforicamente, a indagação final do filme, que termina fora do esperado, é se os estudos históricos com aspectos antropológicos, como de narrativas que colocam o indivíduo leitor como "espectador" da História, não estaria justamente impedindo de ver que a história acontecia naquele momento. Ou seja, enquanto se preserva a História antiga, não é possível que os índios nesse momento estejam sendo dizimados? Por exemplo, há diversos historiadores que estudam os relatos de viajantes ao Brasil colonial e pré-colonial. Mas nenhum deles foi capaz de notar e relatar para as autoridades e para mídia, o genocídio ianomâmis no Brasil.


O exercício de registrar a História, não pode ser apenas um exercício a posteriori, quando os fatos já estão frios e os genocídios e mortes já aconteceram. Apesar de não caber ao historiador ser herói, também não o cabe ser um "mensageiro da morte" da História, onde só há história quando a versão dos vencedores já estabeleceram a narrativa oficial. A investigação deve sempre se ater a seu próprio ponto de vista, seus preconceitos e limitações, se não sua narrativa pode ser usada como coleta de dados para aqueles que justamente querem destruir a cultura para depois contar sua história.  


Em seu momento histórico, o filme buscava refletir como ideias e princípios de "causa" poderiam ser facilmente manipulados politicamente. Por exemplo, o presidente da época do filme era o George Bush pai. Seu filho que viria a ser presidente também, Bush era formado em nada menos que História, e em seus discursos por diversas vezes falou a favor da causa indígena. Nada disso o impediu, porém, de ser um republicano. O ponto é que há um forte interesse naqueles que são contra o povo em, supostamente, preservar a cultura popular, mas como memória e letra morta, é claro.


O filme instiga a pensar que uma História indígena não pode se limitar a apenas preservar o passado, mas ser ativamente presente, atual, na sua forma de contar histórias.


É um filme sensacional, que desperta diversos debates e sai da caixinha padrão dos faroestes. Não há saloon, não há vilões ou mocinhos, mas sim um grande amontoado de interesses se confrontando, gerando as afiliações e disputas que são fruto das análises históricas. Nada está completamente preto no branco em relação aos agentes históricos: ninguém é apenas bom ou mau. Mas sim, há maldade nos relatos indígenas, principalmente pelo fator de que muitas dessas etnias não estão mais aqui para se defender. Ótimas atuações, ótima direção, ótimo roteiro e ambientação. Talvez seja a melhor atuação de Kevin Costner no cinema. Um filme incrível, que envelheceu muito bem e vale muito a pena assistir.



História por trás do filme


Originalmente escrito como um roteiro especulativo por Michael Blake, não foi vendido em meados da década de 1980. No entanto, Kevin Costner havia estrelado o único filme anterior de Blake, Stacy's Knights (1983) e encorajou Blake no início de 1986 a transformar o roteiro ocidental em um romance para melhorar suas chances de ser produzido. O romance foi rejeitado por numerosas editoras, mas finalmente foi publicado em brochura em 1988. Os direitos foram comprados por Costner, com o objetivo de dirigi-lo. 


Costner e seu parceiro de produção, Jim Wilson, tiveram dificuldade em arrecadar dinheiro para o filme. O projeto foi recusado por vários estúdios devido ao gênero ocidental não ser mais popular, após a desastrosa bilheteria de Heaven's Gate (1980), bem como a duração do roteiro. Depois que o projeto definhou na Nelson Entertainment e na Island Pictures devido a razões orçamentárias, Costner e Wilson recrutaram o produtor Jake Eberts para gerenciar os direitos estrangeiros em vários países para que Costner mantivesse os direitos de corte final. Os dois então fizeram um acordo com a Orion Pictures, no qual o estúdio distribuiria o filme na América do Norte. 


A produção real durou de 17 ou 18 de julho a 21 ou 23 de novembro de 1989. A maior parte do filme foi filmada em locações em Dakota do Sul, principalmente em fazendas privadas perto de Pierre e Rapid City, com algumas cenas filmadas em Wyoming. Locais específicos incluíam o Parque Nacional de Badlands, as Black Hills, a Área Selvagem de Sage Creek e a área do Rio Belle Fourche. As cenas de caça aos bisões foram filmadas no Triple U Buffalo Ranch, nos arredores de Fort Pierre, Dakota do Sul, assim como as cenas de Fort Sedgewick em um set personalizado.


Judith A. Boughter escreveu: "O problema com a abordagem de Costner é que todos os Sioux são heroicos, enquanto os Pawnees são retratados como vilões estereotipados. A maioria dos relatos das relações Sioux-Pawnee vê os Pawnees, contando com apenas 4.000 na época, como vítimas dos Sioux mais poderosos.


A história e o contexto de Fort Hays são radicalmente diferentes dos retratados no filme. O histórico Fort Hays foi fundado em 1867, com a icônica casa de blocos de pedra sendo construída imediatamente. Seu antecessor, Fort Fletcher (1865-1868), foi abandonado por apenas alguns meses e depois realocado apenas a uma curta distância em 1866. 


Fort Hays foi fundado no território de Cheyenne em vez de Sioux. Em vez de um local desolado, o forte foi anfitrião de milhares de soldados, ferroviários e colonos desde o início. A Kansas Pacific Railway e os assentamentos de Roma e Hays City foram construídos ao lado do forte em 1867; cada um foi uma violação percebida do território Cheyenne e Arapaho, resultando em guerra imediata com os Soldados Cães. O forte foi o quartel-general de Sheridan no centro do conflito de 1867-68. Uma histórica aldeia sazonal de Pawnee tipi estava localizada a apenas 9 milhas (14 km) de Fort Hays, mas os Pawnee haviam sido excluídos dela por outras tribos dominantes por algum tempo na década de 1860.


O verdadeiro John Dunbar trabalhou como missionário cristão entre os Pawnee nas décadas de 1830-40, e ficou do lado dos nativos americanos em uma disputa com agricultores do governo e um agente indígena local. Não está claro se o nome "John Dunbar" foi escolhido como um corolário da figura histórica do personagem principal. 


O tenente fictício John Dunbar de 1863 é mostrado corretamente no filme usando uma barra de ouro em suas alças de ombro de oficial, indicando sua patente como primeiro-tenente. De 1836 a 1872, o posto de primeiro-tenente foi indicado por uma barra de ouro; depois de 1872, a classificação foi indicada por uma barra de prata. Da mesma forma, o capitão Cargill é corretamente retratado usando um par de barras de ouro, indicando o posto de capitão na época. 


O autor e roteirista Michael Blake disse que Stands with a Fist foi na verdade baseado em Cynthia Ann Parker, a garota branca capturada por Comanches e mãe de Quanah Parker, melhor retratada em Rastros de Ódio. 


Assista ao filme aqui:


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