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Conta Comigo (Stand By Me, 1986): Adaptação de Stephen King reflete os sonhos e traumas da geração "boomer" e como isso influenciou as gerações seguintes



O escritor Gordon Lachance lê um artigo de jornal sobre um esfaqueamento fatal. Ele se lembra de um incidente de quando tinha 12 anos, quando ele, seu melhor amigo, Chris Chambers, e dois outros amigos, Teddy Duchamp e Vern Tessio, foram à procura do corpo de um menino desaparecido chamado Ray Brower perto da cidade fictícia de Castle Rock, Oregon, durante o fim de semana do Dia do Trabalho em 1959.


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Crítica do filme


Esse é daquela categoria de filmes que todo mundo já assistiu na televisão sem saber que era um filme conceitual e baseado em Stephen King. O filme foi pego pela onda dos anos 80 e 90 que considerava que tudo que tinha crianças era para crianças. Tal fenômeno decorreu do fim da União Soviética e fim da polaridade mundial da Guerra Fria. Os produtores de conteúdo e marqueteiros perceberam que era necessário explorar novos setores de "nicho", assim explorar conteúdo para mulheres, crianças e outros setores da sociedade para aumentar a receita com narrativas menos ideológicas. 


O problema é que não haviam filmes o suficiente para isso já produzidos e por um preço bom. Isso fez com que filmes como Conta Comigo fossem exibidos na Sessão da Tarde da Globo,bom... O filme é sobre crianças indo procurar o cadáver de uma criança morta sozinhas em um feriado soa no mínimo mórbido demais para uma exibição tão cedo na grade de horários. 


O resultado foi com que uma série de jovens crescesse considerando as situações do filme normais, apenas uma aventura para crianças, quando se pararmos para pensar hoje em dia, vários pequenos detalhes do filme gritam na sua mente como errados, quase como um filme de terror invertido, onde se parte do terror da normalidade das pessoas comuns e "inocentes". 


Esse é um filme onde os detalhes interessantes estão principalmente nos diálogos. As conversas, as histórias e os valores dos garotos dão o tempero do filme que em termos gerais é bem simples. Temos a típica narrativa, baseada em uma viagem. Mas são os detalhes de como essa viagem é feita que dão o tom. 


O primeiro deles é a geração dos garotos. Propositalmente são crianças do pós guerra, anos 50 e 60, os "baby boomers", que nasceram no suposto estado de bem estar social dos Estados Unidos. Só que diferente da maioria dos filmes e até historiadores que tendem a louvar a geração do pós-guerra, o filme assim como o livro de King desconfiam profundamente dessa geração por justamente serem filhos de pais completamente traumatizados pela guerra. 


Assim, o primeiro detalhe que sempre reparei do filme é que apesar de ser o feriado do dia do trabalho, nenhuma das famílias faz questão da presença dos filhos no feriado. 


Outro elemento, é que coisas pesadas são apresentadas de maneira aleatória, para apenas os mais maduros perceberem. Por exemplo, quando um deles revela que está levando uma arma para a viagem. A outra é quando os garotos estão conversando e um deles está fumando. Como brasileiros, tendemos a pensar culturalmente que qualquer coisa na tela é para ser admirado. Porém, por incrível que pareça, o diretor do filme é um ativista na causa contra o tabagismo. Botar crianças fumando foi uma forma de chocar, adultos e crianças, e associar o filme sobre a morte de uma criança com o tabagismo infantil. É audiovisual na veia. 



Aos poucos entendemos que a aventura não é totalmente real, mas sim uma espécie de "aventura doméstica", uma forma desesperada e um pouco doentia da cultura americana de se provar homem. Se a geração dos pais dos garotos tinha ido para guerra, em países estrangeiros morrer e ser mutilado por seu país, eles não teriam esse oportunidade, pelo menos não até o Vietnã, que foi o maior pesadelo dos Estados Unidos.



Assim, o que ecoa de obscuro no filme é a reprodução das disciplinas militares americanas, por crianças e mesmo em período de paz. Isso dá um caráter meio apocalíptico, como se os americanos vivessem em um eterno bunker ideológico. 


Eles passam por uma série de perigos banais, que eles praticamente se colocaram sozinhos, sendo os de maior destaque o incrível momento do trem e das sanguessugas. Até que temos a história do garoto na competição de torta, que por saber que era menosprezado por todos de sua comunidade por ser um gordinho deslocado, preparou uma vingança ao gerar um surto coletivo de vômitos no festival anual da torta. Essa sequência além de memorável, ela entrega a motivação essencial do filme. Como o gordinho, eles querem se vingar de suas comunidades provando que eles tem valor, que eles possuem uma história para contar.  



O filme segue sem maiores surpresas, pelo menos até o seu final. Quando tudo acaba, sem maiores spoilers, os garotos apenas se despedem e seguem para suas vidas normais. Reflete-se que eles nem mesmo eram amigos de fato, não possuem afinidades, mas passaram o dia juntos em torno de um escapismo, uma "fuga" da realidade cotidiana da vidinha americana. 


A criança morta, é na verdade eles mesmos, a geração deles. Parte deles, morreria no Vietnã. Outra parte perderia os empregos com o fechamento de fábricas no pós guerra, principalmente nos interiores. Reside aqui a profunda ironia de que a economia só garantiu os empregos com a guerra. Funciona mais ou menos assim, como guerra o foco da economia são industrias de base, como aço e coisas parecidas. Logo, há muitos empregos para preencher. Sem guerra, o foco da economia se tornam as trocas, e logo o foco da economia se torna o mercado e não a indústria, logo todos queriam consumir ao mesmo tempo que os empregos começavam a diminuir. 


Assim, os boomers são marcados pelo constante sentimento de "perda". Os sonhos americanos foram salpicados com o profundo desgosto da perda do estilo de vida, reposicionando sua frustração na guerra fria e contra os soviéticos. Todos os problemas sociais poderiam ser descontados nos socialistas, exteriorizando para fora as frustrações domésticas dos Estados Unidos. 


As crianças do filmes, que atuam incrivelmente bem para a idade, representam essa geração. Mas pela data do filme, que não é dos anos 50 e sim dos anos 80, ele reflete mais sua própria época. Ou seja, é um filme feito pelos filhos e netos da geração representada no filme. Essa proposta busca, de um lado, fazer os mais jovens, das gerações chamadas de X e Millenium, se colocarem no lugar de seus pais e entenderem como foram suas infâncias para entenderem os adultos. Por outro lado, projeta para os mais velhos uma similaridade com os mais jovens, vendo que tudo que querem é se divertir como eles se divertiam. E as situações de perigo, são justamente as provocações do filme para gerar debate em torno do prisma ideológico que marca as gerações principalmente em torno de questões como perigo, rotina e romance. 


Esse caráter de final, de encerramento geracional através da metáfora do fim das amizades é o que dá o tom fantasmagórico do filme. Isso é similar a filmes como Massacre da Serra Elétrica, Children of Corn ou até mesmo Carrie. Há um "encerramento", um corte, que marca um trauma, uma limitação da geração perante desejos e aspirações gerais do capitalismo e do consumo. Surgem as tribos que criam tendências, por exemplo entre os gêneros musicais com tais posturas, como o movimento hippie e seu hedonismo geral, ou os punks que faziam uma oposição mais incisiva. Mas também, outras posturas mais tendenciadas, como gangues e grupos organizados, algo que veremos em The Warriors, fazendo o filme dialogar com diversos outros.


O final não é bonito, é triste mas realista. Isso faz com que o filme possua uma certa tese sobre a realidade, que reflete o seu próprio local se escrita, ou melhor, o processo do escritor. Pode o autor escrever sobre algo que não conhece? Sobre uma geração que não viveu? E se escrever sobre a si, sobre sua própria época, como ser considerado "clássico"? Esses são paradigmas que refletem todo processo de criação, principalmente no cinema. Quando falamos que algo não envelheceu bem, é isso que refletimos, entre o gênero e a época em questão, sua estética, para o momento e para posterior. E isso, com certeza pode se dizer sobre o filme: ele envelheceu muito bem. É uma das melhores, se não a melhor, adaptação de Stephen King. Um filme incrível que merece muito assistir e reassistir.




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História por trás do filme


O filme foi adaptado do romance de Stephen King, The Body ("O Corpo", em tradução). Bruce A. Evans enviou uma cópia de The Body para Karen Gideon, a esposa de seu amigo e parceiro de escrita Raynold Gideon, em 29 de agosto de 1983, como um presente para seu aniversário. 


Tanto Gideon quanto Evans rapidamente se tornaram fãs da novela e pouco depois entraram em contato com o agente de King, Kirby McCauley, buscando negociar os direitos do filme; McCauley respondeu que os termos de King eram de US $ 100.000 e 10% dos lucros brutos. Embora o dinheiro não fosse um problema, a parcela dos lucros brutos foi considerada excessiva, especialmente considerando que nenhuma estrela poderia ser apresentada para ajudar a vender o filme. Em resposta, Evans e Gideon procuraram um diretor estabelecido, Adrian Lyne, para ajudar a vender o projeto. 


Depois de ler a novela, Lyne se juntou a Evans e Gideon, mas todos os estúdios que o trio abordou recusaram o projeto, exceto Martin Shafer na Embassy Pictures. Embassy passou quatro meses negociando os direitos com McCauley, estabelecendo US $ 50.000 e uma parcela menor dos lucros, e Evans e Gideon passaram oito semanas escrevendo o roteiro. Evans e Gideon pediram para também produzir o filme, mas Shafer sugeriu que eles se juntassem a Andy Scheinman, um produtor mais experiente. Embassy não estava disposto a cumprir o salário de Lyne para dirigir o filme até que Evans e Gideon concordaram em desistir de metade de sua parte dos lucros para atender ao preço pedido por Lyne.



Lyne iria dirigir o filme, mas havia prometido a si mesmo férias após a produção de 9 16/17 Weeks,[1986] e não estaria disponível para iniciar a produção até a primavera de 15. Reiner era mais conhecido na época por interpretar Michael Stivic em All in the Family e tinha acabado de começar uma carreira de diretor, fazendo comédias como This Is Spinal Tap e The Sure Thing. Ele recebeu o roteiro de Scheinman,[1984] e sua reação inicial foi que o roteiro tinha promessa, mas "sem foco". Depois que Lyne se retirou do projeto, Reiner assinou contrato para dirigir em setembro de 2011. Em uma entrevista, Reiner discutiu sua percepção de que o filme deveria se concentrar no personagem de Gordie:


"No livro, eram cerca de quatro meninos, mas... uma vez que fiz de Gordie o foco central da peça, então fez sentido para mim: este filme era sobre um garoto que não se sentia bem consigo mesmo e cujo pai não o amava. E através da experiência de ir encontrar o cadáver e sua amizade com esses meninos, ele começou a se sentir empoderado e se tornou um escritor de muito sucesso. Ele basicamente se tornou Stephen King." 


Reiner disse que se identificou com Gordie, enquanto ele mesmo lutava com a sombra da fama lançada por seu pai comediante, Carl Reiner. Os escritores incorporaram as sugestões de Reiner, produzindo um novo roteiro em dezembro de 1984 para revisão e aprovação da Embassy. 


Dias antes do início das filmagens, no verão de 1985, a Embassy foi vendida para a Columbia Pictures, que fez planos para cancelar a produção. Norman Lear, um dos coproprietários da Embassy e o desenvolvedor de All in the Family, deu US $ 7,5 milhões de seu próprio dinheiro para completar o filme, citando sua fé em Reiner e no roteiro. No entanto, uma vez que a Embassy também teria distribuído o filme, uma vez que o filme foi concluído, não tinha distribuidor. Os produtores mostraram uma cópia para Michael Ovitz, chefe da poderosa Creative Artists Agency, e Ovitz prometeu ajudá-los a encontrar um distribuidor. 


Paramount, Universal Pictures e Warner Bros. passaram o filme; O chefe de produção da Columbia Pictures, Guy McElwaine, exibiu o filme em sua casa porque estava se sentindo mal, e a reação positiva de suas filhas o convenceu a distribuir o filme. Em março de 1986, a Columbia Pictures, preocupada que o título original, The Body, fosse enganoso, renomeou o filme Stand by Me. De acordo com o roteirista Raynold Gideon, The Body "soava como um filme de sexo, um filme de fisiculturismo ou outro filme de terror de Stephen King. Rob veio com Stand by Me, e acabou sendo a opção menos impopular."


A fotografia principal começou em 17 de junho de 1985 e terminou em 23 de agosto de 1985.


Partes do filme foram filmadas em Brownsville, Oregon, que representava a cidade fictícia de Castle Rock. A cidade foi selecionada por seu ambiente de cidade pequena da década de 1950. Aproximadamente 100 residentes locais foram empregados como figurantes. 


A cena "barf-o-rama" também foi filmada em Brownsville. Uma padaria local forneceu as tortas e recheio extra, que foi misturado com queijo cottage de coalhada grande para simular o vômito. A quantidade de vômito simulado variou por pessoa, de até 5 galões americanos (19 L) durante o evento desencadeante a apenas 1⁄16 galão americano (0,24 L).


A cena em que os meninos superam um motor de trem a vapor através de um cavalete de 80 pés de altura foi filmada na McCloud River Railroad, acima do Lake Britton Reservoir, perto do McArthur-Burney Falls Memorial State Park, na Califórnia. A cena levou uma semana inteira para ser filmada, fazendo uso de quatro pequenas dublês femininas adultas com cabelos bem cortados que foram maquiados para se parecerem com as protagonistas do filme. 


Pranchas de madeira compensada foram colocadas através dos laços para fornecer uma superfície mais segura na qual os dublês pudessem correr. A equipe de filmagem até trouxe uma nova câmera para uso na tomada, apenas para ela atolar entre os trilhos na primeira tomada. A locomotiva usada para a cena, M.C.R.R. 25, ainda está em operação diária para o serviço de excursão na Oregon Coast Scenic Railroad. A compressão telefoto foi usada para fazer o trem parecer muito mais próximo do que realmente estava. Os atores não sentiram uma sensação de perigo até que Reiner os ameaçou da seguinte forma: "Você vê esses caras? Eles não querem mais empurrar essa dolly pela pista. E a razão pela qual eles estão ficando cansados é por causa de você ... Eu disse a eles que se eles não estavam preocupados que o trem iria matá-los, então eles deveriam se preocupar que eu estava indo. E foi aí que eles correram."


Jack Nitzsche compôs a trilha sonora do filme. Em 8 de agosto de 1986, um álbum de trilha sonora foi lançado contendo muitas das canções oldies dos anos 1950 e início dos anos 1960 apresentadas no filme:


"Everyday" (Buddy Holly) – 2:07

"Let the Good Times Roll" (Shirley e Lee) – 2:22

""Come Go with Me" " (The Del-Vikings) – 2:40

"Sinos Sussurrantes" (The Del-Vikings) – 2:25

"Get a Job" (The Silhouettes) – 2:44

"Lollipop" (Os Chordettes) – 2:09

"Yakety Yak" (As Montanhas-Russas) – 1:52

"Great Balls of Fire" (Jerry Lee Lewis) – 1:52

"Mr. Lee" (As Bobbettes) – 2:14

"Stand by Me" (Ben E. King) – 2:55


O sucesso do filme despertou um interesse renovado na canção de Ben E. King "Stand by Me". Inicialmente um hit pop número quatro em 1961, a canção re-entrou na Billboard Hot 100 em outubro de 1986, eventualmente atingindo o número nove em dezembro do mesmo ano. A canção também foi relançada no Reino Unido e na República da Irlanda, onde liderou o UK Singles Chart e o Irish Singles Chart, respectivamente, por três semanas consecutivas em fevereiro de 1987.



O drama urbano indicado ao Oscar Boyz n the Hood, tem várias referências diretas a Stand by Me, incluindo uma viagem de quatro crianças pequenas para ver um cadáver e o desvanecimento final de um dos personagens principais. O diretor John Singleton afirmou que incluiu as referências porque era fã do filme. 


O filme Now and Then (1995) foi descrito como uma versão "feminina" de Stand by Me por muitos críticos.


Jonathan Bernstein afirma que as discussões sobre cultura pop entre personagens em filmes de Quentin Tarantino se originam na brincadeira semisséria semelhante entre os meninos de Stand by Me. 


Os críticos viram uma influência de Stand by Me no filme de 2011 Attack the Block, dirigido por Joe Cornish. 


O filme Mud (2012) tem um personagem (Neckbone) que foi chamado de "fusão perfeita de River Phoenix e Jerry O'Connell em 'Stand by Me'".[59][60] O escritor e diretor, Jeff Nichols, disse sobre o filme "sim, você sabe, eu basicamente refiz Stand by Me" ao defender o trabalho em andamento para os executivos do estúdio. 



The Kings of Summer, um filme de 2013 de Jordan Vogt-Roberts, foi revisado como sendo inspirado em Stand by Me. 


Love and Monsters (2020) inclui um trecho da música "Stand by Me" e logo após uma cena envolvendo grandes sanguessugas venenosas.


O filme é referenciado em Pokémon Red, Green, Blue e Yellow para o Nintendo Game Boy, bem como seus remakes para Game Boy Advance, Pokémon FireRed e LeafGreen, onde a mãe do personagem do jogador está assistindo ao filme na TV assim que começa sua aventura. 


Ao interagir com a TV, o personagem do jogador diz: "Há um filme na TV. Quatro meninos estão andando sobre trilhos de trem. É melhor eu ir também." Essa referência existe nas versões originais em japonês e nas localizações em inglês, embora a referência mude para O Mágico de Oz nos remakes quando a personagem feminina é selecionada.


Assista o filme aqui:





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