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Jackie Brown (1997): Tarantino faz sua homenagem ao cinema dos anos 70 e ao "Blaxploitation"



Jackie Brown, uma comissária de bordo, contrabandeia dinheiro do México para os Estados Unidos para Ordell, um traficante de armas em Los Angeles. Quando seu mensageiro, Beaumont, é preso, Ordell paga a Max para soltá-lo, apenas para matá-lo em seguida, temendo que ele se tornaria informante. Agindo com base nas informações, os agentes da ATF, Ray Nicolette, e o detetive da polícia de Los Angeles, Mark Dargus, interceptam Jackie com o dinheiro de Ordell e um saco de cocaína, destinado a Melanie, a namorada surfista de Ordell. Dirigido por Quentin Tarantino e estrelado por Pam Grier, juntamente com Samuel L. Jackson, Robert Forster, Bridget Fonda, Michael Keaton e Robert De Niro. Uma adaptação do romance "Rum Punch" de Elmore Leonard de 1992, o filme homenageia filmes blaxploitation dos anos 1970, particularmente os filmes Coffy (1973) e Foxy Brown (1974)


Veja aqui onde assistir Jackie Brown

 

Crítica do filme


O filme começa com um longo plano lateral de Jackie Brow no aeroporto até assumir seu posto. Essa sequência foi inspirada na sequência inicial de A Primeira Noite de Um Homem. A música é Across 110th Street de Bobby Womack. Ela foi canção tema do filme clássico dos anos 70, com Anthony Quinn, perfeitamente escolhida por Tarantino. Esse detalhe entrega um poucos as intenções e inspirações de Tarantino para o filme.



Depois disso, vemos uma cena de Robert De Niro e Samuel L. Jackson vendo vídeos de garotas de biquini atirando com armas. Enquanto as armas são apresentadas, o personagem de Jackson vai descrevendo as armas, elemento de roteiro inserido por Tarantino de maneira provocativa, já que na cena é descrito que, no folheto que acompanha uma das armas, a empresa fabricante se orgulha de a arma ser a mais popular do crime organizado na América Latina. Outro detalhe, é a loirinha que acompanha o diálogo, que deduzimos ser namorada de Ordell, uma vez que ele espera que ela o sirva e atenda o telefone sem ele pedir. 



É construída uma paridade semiótica aqui que os homens buscam satisfazer seus desejos reprimidos e frustrações com as mulheres através da violência. Assim, as armas representam a falta de potência perante o controle da mulher real, que é descrita por Jackson como uma drogada preguiçosa que só ficaria "fumando maconha o dia inteiro". Só que, enquanto isso, De Niro cresce seus olhos para a garota. 



Fica ensejado que o personagem de Jackson é um bandido local, querendo criar uma grande oportunidade de ficar rico. Ele quer formar um esquema que possa o fazer melhorar de vida e ter poder, utilizando de qualquer recurso para isso. 


É preciso dizer como a direção, montagem e roteiro nesse início encaixam perfeitamente. Há cenas de televisão e outros elementos para construir o clima, o espírito da trama. Além disso, os diálogos vão desenrolando filme aos poucos, sem afobar e entregar nada. Assim vemos os acontecimentos do plano conforme ele se desenrola, trazendo uma grande tensão a trama. 



Como na cena em que Jackson coloca Chris Tucker no porta-malas acusando um suposto plano. Ele liga o rádio e sua face muda. Ele sai com o carro e, genialmente, a câmera faz um traveling para cima, onde no mesmo angulo da saída do carro, vemos Jackson dar a volta no carro dentro de um terreno baldio e executando o homem no porta-malas, revelando um certo prazer doentio em enganar e manipular as pessoas, afinal ele poderia só chegar atirando. 



Tucker era um funcionário de Jackson, ele tinha feito um crime que comprometia a organização criminosa, e ia ser preso por 10 anos, estragando o esquema. Para garantir que ele não falaria, Jackson o apagou, simples assim. 


Pulamos então para a cena em que Jackie é presa. Descobrimos que ela, apesar do emprego de aeromoça, faz mula de dinheiro de armas, se aproveitando do seu emprego oficial para tirar um dinheiro extra com tráfico. A canção Long Time Woman cai perfeitamente aqui. É legal que nessa sequência, Tarantino inseriu trilhas sonoras que questiona a postura dos policiais parece ridícula, onde aquilo parece apenas um jogo, um game de poder para eles. 


Eles puxam a ficha de Jackie para reforçar sua culpa, algo totalmente babaca uma vez que nada tem a ver com o caso, parecendo que há um julgamento racial dentro da investigação. Ao fundo do escritório dos policiais, vemos na prateleira ao fundo fotos de família e miniaturas de motos, representando bem a personalidade "sports guys" dos policiais, não profissionais, parecendo ambos bem amadores e interessados em ganhar uma grana. Como eles encontram um pacotinho de pó, dá merda e Jackie é presa, por puro preconceito uma vez que eles não tinham nada contra ela, apenas descobriram algo aleatoriamente. Ela é presa e ao fundo toca uma música perfeita para a situação. 



Vemos de maneira nojenta o juiz falar que para apurar o caso, Jackie terá que ficar 6 meses presa, mesmo se ela não for culpada, se recusando a ouvir seus argumentos e uma fiança de 10 mil reais. Para os policiais, aquilo nem importa, é só rotina. Vemos então que o plano de Jackson era que ela fosse presa pela sua postura no tribunal. Ele conversa com o agente de fianças na cena seguinte, onde ele argumenta que sabe que a justiça é racista e que vai querer prender ela por ser uma mulher negra, uma coisa bem pesada do debate jurídico do filme. Percebemos nessa cena que como Jackson controla uma organização criminosa de tráfico, ele já conta com fianças, gerindo tipo uma "máfia da fiança" com seu conhecido que é agente da condicional. 



Ele combina de soltar ela pois quer que ela coma em suas mãos, controlar Jackie Brown. É bem escroto que vemos que para o agente da condicional corrupto (algo que esses caras sempre são) vai buscar ela, levando uma latina para deixar em seu lugar na prisão. Só que quando ele vê Jackie, toca Delfonics e percebemos que ele se apaixonou por ela pelo raccord ou composição do som com a cena. 



Ela pergunta se foi o chefão do tráfico pagou sua fiança, já desconfiando de seu plano. O diálogo deles é de um romance perfeito, uma vez que é aleatório e ainda assim romântico. Eles se encontraram no meio do nada, em uma trama complexa de crime, dando um gosto a mais para saber como tudo vai se resolver.


Em um pequeno diálogo entre os dois, Jackie entende toda o plano de Jackson, já que se ele pagou a fiança para Tucker dias antes, no mesmo valor, e o homem apareceu morto, seu plano é matar Jackie Brown. O problema é que ela é inteligente demais para ser enganada. Na verdade, seu jeitão calado e ético são o grande charme da personagem. Ele tenta dar uma prensa nela, mas ela foi rápida e passou a mão na pistola do agente da condicional, que só percebe depois em uma ótima tela dividida ao melhor estilo Brian De Palma. 



É engraçado que ela não se importa nem um pouco de ter pegado a arma do agente da condicional, uma vez que ela parece já saber que ele está a fim dela. Ela oferece um café e ele parece olhar para ela surpreso por sua postura maleável, de passar da arma para o café com a maior calma. Ela coloca um disco, LP dos Delfonics, e acende um cigarro. Seu charme natural conquista o homem, que tenta manter sua neutralidade. 




Ela começa um diálogo filosófico com ele, sobre como ele se sente por envelhecer, Ele diz não se importar, ela sim. Mas ele afirma que podia a imaginar exatamente como ela era com 29 anos, uma cena muito romântica e bem construída pois sentimos ali um forte debate sobre gerações e filosofia muito interessante. 


Depois, vemos que Jackie já está negociando com os policiais que a prenderam, provando que é só falar doce e educado com esses caras que eles cedem a tudo que ela fala. Ela consegue, com seu jeito de falar e malandragem guiar as situações. Pulamos para uma cena seguinte, onde vemos novamente a namorada do traficante Ordell fumando maconha vendo televisão no sofá. Ela assiste um filme trash dos anos 70. Ordell chega com De Niro, e novamente questiona o fato de ela ainda estar no sofá as duas da tarde. 


A continuidade de uma cena para outra nos entrega uma certa divisão racista de arquetípicos que Tarantino está criticando, uma vez que se espera que a loirinha seja dondoca e mulher do cara, enquanto se espera que Jackie Brown seja independente e resolva seus próprios problemas. Essa separação entre mulher de negócios, mulher para namorar, e os tons raciais dos personagens dão o elemento chave da trama, uma vez que vemos que há toda uma organização estruturalmente racista dos negócios, onde se espera que as pessoas respondam a arquétipos sociais gerais para que se tenham lucro nos negócios. Toda essa mentalidade capitalista, torna toda as relações voltadas para "se dar bem", tornando difícil a negociação, mas previsíveis os próximos passos dos negociadores. 



Obviamente que a dondoca loira só pensa em superar Ordell, uma vez que ela se sente presa naquela realidade e sem nenhuma oportunidade a mais. Detalhe para a interpretação muito coerente e interessante de Bridget Fonda nesse filme. Ela decide, então, se aliar a De Niro para dar um golpe em Ordell e pegar sua grana, ao melhor estilo Scarface, mas sem nenhum glamour. Eles transam, mas Tarantino quer tirar o glamour da trama ao estilo Scarface e vemos que dura apenas 3 minutos e obviamente foi completamente ridículo. Fica claro que a moça só está transando com ele para fazerem negócios, ou seja, que está o manipulando, e ele sabe disso. 



Vemos que Ordell sabe que sua namorada o trai, mas que ele tem várias mulheres. Ele só a mantém pelo seu arquétipo de "surfistinha", mostrando que ele sente como uma forma de poder em ter uma garota de uma etnia diferente da sua.



Em outra cena, quando Jackie está fazendo mais uma das trocas de de dinheiro em um shopping, vemos uma moça negra chamada Sheronda, parecendo muito mais humilde do que ela. Aqui é revelado o caráter de classe da questão, uma vez que as pessoas envolvidas naquele negócio como mulas são extremamente necessitadas e desesperadas, criando a sensação que só fazem aquilo para ter acesso as experiências supostamente comuns para todos. A polícia é racista e vai atrás de Sheronda pois ela está vestida de maneira simples, mas na cena final vemos que a verdadeira sacola com o dinheiro foi com uma senhora bem-vestida e na moda, despistando assim os policiais racistas. 


Vemos que Max já está totalmente encantado por Jackie, inclusive agora ouvindo Delfonics compulsivamente em seu carro. 


Na cena do bar, onde Jackie janta com o policial, vemos que ela está jogando os policiais contra Ordell e vice e versa, se criando na corda bamba entre ambos. A cena em que vemos a roda de droga que ela faz com o avião, é genial, uma das genialidades de montagem de Tarantino, explicando estruturalmente toda a trama em uma cena. 


É interessante que na bolsa do dinheiro que Jackie vai passar para Melanie ela colocou alguns livros. E depois, quando ela está no provador elas trocam um diálogo através da parede dividida onde elas comentam como Ordell nunca fez nada por ambas, demonstrando certa sororidade feminista entre elas, reforçando a tese que a divisão que separa as duas é apenas uma construção machista e racista do próprio Ordell, o problema é que enquanto Jackie não acredita em Ordell, Melanie carrega a estrutura de Ordell com ela. 



Vemos então a cena de novo, agora pela perspectiva de De Niro e Melanie. Vemos que assim como Ordell ele quer mandar nela e ter certa autoridade sobre ela, "colocá-la na linha", anunciando certa tragédia, uma vez que ela não está totalmente emancipada em sua narrativa como está Jackie, que faz tudo aquilo para sobreviver, enquanto ela faz apenas para se dar bem, carregando consigo um cara instável e reprimido. 


É genial essa sequência, pois além de vermos em sentido de diálogo e roteiro como a sequência de situações se encaixa, a direção é perfeita em construir temporalmente as situações e consequências. O personagem de De Niro fica de certa forma traumatizado por ele não ter nenhuma função na negociação, assim como também pelas palavras de Ordell que basicamente vendeu Melanie como uma qualquer. Ela então começa a zoar com a síndrome de machão dele, que parece ter ficado com a masculinidade fragilizada por terem sido duas mulheres que pensaram o plano de superar seu patrão e não ele. Aqui fica claro a diferença de idade e geração como o problema, pois ela não fez nada demais, só implicou um pouco com ele, e o personagem de De Niro, completamente paranoico e fora de si, se revela um feminicída que atira em Melanie por motivo banal e torpe, apenas por ela ter implicado com ele, e mesmo ela cedendo no final ele atira nela duas vezes. 



Depois, vemos pela perspectiva de Max, que mais observa do que participa daquilo tudo. Pela perspectiva de Max vemos que tudo foi um plano de Jack e Melanie não pegou toda a grana, afinal ela encheu o saco de livros mais do que dinheiro, algo meio que certo uma vez que o plot deles acabou em tragédia. 



De Niro revela para Ordell que atirou em Melanie, e ele nem se preocupa com ela, só quer se certificar que ele tenha matado ela mesmo para ela não abrir o bico. Fica claro aqui a submissão de Louis a Ordell, uma vez que ele prefere ser fiel a ele até o fim do que fugir com Melanie. Assim, Ordell atira em Louis, obviamente pelo dinheiro e não por Melanie, que para ele não valia nada. A cena é bem-feita, com o assassinato sendo dentro de uma Kombi velha em um bairro aleatório, como esses crimes geralmente são. 



No final, Jackie usa Max para atrair Ordell e consegue superá-lo sem dar um tiro se quer. O poder de convencimento e lábia de Jackie era tão forte que os policiais otários fazem o serviço por ela. No final, Ordell acabou sendo apenas um pião no jogo de Jackie, que consegue ainda ficar com grande parte de seu dinheiro. 



O pesado de se perceber, é que ela também usou Max, e ele sabe disso, doendo seu individualismo. Eles se dão um beijo no final, mas ela decide partir. Ele até pensa em a seguir, mas ela não quer, pois enxerga que o trabalho dele tem um caráter social e que, obviamente, ele não será capaz de largar seu trabalho para ficar com ela. Max só se interessou por ela enquanto ela era seu trabalho, e como um bom viciado em trabalho, assim que toca o telefone há um novo caso, de um garoto envolvido com problemas com a lei, e ele esquece todo o romance. 



A sequência final, com Jackie Brown ouvindo o tema principal do filme, a canção Across 110th Street de Bobby Womack, ela começa a chorar e perceber que o seu vazio existencial. Na canção, é dito que Jackie faz tudo para sair do gueto, mas assim parece que faz de tudo para fugir de sua própria cultura. Ela conseguiu se livrar de todas as amarras que a prendiam e enganar a todos, mas não conseguiu o amor e nem o reconhecimento de ninguém. Mas e depois? Logo, como ela não é boba ou indefesa, está condenada a continuar a sua vida sozinha pois "sabe se virar". Tarantino reflete perfeitamente aqui a solidão da mulher negra perante oportunidades na sociedade, uma vez que todos estão interessados em se dar bem e nem por um segundo querem saber do pessoal de Jackie, de onde ela veio ou para onde ela vai. Isso marca profundamente o final do filme, que termina de maneira épica, emocionante e tocante, onde a expressão da atriz transmite, finalmente, toda a dor da trama.


O ponto principal do filme é que diferenças sociais, geracionais e raciais marcam as pessoas estruturalmente, mesmo no crime. Assim, é mostrado que toda a estrutura social e narrativa não quer ver mulheres, principalmente negras, vencendo, buscando sempre se dar bem em cima delas. Mas o lado genial e heroico de Jackie Brown é que ela lida com tudo e com todos e safa no final pela sua argucia e malandragem, mostrando que pela sua ética e sinceridade ela consegue convergir as situações a seu favor, afinal ela nunca tem dúvida de sua própria narrativa. 


Tarantino aqui dá aspecto de reflexão social aos blaxploitation dos anos 70, tão criticados por todos por seus arquétipos. Mas qual o papel que sobra para a mulher negra no cinema? Assim, Tarantino reposiciona essa carga negativo do arquétipo, para uma visão positiva e restauradora, onde os "exageros" são colocados como necessários para a própria sobrevivência de Jackie. Mas para todos ali, aquilo é apenas um jogo, um esquema. Assim, o diretor quer refletir em pleno governo do democrata Bill Clinton, Tarantino provocava que nada tinha mudado para as pessoas negras, principalmente as mulheres, que viviam como se estivesse ainda nos anos 70. Muitos podem discordar da opinião de Tarantino sobre isso em relação aos Estados Unidos, mas não no Brasil e demais países da América Latina que tiveram ditaduras. Aqui, culturalmente e economicamente, o Brasil permanecia preso ao "milagre" da ditadura dos anos 70, muito questionável por sinal. 



Por isso, Tarantino se garante em certo conservadorismo de sua mensagem por saber que pessoas mais pobres e simples entenderam sua mensagem, logo falar para academia e teses científicas sobre raça não são realmente seu foco. Ele quer, como Ford e Howard Hawks, falar sobre e para pessoas degradadas da sociedade, transformando seu cinema em um alívio, uma prótese, para tensão e violência inerentes na sociedade. 


Na minha opinião, é o filme mais redondo e perfeito de todos os filmes de Tarantino. Conhecido como renomado diretor, apresenta nesse filme seu trabalho de direção mais perfeito. Talvez porque nesse filme Tarantino se dedicou exclusivamente a esse trabalho, uma vez que o roteiro é adaptado e não original como na maioria de seus filmes. Ele inclusive tinha, na época, acabado de ganhar o Oscar de melhor roteiro original por Pulp Fiction, mas não pela sua direção. É sabido que o prêmio de melhor roteiro original é geralmente dado aos cineastas considerados mais à esquerda por Hollywood. Somado ao fato de não ter ganhado pela sua principal habilidade, a direção, fez com que Tarantino tivesse que se provar. 



Neste filme ele prova tanto que possui um talento e visão específica sobre o cinema e suas técnicas, como também que é abertamente de esquerda, preocupado com pautas raciais, algo que não era muito notável em seus filmes anteriores (Cães de Aluguel e Pulp Fiction, ambos já analisados aqui), sendo ambos com mensagens mais abertas e filosóficas. Aqui, Tarantino abre mão de uma visão mais escapista do cinema e elabora uma visão de tese, onde as relações representadas funcionam tanto para a sociedade e o racismo inerente nas pessoas, como para o mundo do cinema e a visão dos filmes sobre arquétipos em geral. Um trabalho puro, despretensioso e genial que merece ser mais reconhecido e valorizado, principalmente pela atualidade do debate. É daqueles filmes que vale ver e rever várias vezes, pois sempre se pegará elementos novos.



História por trás do filme


Depois de completar Pulp Fiction, Quentin Tarantino e Roger Avary adquiriram os direitos cinematográficos dos romances de Elmore Leonard, Rum Punch, Freaky Deaky e Killshot. Tarantino inicialmente planejava filmar Freaky Deaky ou Killshot e ter outro diretor fazer Rum Punch, mas mudou de ideia depois de reler Rum Punch, dizendo que ele "se apaixonou" pelo romance novamente. 


Killshot foi mais tarde adaptado para um filme, produzido pelo produtor de Jackie Brown, Lawrence Bender. Ao adaptar Rum Punch em um roteiro, Tarantino mudou a etnia do personagem principal de branca para negra, além de renomeá-la de Burke para Brown, titulando o roteiro Jackie Brown. Tarantino hesitou em discutir as mudanças com Leonard, finalmente falando com Leonard quando o filme estava prestes a começar a ser filmado. Leonard adorou o roteiro, considerando-o não apenas o melhor das 26 adaptações de seus romances e contos, mas também afirmando que era possivelmente o melhor roteiro que ele já tinha lido.



O roteiro de Tarantino acompanhou de perto o romance de Leonard, incorporando elementos do humor e ritmo, marcantes de Tarantino. O roteiro também foi influenciado por filmes de blaxploitation, mas Tarantino disse que Jackie Brown não é um filme de blaxploitation.


Jackie Brown faz alusão à carreira de Grier de muitas maneiras. O pôster do filme se assemelha aos dos filmes de Grier Coffy e Foxy Brown e inclui citações de ambos os filmes. A tipografia para os títulos de abertura do filme também foi usada para os de Foxy Brown; algumas das músicas de fundo são levantadas desses filmes, incluindo quatro músicas da partitura original de Roy Ayers para Coffy.



A sequência de abertura do filme é semelhante à de The Graduate (A Primeira Noite de Um Homem), em que Dustin Hoffman passa cansado pelo Aeroporto Internacional de Los Angeles, compor azulejos brancos ao fundo, com a canção "Sound of the Silence" ao fundo, de Simon e Garfunkel. 


Em Jackie Brown, a atriz desliza por azulejos azuis no mesmo local em uma calçada em movimento na mesma direção, só que com a canção de soul, "Across 110th Street", de Bobby Womack.


Enquanto Jackie Brown estava em produção, a Universal Pictures estava se preparando para começar a produção em Out of Sight, do diretor Steven Soderbergh, uma adaptação do romance de Leonard de mesmo nome que também apresenta o personagem de Ray Nicolette, e esperou para ver quem Tarantino escolheria como Nicolette para Jackie Brown. Michael Keaton hesitou em assumir o papel de Ray Nicolette, embora Tarantino o quisesse por isso. 


Keaton posteriormente concordou em interpretar Nicolette novamente em Out of Sight, não creditado, aparecendo em uma breve cena. Embora os direitos legais do personagem tenham sido mantidos pela Miramax e Tarantino, como Jackie Brown havia sido produzido primeiro, Tarantino insistiu que o estúdio não cobrasse da Universal por usar o personagem em Out of Sight, permitindo que a aparência do personagem sem que a Miramax recebesse compensação financeira.


Tarantino queria que Pam Grier interpretasse a personagem-título. Ela se preparou anteriormente para a personagem de Pulp Fiction, Jody, mas Tarantino não acreditava que o público acharia plausível que Eric Stoltz gritasse com ela. Grier não esperava que Tarantino a contatasse após o sucesso de Pulp Fiction. 


Quando apareceu para Jackie Brown, Tarantino tinha pôsteres de seus filmes em seu escritório. Ela perguntou se ele tinha colocado-os porque ela estava vindo para ler para o seu filme, e ele respondeu que ele estava realmente planejando derrubá-los antes de sua audição, para evitar fazer parecer que ele queria impressioná-la. Vários anos após o lançamento do filme, Sylvester Stallone alegou que recusou o papel de Louis Gara. Tarantino considerou Paul Newman, Gene Hackman e John Saxon para o papel de Max Cherry, antes de escalar Robert Forster. 


Jackie Brown tem atraído críticas por sua expressão pesada do insulto racial "negro(nigga)". A palavra é usada 38 vezes ao longo do filme, que foi o maior em qualquer filme de Tarantino até a época do lançamento de Django (2012) e Oito Odiados (2015). Durante uma entrevista com Manohla Dargis, Tarantino é citado como dizendo que "no minuto em que qualquer palavra tem tanto poder, no que me diz respeito, todos no planeta devem gritar. Nenhuma palavra merece tanto poder." 


Spike Lee criticou o uso da palavra no filme, dizendo "O problema com Jackie Brown, vou dizer isso de novo e de novo. Eu tenho um problema definitivo com o uso excessivo de Quentin Tarantino da palavra 'nigga". Depois, Spike comentou: 'Eu não sou contra a palavra, eu a uso, mas não excessivamente. E algumas pessoas falam assim. Mas Quentin está apaixonado por essa palavra. O que ele quer que seja feito - um homem negro honorário? E ele usa em todas os seus filmes: Pulp Fiction e Reservoir Dogs ... Eu quero que Quentin saiba que todos os afro-americanos não pensam que a palavra é da moda ou neutra." 


O crítico de cinema Pascoe Soyurz também encontrou problemas com a repetição da palavra. Soyurz diz: "Eu não necessariamente me alinharia com Spike Lee, mas eu tenho algumas reservas sobre um filme desse tipo saindo neste momento. Parece-me que há um tipo de sensação de cultura-abutre nisso. Estou preocupado com essa coisa de "blaxploitation". Hollywood é uma fábrica de sonhos, mas foi Hollywood que criou algumas das imagens mais negativas dos negros, que tiveram grandes efeitos na maneira como fomos percebidos em todo o mundo." Ele conclui afirmando que o uso da palavra "desvaloriza a palavra e a palavra tem muito significado".


A escolha de Tarantino para usar a palavra foi defendida pelo ator Samuel Jackson, que faz o papel de Ordell Robbie. "Eles tinham outro nome para chamar as pessoas (negras) de quem estavam falando na época?" Jackson pergunta. Ele continua dizendo: "Se você vai lidar com a língua da época, você lida com a linguagem da época. E essa era a linguagem da época. Eu cresci no Sul. Eu ouvi "nigga" toda a minha vida. Eu não estou perturbado com isso."


Canções de vários artistas são ouvidas ao longo do filme, incluindo "La-La Means I Love You" e "Didn't I (Blow Your Mind This Time) de Bill Withers, "Midnight Confessions", de Bill Withers, "Midnight Confessions", de Johnny Cash, "Natural High", de Bloodstone, e Foxy Brown. "(Sagrado Matrimônio) Casado com a Firma". Há várias canções incluídas que foram destaque em filmes de blaxploitation também, incluindo "Across 110th Street", de Bobby Womack, do filme de mesmo nome, e "Long Time Woman", de Pam Grier, de seu filme de 1971 The Big Doll House. A trilha sonora original também apresenta faixas separadas com diálogo do filme. Em vez de usar uma nova trilha sonora do filme, Tarantino incorporou a trilha sonora de Roy Ayers do filme Coffy.


Uma série de canções usadas no filme não aparecem na trilha sonora, como "Cissy Strut" (Os Medidores) e "Piano Improviso" (Dick Walters).


Ouça a trilha sonora:











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