Em plena Guerra Fria, quando os estúdios de Hollywood investiam pesado em superproduções como Cleópatra (1963) e Ben-Hur (1959), a União Soviética decidiu mostrar que também podia fazer cinema em escala épica — e talvez até superá-los. O resultado foi Voyna i Mir (Guerra e Paz), dirigido por Sergei Bondarchuk, uma adaptação monumental do romance de Liev Tolstói que se tornaria não apenas um marco do cinema soviético, mas também um dos filmes mais caros da história.
Produzido pelo estúdio estatal Mosfilm, o projeto foi encomendado em meados dos anos 1960, num momento em que o cinema soviético buscava reafirmar sua grandeza cultural diante do Ocidente. A adaptação de Guerra e Paz não era apenas uma homenagem à literatura russa, mas também um gesto de poder simbólico, um lembrete de que a União Soviética tinha recursos — humanos e financeiros — para competir com qualquer superprodução americana.
Escala inédita no cinema mundial
O filme foi dividido em quatro partes, lançadas entre 1966 e 1967, somando mais de sete horas de duração. Cada capítulo possuía estrutura e escala próprias, o que fez com que, na prática, Bondarchuk dirigisse quatro longas-metragens consecutivos, cada um com o orçamento de uma superprodução.
A dimensão do projeto era absurda:
Mais de 12 mil figurantes;
Cerca de 35 mil soldados do Exército Vermelho cedidos pelo governo para as cenas de batalha;
Reconstruções minuciosas de cidades e palácios do século XIX;
Figurinos e armamentos produzidos artesanalmente;
Filmagens realizadas em dezenas de locações reais por toda a URSS.
Só a batalha de Borodino, um dos momentos mais icônicos do filme, levou quase dois anos para ser planejada e filmada.
Um orçamento colossal
Os custos oficiais variam conforme a fonte, mas as estimativas mais aceitas giram em torno de 8 a 9 milhões de rublos soviéticos, o que equivaleria a mais de 100 milhões de dólares em valores atuais. Para comparação, Cleópatra, tida como o filme mais caro de Hollywood à época, custou cerca de US$ 44 milhões em 1963.
Mas quando se ajusta pela diferença entre as economias, Guerra e Paz custou, proporcionalmente, mais do que qualquer produção ocidental de seu tempo.
Em termos relativos, a União Soviética dedicou ao filme uma fatia de recursos equivalente ao que os EUA gastariam em um blockbuster moderno como Avatar ou Vingadores: Ultimato. Foi, portanto, um investimento nacional em prestígio cultural.
Repercussão internacional
Quando Guerra e Paz começou a ser exibido no Ocidente, a recepção foi de espanto e admiração. Mesmo críticos acostumados com o espetáculo hollywoodiano reconheceram que o filme de Bondarchuk levava o conceito de cinema épico a outro patamar, sendo o primeiro filme soviético a ganhar o Oscar, 1969.
O cineasta Orson Welles o descreveu como “um milagre de energia e beleza”, elogiando especialmente as cenas de batalha, que, segundo ele, “nenhum outro diretor no mundo conseguiria filmar daquela maneira”.
![]() |
| Orson Welles com Sergei Bondarchuk, diretor do filme |
Já o francês Jean-Luc Godard, ícone da Nouvelle Vague, chamou o filme de “a verdadeira superprodução da alma”, destacando a fusão entre o gigantismo técnico e a sensibilidade literária de Tolstói.
Críticos americanos e europeus, embora surpresos com o tom patriótico e a duração monumental, reconheceram a proeza técnica e o alcance emocional da obra. Muitos viram nela uma resposta soviética à tradição hollywoodiana dos grandes épicos bíblicos e históricos.
Entre o cinema e a propaganda
Apesar da grandiosidade, o projeto não foi pensado apenas como espetáculo. Bondarchuk buscava uma leitura profunda do romance de Tolstói, explorando dilemas existenciais e sociais em meio à guerra napoleônica. Ainda assim, o governo soviético via o filme como um triunfo ideológico, capaz de mostrar ao mundo o poder da arte socialista em competir, e até superar, o capitalismo de Hollywood.
Reconhecimento mundial
O resultado foi uma obra monumental. Guerra e Paz venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1969 e recebeu aclamação da crítica por sua escala, fidelidade histórica e complexidade estética. Ao mesmo tempo, consolidou a reputação de Bondarchuk como um dos grandes cineastas épicos do século XX.
O legado de um épico
Mesmo décadas depois, poucas produções igualaram a ambição de Voyna i Mir. O filme segue como um símbolo de um tempo em que o cinema era também uma demonstração de força econômica e política.
Se hoje Hollywood gasta centenas de milhões em efeitos digitais, a União Soviética, nos anos 60, gastou o equivalente para mobilizar um exército real, reconstruir o passado e filmar uma das maiores epopeias já vistas.
Mais do que uma adaptação literária, Guerra e Paz foi uma declaração cultural de potência — e talvez o exemplo definitivo de quando o cinema, literalmente, custou o preço de uma guerra. Para quem quiser saber mais sobre o filme, recomendo livro da historiadora Denise Youngblood sobre o tema.
Como a maioria dos filmes da Mosfilm, o filme está em domínio público, por isso você pode assistir as quatro partes (legendadas) a seguir:
Parte 1
Parte 2
Parte 3
Parte 4






Comentários
Postar um comentário