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Pra Frente, Brasil (1982): Clima de Copa do Mundo contrasta com prisão e a tortura dos anos de chumbo em filme clássico do cinema nacional



No Brasil de 1970, era a época dos anos de chumbo, do milagre econômico, e da conquista da Copa de 1970 no México. É no meio desse clima, que Jofre Godoi da Fonseca (Reginaldo Faria), é um homem comum, casado e com família, que é foi considerado subversivo por ter dividido um táxi com um militante de esquerda sem saber, desaparecendo em seguida sem deixar rastros, deixando sua mulher e família desesperados atrás dele, principalmente seu irmão (Antônio Fagundes) que vai atrás de pistas para encontrá-lo. Direção, roteiro e diálogo de Roberto Farias, baseado no argumento da peça "Sala Escura" de Reginaldo Farias e Paulo Mendonça 



Jofre Godoi da Fonseca é um homem trabalhador, comum e de classe média. Sua esposa é Marta (Natália do Vale). Já Miguel (Antônio Fagundes) namora Mariana, uma militante comunista e guerrilheira que sente que Miguel é centralista e neutro demais para entendê-la. 


Jofre desaparece e ninguém encontra ele em lugar nenhum. Ele foi preso e foi torturado por ter sido visto conversando com um militante procurado. 



Miguel e Marta tentam os meios oficiais, necrotérios, hospitais, delegacias, mas encontram certa relutância da polícia em investigar o desaparecimento. Seu telefone é grampeado, que desconfia de "atividade terrorista" por parte do pai de família. Jofre, por sua vez, insiste que é inocente e é apolítico: que não sabe nem lida com política. Entretanto, a neutralidade de Jofre parece irritar ainda mais os torturadores.


Miguel recebe Mariana em casa depois dela se ferir em um fracassado assalto a banco. É quando ficamos sabendo da atuação de empresários enquanto patrocinadores de sessões de torturas. 



Miguel e Marta vão em diversos necrotérios, IMLs e escutam dos policiais que eles estão desconfiando deles, tanto quanto eles estão desconfiando da polícia.  Jofre está nas mãos de grupos paramilitares e por isso não pode ser "devolvido". 


Jofre consegue fugir de seu cativeiro, mas é pego por uma veraneio. Barreto, o chefe dos torturadores, sai pessoalmente para ver o estrago que os homens tinham feito nele.  Não se sabe se ele morreu ou ficou desparecido depois disso. Ao fundo, o som dos gols entre Itália e Brasil, enquanto tocava a música "Pra frente, Brasil" de Miguel Gustavo. 


Tem até mesmo uma testemunha (o garçom funcionário do bar), que afirma que viu a emboscada quando Jofre foi atacado junto ao homem que foi morto pela polícia. A família de Jofre tenta fugir para uma casa de campo, mas são encurralados por um grupo miliciano do governo. 



Minha Crítica do filme


O filme retrata o auge da repressão aos opositores da ditadura militar brasileira, no governo de Emílio Garrastazu Médici. O filme tem a curiosidade de ter o mesma nome da música (marchinha) lançada na época, também como propaganda do Brasil na Copa do Mundo do México, servindo como música de comemoração para o tricampeonato mundial brasileiro. 


Foi dessa época também a campanha "Brasil, ame-o ou deixo-o", conhecida como uma propaganda oficial da seletividade e convivência nada amistosa do regime a possíveis inimigos. 



Estamos aqui em face de um dilema histórico. Será que a Alemanha se orgulha de prêmios e "avanços" conseguidos na época dos nazistas, ou a ditadura de Franco na Espanha (da tradicional monarquia), ou Salazar em Portugal, Pinochet no Chile? Será que algum legado por ser lembrado ou melhor, será que algum legado pode ser esquecido? 


Alguns autores mais culturalistas tentam abordar uma forma de separação, vendo no futebol uma ideia mais democrática radical a revelia, meio como Garrincha, do regime militar. Apesar do futebol na ditadura ter servido como parte da identidade nacional, na época, essa comemoração acabava sendo uma forma de esquecer o fim da política e da democracia no Brasil. 


Isso faz a gente pensar que na hora do jogo, como mostrado no filme, todos esquecem ideologia, e todos somos brasileiros nessa hora. Mas vamos combinar que é difícil esquecer o que do nacionalismo pode ser malefício histórico. Esconder a condição do país foi uma herança do senso positivista de propaganda e nacionalismo. 


O Brasil era como uma máquina, centralizada, fria e completamente desgovernada de maneira estrutural. A nossa sorte foi que os republicanos perderam na América, tornando o fim da ditadura militar no Brasil questão de tempo e de ironia história. Apenas nos anos de 1980 voltaríamos a falar diretamente sobre abertura política e institucional (uma vergonha para um país). 



Em um tempo onde o desenvolvimentismo convivia com uma intensa desvalorização salarial, as greves de trabalhadores cresciam e ganhavam cada vez mais apoio popular. A popularidade que se ganhava em um rompante, era perdida pela falta de oportunidades a longo prazo e pela crise do petróleo de 1973. Todos os índices permaneceram mascarados até essa época, onde os dados de dívida externa junto ao F.M.I foram todos mascarados, e o esquema foi descoberto pelas autoridades americanas. 



Élio Gaspari, no livro A Ditadura Escancarada, aborda essa contradição paradoxal brasileira. O milagre econômico veio junto com os anos de chumbo, e passou para a história como de maneira genérica como a grande maioria "aceitando" o regime, mas não era bem assim. Havia muita resistência e a corrupção dos generais era conhecida, o que já sinalizava mais do que a corrupção que havia na época democrática. A falta de transparência e de eleições condenou o país a gestores fisiológicos. 


Normalmente, quem fala sobre os anos de chumbo, tenta ignorar o milagre econômico. Mas não é necessário. Já que o milagre econômico não durou muito e logo veio junto com um pesado período de declive econômico e a hiperinflação dos anos 80. 



O filme Pra Frente, Brasil foi lançado no mesmo ano de "Missing" de Costa-Gravas, que teve uma ampla fama, até mesmo por focar demais na tortura em seus filmes, quase mostrando como fazer. Esse filme de Costa-Gravas denunciava as práticas do governo do general Augusto Pinochet no Chile. Mas Roberto Farias, por exemplo, recusou as comparações, em entrevista à Veja, dia 16 de fevereiro de 1983, dizendo que Gravas lhe parecia um "cafetão das esquerdas" que vivia em Paris e não conhecia realidades diferentes da sua. 



Há quem diga também que o filme "inocenta os militares", abordando os problemas de esfera civil dentro da ditadura, como a questão da polícia e seus grupos à margem do Estado, financiados e explorados por empresários. Aí é um debate mais historiográfico e complexo. É um pouco esteticamente pesado e violento também. Entretanto, é um filme obrigatório, genial em seu roteiro e argumento  onde a neutralidade e a noção de "centro" são questionadas na essência, onde até você que não liga para a política, pode ter sua vida afetada por ela. 



Bastidores e história por trás do filme


A produção foi feita em um período onde qualquer cidadão, por qualquer motivo, poderia ser parado por ser considerado um "subversivo". Alguns chamam de fase do "ditadura do guarda da esquina". Isso inclui também possuir livros e cd's que poderiam ser considerados subversivos. Você poderia virar um alvo por ter um livro de Karl Marx, por exemplo. Era um tempo de censura, violência e muito medo. O chefe da empresa de Jofre e de seu irmão justifica financiar o regime devido ao fato de poder ficar sem crédito na praça.


Empresários como o alemão Henning Boilesen. Roberto Farias utilizou de seus contatos nacionais e buscava então fazer o filme sair de qualquer maneira. Por isso o tom falso de otimismo do início que mascara o desaparecimento de Jofre. 


Farias queria fazer um filme que pudesse ser exibido e lucrar com bilheteria. O empresário chefe dos irmãos foi pensado enquanto Henning Boilesen, um dos grandes apoiadores reais da tortura e de seus métodos na ditadura. Filme crítico ao regime, foi também financiado por ele, e causou a demissão de Celso Amorim, o então presidente da Embrafilme, entrando em cartaz completamente em uma versão integral apenas em 1983. 


Os órgãos de repressão e propaganda faziam o modelo de caça aos "inimigos do regime" (inimigos externos). O período era também de crescimento econômico, que não via desacompanhado de muita desigualdade social. A ideia de fazer o bolo para depois dividi-lo era muito dita pelos economistas do regime. 



O ambiente era de intenso ufanismo e propaganda nacional. O técnico contratado para a seleção canarinho na época era o João Saldanha, conhecido por um esquentado, como também militante do PCB (Partido Comunista Brasileira), depois a galera de Pelé queria fazer um treinamento mais militar e rígido, por tanto entrou Mário Jorge Zagallo, e assim aumentou a influencia do militarismo.


Tanto no Brasil de 1970, como no caso da Argentina de 1978. A Argentina já havia sofrido com um golpe militar dois anos antes, que havia deposto a presidência de María Estela Martínez de Perón. No Brasil, o SNI (Serviço Nacional de Informações) se tornou uma ampla rede de espionagem, no governo Médico. 


Em 1969, é criado o sistema de Codi-Doi, uma espécie de polícia política formada pela polícia civil, feminina e militar, membros das três esferas militares, e também os bombeiros. Eles possuíam uma forma de independência operacional a parte da hierarquia tradicional.  


Emílio Garrastazu Médici começou sua carreira durante o governo de Castelo Branco, ocupando cargo no Itamaraty (na época que os Estados Unidos apoiava completamente o regime militar no Brasil). Era de família italiana, e sua família havia se constituído no Uruguai (país que fora criado após o fim da Guerra do Paraguai antiga). 


A ligação ideológica aqui é que Médici era um contato com os Estados Unidos, e que teria virado em 1967 o chefe da agência nacional de inteligência e espionagem. Como também foi o ano da implementação do ato institucional (AI-5), que simbolizou um fechamento e um autoritarismo ainda maior por parte do regime. 


Em termos econômicos, havia uma falsa sensação de aceleração econômica. 


Médici manteve o ministro das finanças de Costa e Silva, Delfim Neto. Apesar das rivalidades que levaram ao caso Watergate, e apesar também de Kennedy e Lyndon Johnson apoiaram o golpe militar por anti comunismo barato fruto da crise do bipartidarismo americano, que muitas vezes, perde sua identidade ao observar conflitos internacionais. Nixon manteve a política de apoio aos governos de ditadura na América Latina.


No Brasil, a cópia do modelo de democracia americana era apenas um simulacro de democracia no Brasil. Depois do AI-5, revistas como a Playboy e a revista alemã Der Spiegel foram censuradas no Brasil com a desculpa de "ofender a moralidade". Foi a época de morte e perseguição aos grupos de guerrilha e de morte de líderes como Marighela e Lamarca. 


Havia o MDM (os considerados "liberais" (no sentido de costume) da época, e a ditadura representada no ARENA (partido do regime autoritária). Para além dos Estados Unidos ser "mau", temos que entender que "eles também não sabem", no sentido de que o voto distrital deles faz com que o voto por indivíduo (por ideologia ou grupo) não valha de nada. No próprio filme, é comentado pelo personagem de Reginaldo Farias que toda a vez que a seleção é vaiada na saída do país, ganhava lá fora. Uma forma de dito popular sobre a associação da seleção com o próprio país. 


Ou seja, o candidato tem que ser aprovado por uma forma de "deep state estadual" nos Estados Unidos, por o que elegeu Bush, mas também elegeu Biden. Os americanos não puderam apontar para os erros ou problemas de sua democracia por eles venderem a ideia de democracia absoluta. Alguns valores federalistas e constitucionais foram mantidos, por instituições de fora do governo, como Supremas Cortes e outras instituições. 


O modelo distrital americano faz com que eles tenham uma "democracia simulada" fixada demais em dois partidos únicos. A prova é que a correspondência de bipartidarismo no Brasil (ocorrida de 1965 até 1979 com a Reforma Partidária e o surgimento do PT e do PDT (os os elementos do antigo PTB, e a volta do PTB, agora como partido de direita patronal), corresponde ao período de maior fechamento para nós brasileiros, sendo o período onde estávamos mais "orientados por Washington". 



Médici se considerava um fã de futebol, investia naquela ideia de "homem comum" como propaganda. Ele torcia para o Grêmio. No Rio de Janeiro, era pro Flamengo que torcia. Sua presença em estádios era notada por se passar por um torcedor comum, sempre ouvindo uma forma de rádio de pilha. Sua popularizada era costurada pela ideia do milagre econômico, mas que convive com a diminuição das liberdades políticas e individuais. Nixon, por sua vez, recebeu Médici no salão oval da capa branca em 1971. 


O governo foi marcado por uma ideia de combate a "subversão" e a ideia de "terrorismo" de grupos políticos rivais. Além de promessas vazias de abertura política. A verdade é que popularidade regular foi mantida até o Watergate, a saída dos republicanos, e se intensificou com a eleição de Jimmy Carter no fim dos anos 1970. A eleição de Jimmy Carter sinalizou o fim da era de influência direta nas ditaduras do cone sul, o começo do tratamento de refugiado para Leonardo de Moura Brizola, político do PTB antigo que ajudou a criar o PDT e que foi.  


Brizola do PDT e Jimmy Carter juntos. 


Médici fazia a propaganda de que era um "homem comum", um simples torcedor, mas a realidade era bem mais complexa que isso. Era um general de "linha dura", ligada a alas mais ortodoxas do regime, inclusive, pensando a área econômica, tinha fama de não questionar a decisão dos ministros de seu governo. Sua popularidade veio em grande parte da campanha de futebol, e propagava um medo e  combate à subversão e ao "terrorismo". 


O futebol compunha a propaganda do milagre, a ideia de que o Brasil era um "país do futuro" mais uma vez era propaganda pelos líderes. Desde 1969 até a conquista da Taça Jules Rimet (que foi roubada depois), marcaram um período de forte campanha nacionalista, que convivia com o completo fim de qualquer debate, ou possibilidade de mudança ou de diálogo político. Era a ideia do "Brasil, ame-o ou deixo-o". 




No início do ano de 1970, Médici (nascido no Rio Grande do Sul), fez questão de mostrar a transmissão que o governo teria garantido com suas concessões, era a primeira vez que  haveria  possibilidade de ver os jogos da seleção ao vivo, tanto pela transmissão(que contou com a  interferência  pública pelos  altos  gastos-como  pela  possibilidade  de comprar  televisores).   O que fez com que todo mundo pudesse assistir em cores a Copa do Mundo, repartições, serviços, empresas privadas, todos pararam para ver a copa. 






Os homens do grupo que parece uma forma desses famosos "esquadrões de extermínio" funcionavam para fazer "serviços sujos" em nome de agências públicas, como também por empresas privadas. Na imagem abaixo, um dos homens enviados para matar a família de Miguel é morto por um tiro do grupo. 




A cena final do filme de tiroteio é uma das melhores cenas já feitas na história do cinema nacional. A tensão construída, com todo o grupo armado, inclusive a esposa de Jofre, que sofreu o filme todo com a possibilidade de perder o marido. O pior ainda, é no meio de seu desaparecimento lidar com as críticas e ameaças do regime que buscava ameaçar a viúva para ela não sair no jornal. 


Assista "Pra Frente, Brasil" aqui:





























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