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Profissão Ladrão (Thief, 1981): A melhor cena da carreira de James Caan em primeiro longa de Michael Mann



Frank é um ladrão de joias e ex-presidiário que tem uma estrutura definida para sua vida. Com um par de negócios bem-sucedidos de Chicago (um bar e uma concessionária de carros) como fachadas para sua empresa criminosa, Frank parte para cumprir a parte que falta sua visão de vida: uma família com Jessie, uma caixa que ele começou a namorar. Para alcançar mais rápido o seu objetivo, ele concorda em fazer apenas um trabalho para a máfia. O problema é que os mafiosos têm outros planos para ele.

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Crítica do filme


Profissão Ladrão (Thief) é um dos filmes mais surpreendentes que já vi. Muito em decorrência do incrível trabalho de direção, que focou todo o filme em ser uma metáfora sobre o mundo profissional. Me despertou escrever do filme pela incrível interpretação de James Caan, recentemente falecido, que nesse filme faz, para mim, sua melhor interpretação.


Começamos o filme da perspectiva profissional de Frank: arrombar cofres. E não é atoa que vemos esse lado de sua vida primeiro, já que, como veremos, a profissão é o ápice de sua vida. Para Frank, seu talento é seu refúgio, dando a sensação que ele rouba muito mais por profissionalismo de seu talento de arrombador, do que pelo dinheiro em si. 



Vemos que apesar disso, seu relacionamento com mulheres não é muito legal. Ele tem que buscar sua namorada em um bar, quase arrumando confusão com o atendente (William Petersen). 


Ele consegue convencer ela a ir junto com ele para termos simplesmente a cena que explica todo o filme. Eles conversam em um restaurante, onde Frank conta que ele já tinha sido preso e que o guarda da prisão que ele ficou organizava um grupo de estupro a presos. Frank foi a bola da vez. Ele conseguiu marcar permanentemente o abusador, mas ele foi abusado. Isso explica o seu baixo valor por si mesmo e porque aceita serviços sujos: ele se considera condenado. Uma cena realmente muito bem construída, pois tudo soa aleatório e ao mesmo tempo extremamente bem construído. Essa cena era considerada pelo próprio James Caan a melhor de sua carreira:




Um detalhe muito interessante do filme, é que seu parceiro preso é ninguém menos que Willie Nelson, grande cantor ícone da música country americana. Uma participação no mínimo inusitada.



O grande lance do filme é que, por ser bom e profissional demais, Frank chama atenção de um manda chuva local que quer o contratar para fazer os roubos para ele. 



Frank tenta recusar, mas como ex-presidiario suas chances são poucas. Vemos isso na cena da entrevista, talvez a melhor do filme. É como se o sistema simplesmente não fosse feito para incluir certas pessoas, por mais qualificadas e profissionais que elas sejam.



A grande virada, é que descobrimos que o outro lado, o do crime, tão pouco quer de fato incluir Frank. Seu "chefe" na verdade só queria comprar sua mão de obra para eliminar a competição. Todo o acesso, casa, carro, casamento e tudo mais foi jogado em sua cara como formas de o disciplinar e não cumprir o acordo de receber o dinheiro e encerrar a parceria. 


Obviamente, assim seu chefe esticou a corda e simplesmente há pessoas que não são domáveis. Frank acho melhor perder tudo, do que se submeter. Aqui há um certo niilismo, onde a abdicação da infraestrutura é mais forte do que o fetiche que essas mercadorias podem gerar ao condicionamento humano. Ele preferiu perder tudo do que ter o rabo preso. 


Um detalhe interessante, que reflete muito sobre aspectos da vida pessoal e relacioniamentos, é que quando Frank invade a casa para matar seu chefe, a mulher do homem assiste televisão na sala. Ela toma um susto, mas olha para ele e sabe o motivo de ele estar ali e nem mesmo se desespera ou se preocupa, apenas volta a assistir a televisão, entregando assim sem uma palavra que nem ela suporta ele.



Cinematograficamente é uma decisão corajosa do diretor, Michael Mann, pois justamente o que é incentivado todos os dias na nossa sociedade é engolir sapo, abaixar a cabeça e seguir em frente para manter o dinheiro e oportunidades. Só que a forma que é construído para Frank é tão repugnante, com ameaças a integridade de sua família, que ele não consegue simplesmente abaixar a cabeça e esperar a vontade divina. Ele prefere não ter mais nada do que ser mais uma vez rebaixado. Isso acontece com pessoas que são muito humilhadas: chega um momento que elas não se importam mais. 


Em sentido de forma e técnica, o filme é genial. A direção e a edição são perfeitas, me impressionando a formam como Michael Mann consegue dar destaque e contorno ao ordinário, ao simples, pelos valores empregados dentro daquela narrativa. Assim, o roteiro serve como um guia espiritual para a linguagem do filme, que destaca os contornos do protagonista perante os desafios, suas qualidades e caminhos. Há uso muito rico de vários planos para clarear a narrativa, transformando-a em algo com uma proporção realmente suave e auto explicativa dos planos.


Essa técnica complexa e ao mesmo tempo relaxante, faz o filme funcionar de maneira sistêmica, formando pequenas formas de apresentar algumas situações do mesmo jeito, como cenas em carros. Isso fez com que a fluidez da linguagem do filme, inspira-se a forma como os jogos como da franquia Grand Theft Auto para estabelecer sua mecânica de jogo: como pular, como atirar, como arrombar um cofre e etc. Isso decorre principalmente do profissionalismo do próprio Michael Mann, que buscou como técnicos para o filme arrombadores de verdade, dando ao filme uma estética de "como resolver problemas" e "faça você mesmo" que os games se inspiram muito. 


Detalhe para o final, onde a música de encerramento dos créditos começa no momento que ele atira no chefe, e perdura durante toda a sequência final do filme, algo muito inteligente do filme e que dá uma dinâmica bem legal para o final.

 


A fotografia do filme, e suas cenas noturnas são de arrasar. O uso do efeito boker em vários momentos do filme, destacando e dando realce as cenas, é realmente muito bonito e inteligente. 



Entretanto, fora a direção, o maior destaque desse filme vai para atuação, principalmente de James Caan. A maior parte do que acontece antes e depois do filme, como projeções, acontecem apenas de maneira projetiva, em diálogos. Convencer através apenas do diálogo, além de exigir muito do texto, necessitava de um ator bom, que conseguisse segurar o filme quase sozinho. 


Era um desafio também, pois James Caan havia se marcado muito com a atuação de Sonny Corleone de O Poderoso Chefão, fazendo muitos papéis parecidos com esse. Mas Frank de Profissão Ladrão é totalmente diferente de Sonny, menos impulsivo e arrogante. Muito mais ardiloso e calculista, sendo realmente um trabalho muito bom de distanciamento do seu personagem. 



Um filme realmente muito impressionante e divertido, que reflete de maneiras inteligente paradigmas profissionais, masculinos e relacionamento. Hoje em dia, um filme que reflete um Michael Mann mais cru e puro em sua direção, tornando talvez esse um de seus melhores filmes, talvez o melhor, por ser bem simples e ir direto ao ponto, servindo quase como uma tese do estilo de seu próprio estilo e jeito de trabalhar. Se você gosta de filmes do gênero, é entretenimento certo.


História por trás do filme


Thief marcou a estreia de Michael Mann como diretor, roteirista e produtor executivo.


Mann fez sua estreia na direção com o filme de TV, "The Jericho Mile", mas foi com Thief que ele realmente estreou na direção de um longa de maneira real e autora. The Jericho Mile foi parcialmente filmado na prisão de Folsom. Mann diz que isso influenciou a escrita de Thief:


"Provavelmente aprimorou minha habilidade de imaginar como era a vida do Frank, de onde ele era, e como eram esses 12 ou 13 anos de prisão tinham sido para ele. A ideia de criar seu personagem era ter alguém que esteve fora da sociedade. Um estranho que foi removido da evolução de tudo, da tecnologia à música que as pessoas ouvem, à forma como você fala com uma garota, o que você quer com sua vida e como você vai conseguir. Tudo o que é desenvolvimento normal, que experimentamos, ele foi excluído, por design. No desenho do personagem e na engenharia do personagem, essa era a ideia." 



Mann fez James Caan fazer uma pesquisa como um ladrão para seu papel, e disse:


"Eu sempre acho interessante, pessoas que estão conscientes, alertas, conscientes do que fazem e são muito boas nisso... As pessoas que querem colocar 50-60 horas por semana e ir para casa e não estão realmente conscientes da vida passando, não me interessam muito... Como parte do currículo projetado para um ator entrar no personagem, tento imaginar o que realmente vai ajudar a trazer esse ator mais completo para o personagem. E então eu tento imaginar que experiências vão tornar mais dimensional sua ingestão de Frank, de modo que ele é Frank espontaneamente quando eu estou filmando. Então, uma das coisas mais óbvias é que seria muito bom se [James Caan] fosse tão bom em fazer o que Frank faz como é Frank."


Jerry Bruckheimer e Ronnie Caan foram os produtores do filme.


O monólogo emocional de vários minutos de James Caan com Weld em uma cafeteria é frequentemente citado como o ponto alto do filme, e Caan há muito considera a melhor e a cena favorita de sua carreira, como já dito. 



O ator gostou do filme, embora tenha achado o papel desafiador para desempenhar. "Eu gosto de estar emocionalmente disponível, mas esse cara está disponível para nada." 


Sendo a estreia de Michael Mann na direção do cinema, Thief mostra muitas das técnicas cinematográficas que mais tarde se tornariam suas marcas registradas. 


Entre elas, está a fotografia, já que Michael Mann opera ele mesmo a câmera de seus, utilizando luz e sombra para dar ao processo, especialmente aqueles que ocorrem na escuridão da noite, uma sensação de perigo. 


O filme também ganha elogios por sua meticulosa atenção aos detalhes: as ferramentas e técnicas do comércio, até a lança de oxi usada para penetrar um cofre, são autênticas, resultado da decisão de Mann de contratar ladrões da vida real para servir como consultores técnicos.



Thief marca a primeira aparição cinematográfica dos atores Dennis Farina, William Petersen (o Grissom de CSI), James Belushi e Robert Prosky. 



Na época policial de Chicago, Farina aparece como um capanga. Por outro lado, John Santucci, que faz o papel de policial corrupto Urizzi, foi um ladrão recentemente em liberdade condicional e atuou como um conselheiro técnico em Thief. 


Em 1986, Farina e Santucci foram escalados para a série de TV Crime Story, Farina como tenente da polícia de Chicago e Santucci como um ladrão de joias. Petersen, que mais tarde estrelaria (juntamente com Farina) o filme de Mann, Manhunter (Caçador de Assassinos, 1986), aparece brevemente como um barman em um clube. 


O influente professor de improviso de Chicago Del Close tem uma breve aparição como mecânico, em uma cena que foi improvisada com os outros atores mecânicos. 


Michael Mann originalmente pretendia marcar a música com o Chicago Blues. Ele disse: "No entanto, eu senti que o que o filme estava dizendo, tematicamente, e a facilidade com que o filme poderia ser capaz de ter ressonância com o público. Eu senti que ser tão regionalmente específico na escolha musical tornaria a experiência de Frank específica apenas para Frank... Então eu queria o tipo de transparência, se você quiser, a formalidade da música eletrônica, e, portanto, Tangerine Dream."


Originalmente intitulado Violent Streets, o filme estreou no 34º Festival de Cannes. Foi inaugurado nos cinemas dos Estados Unidos em 27 de março de 1981, ganhando modestos US$ 4,3 milhões. 


Embora não seja um sucesso total financeiro em seu lançamento inicial, o filme tornou-se um ponto de referência na carreira de Mann, especialmente com o lançamento de seu épico criminal, Heat(Fogo contra Fogo), com o qual este filme tem muitas semelhanças.


O alambique de Frank segurando uma arma em Attaglia enquanto ele tenta recuperar seu dinheiro em uma cena inicial foi usado para um dos pôsteres do filme.


Perto do fim do filme, Frank destrói sua casa. A companhia de cinema construiu uma fachada falsa em uma casa de verdade e tentou destruí-la com explosivos. As explosões danificaram severamente a casa real, no entanto, levando à sua demolição.


Mann ganhou reputação como um diretor que usa música de ponta para seus filmes. As paisagens sonoras bem fortes de Thief foram compostas e interpretadas por Tangerine Dream, a segunda de muitas partituras notáveis compostas pelo grupo ao longo da década de 1980. O filme foi indicado ao Prêmio Razzie de Pior Trilha Sonora, uma indicação babaca por sinal, pois a trilha é foda, apesar de exagerada e data. 


Dos filmes de Mann analisados aqui no blog, além deste, já analisamos Manhunter (Caçador de Assassinos) e The Insider (O Informante). Pretendemos fazer de todos os seus filmes. Então, até o próximo filme de Mann!


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