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Da Terra Nascem os Homens (The Big Country, 1958): Faroeste reflete os aspectos contraditórios do pacifismo e dos conflitos por terra


O graduado ex-marinheiro James McKay (Gregory Peck) viaja para o Oeste para se juntar à sua noiva, Patricia (Carroll Baker), no enorme rancho de seu pai, Henry Terrill, referido por todos como "Major". Após uma reunião com a amiga de Patricia, a professora Julie Maragon (Jean Simmons), McKay e Patricia são abordados por um grupo de bêbados liderados por Buck Hannassey, o filho de Rufus Hannassey (Burl Ives), principal inimigo do Major em uma disputa de terras. Apesar do assédio e zombaria, McKay surpreende Patricia ao se manter firme e demonstrar que pode ser mais resiliente do que pensavam. Dirigido por William Wyler, rendeu ao ator Burl Ives o Oscar de melhor ator coadjuvante, além de um Globo de Ouro. O filme também foi indicado ao Oscar pela trilha sonora de Jerome Moross. Na época do lançamento, o presidente Dwight D. Eisenhower gostou tanto do filme, que o exibiu em quatro noites consecutivas na Casa Branca

Disponível no Apple Tv, Looke, NetMovies, Oldflix e Amazon 


Na manhã seguinte, McKay recusa um convite do capataz do Major, Steve Leech (Charlton Heston), para montar um garanhão bronco indomável, chamado "Velho Trovão". McKay então traz um par de pistolas de duelo para o Major como um presente. Quando o Major descobre o incômodo de Buck com sua filha e futuro genro, ele reúne seus homens e vai invadir o rancho Hannassey apesar das tentativas de McKay de desarmar a situação. 


O grupo do Major não encontra Nem Rufus nem Buck, então eles se contentam em aterrorizar as mulheres e crianças dos Hannassey, bem como capturar e punir os membros do grupo de Buck. Enquanto isso, McKay doma e monta o Velho Trovão depois de muitas tentativas mal sucedidas, e pede que sua única testemunha, o fazendeiro Ramon, mantenha segredo.



Uma festa de gala é realizada no rancho Terrill em homenagem ao próximo casamento de Patricia. No auge das festividades, Rufus armado invade a festa e acusa o Major de hipocrisia. No dia seguinte, McKay secretamente vai ao rancho de Maragon, conhecido como o "Big Muddy". O território do Big Muddy é a localização do único rio próximo da cidade, e como tal é uma fonte vital de água tanto para o gado Terrill e Hannassey durante os tempos de seca (uma obvia metáfora sobre a educação onde os dois bebem e precisam). 



McKay convence Maragon a vender o rancho para ele na esperança de garantir um presente para Patrícia e acabar com o conflito, continuando a política de acesso irrestrito de Maragon ao rio. 



História por trás do filme


O filme é uma adaptação do romance The Big Country de Donald Hamilton, mas que foi publicado a primeira vez com o título de Ambush at Blanco Canyon. Robert Wyler e Jessamyn West escreveram o primeiro roteiro para o filme baseado na história de Donald Hamilton que havia sido publicada no Saturday Evening Post. Leon Uris escreveu um segundo roteiro e Robert Wilder escreveu outro, com o roteiro final de James R. Webb e Sy Bartlett. Webb, Bartlett e Wilder receberam crédito de roteiro e Wyler e West receberam crédito de adaptação. Uris não recebeu crédito, pois seu roteiro se desviou muito da história original. 



O diretor William Wyler era conhecido por filmar um número exorbitante de takes em seus filmes, geralmente sem explicar aos atores o que fazer diferente, exceto "[torná-lo] melhor", e este não foi uma exceção. Muitos dos atores, incluindo Jean Simmons e Carroll Baker, ficaram tão traumatizados com seu estilo de direção que se recusaram a falar sobre a experiência por anos. 


Jean Simmons



O filme foi rodado no Parque Estadual Red Rock Canyon, em Mojave, Califórnia. Também foi filmado no Rancho Drais de 3.000 acres em Stockton, Califórnia. Para o rancho e cenas de campo com vegetação, o filme foi filmado no centro da Califórnia Sierra foothills perto da cidade de Farmington.



Simmons mais tarde disse que eles constantemente recebiam edições para o roteiro, tornando a atuação extremamente difícil. Gregory Peck e Wyler, que eram bons amigos, brigavam constantemente no set e brigaram por três anos, embora mais tarde se reconciliassem. Wyler e Charles Bickford também entraram em conflito, como haviam feito 30 anos antes na produção de seu filme Hell's Heroes, de 1929. Burl Ives, no entanto, alegou ter gostado de fazer o filme.



Antes da filmagem principal ser concluída, Wyler partiu para Roma para começar a trabalhar em Ben-Hur, delegando a criação das cenas finais envolvendo McKay e Julie para seu assistente Robert Swink, cujas cenas resultantes agradaram tanto Wyler que ele escreveu uma carta a Swink afirmando: "Eu não posso começar a dizer o quanto estou satisfeito com o novo final... As imagens que você fez são completa perfeição."



O ator mexicano é Alfonso Bedoya. Ele é mais conhecido por seu papel em O Tesouro da Sierra Madre. Bedoya nasceu na pequena cidade de Vícam, Sonora, México, de herança índia yaqui, filho de Norberto Bedoya Perea e Ignacia Díaz de Guzmán. Ele teve uma educação nômade na infância no México, viajando pelo país com seus pais e 19 irmãos. Aos 14 anos, ele emigrou para os Estados Unidos e foi educado em Houston, Texas. Ele fugiu da escola e trabalhou como ferroviário, lavador de pratos, garçom e colhedor de algodão. Bedoya encontrou trabalho como ator de personagem nas indústrias cinematográficas dos EUA e do México entre as entre 1930 e 1940. Durante esse tempo, trabalhou em mais de 175 filmes mexicanos. Seu último filme foi The Big Country, lançado em 1958, após sua morte.



Crítica do filme


Como muitos westerns feitos na década de 1950, The Big Country lida com a ideia de tentar negociar com o inimigo, em vez de se envolver em confronto violento, obviamente uma resposta aos vários conflitos internacionais surgidos durante a década. Como no rescaldo político global da Segunda Guerra Mundial, a paz na fronteira ocidental exigiu um espírito e um desejo de renunciar à violência. Porém, como em High Noon, diante de um inimigo implacável e irreconciliável, a posição não-violenta se mostra insustentável. Curiosamente, as sequências mais memoráveis ​​de The Big Country, incluindo a luta de Peck e Heston ao luar e o tiroteio final em Blanco Canyon, fazem sua própria declaração sobre a inevitabilidade da violência em um filme “pacifista”.




O ano de 1958 foi intenso. Após os incidentes durante a viagem do vice-presidente americano Richard Nixon pela América do Sul, o presidente brasileiro Juscelino Kubitscheck troca cartas com o Presidente americano Dwight D. Eisenhower dando início a criação da Operação Pan-americana. A contradição é que Juscelino havia sido eleito como um candidato de esquerda, sucessor do projeto de desenvolvimento nacional de Getúlio Vargas. Já Eisenhower, era um republicano conservador, que já foi diversas vezes comentado por mim aqui no blog, e os efeitos de seu governo na política e nas artes. 


Assim, como em The Big Country, era um contexto onde a sociedade americana estava tão pacifica pelos ciclos de desenvolvimentismo, a ponto da esquerda brasileira fazer um pacto com os conservadores americanos. Logo, essas contradições levam o debate dos faroestes a serem mais sobre aspectos intelectuais e civilizacionais, onde assim o protagonista de um faroeste podia não ser um vaqueiro, mas alguém com estudo.




Analisando o filme propriamente, a trama aborda um protagonista diferente pra um faroeste. Não temos um caubói tradicional, mas sim um cara graduado e que prestou serviço na marinha. Necessariamente ele é um "estrangeiro" no lugar. Porém, gradualmente, James McKay se demonstra duro na queda, e sua forma de tomar decisões de maneira racional, o projetam como um caubói mais preparado que os demais para gerenciar a fazenda. 



Entretanto, sua própria noiva não vê assim. Patricia foi criada na fazenda, sabendo montar e tudo mais. Ela é uma cowgirl por si própria, não precisando de James para nada. Foi justamente por isso que ela se interessou por ele em primeiro momento: Eles se completavam e ela não precisava que ele fosse um caubói. Mas, por ele não se adaptar a fazenda (ou seria por ele se adaptar bem demais?) ela vai perdendo o interesse por ele.



Aqui uma metáfora foi muito bem pensada pelo diretor. Se western em uma tradução literal significa algo como "ocidental", então o filme brinca que aquele que se adapta e passa por esses processos e fases da vida, como formar na faculdade e cumprir o serviço militar, o tornam naturalmente um caubói, já que ele possui o equilíbrio para se posicionar perante os conflitos. Essa concepção foge a concepção geral dos faroestes, onde a pessoa com mais estudo é sempre meio pateta e não sabe se defender. William Wyler nos provoca com um vaqueiro democrata, que nem usa chapéu para começar, mais uma óbvia metáfora de pacifismo do filme, já que o pacifico está mais pronto para a guerra. 



James, por sua vez, também se desinteressa pela noiva, afinal ela reprova e condena tudo que ele faz. Ele começa a se interessar pela professora local, muito bem interpretada por Jean Simmons. Só que contraditoriamente a professora tem uma queda pelo ignorante Buck Hannassey. É fácil entender a atração da professora por ele, pois sua ignorância atrai a professora em ensiná-lo. Na realidade, no desenrolar da história, ficamos com a impressão ambígua da professora, pois após Buck tentar agarrá-la, ela afirma para James que gostaria de ficar com Buck e que ele não tinha nada haver com aquele lugar. É então que James busca desesperadamente através de um duelo retomar o respeito de sua amada. Só que isso significa que a aparente boa e pacífica professora, gerou um conflito que nem mesmo a noiva de James gerou, resultando em morte. 



Assim, na trama a disputa por terras se confunde e mistura com a disputa por romance, uma óbvia metáfora da construção liberal da sociedade, entre propriedade privada e família. No final, é inclusive isso que salva James: ele não possuía apego pela terra, por ser estudado e já ter viajado bastante. Por isso, sua disputa era apenas por amor e ele sobreviveu, enquanto os patriarcas das famílias se enfrentaram até a morte de ambos, pois a disputa de terra era a coisa mais séria da trama e a única coisa que motivava a vida de ambos os patriarcas (algo que parece ter inspirado a novela Rei do Gado) e que os levou a morte. 



É bem interessante o momento onde James tenta domar o cavalo bravo da fazenda, pois parece que o cavalo é uma metáfora da própria noiva, e mais: de toda aquela situação onde ele se encontra desafiado a tomar posição. Um elemento simbólico, ao estilo das screwball comedys clássicas dos anos 30, que substitui a trama geral para um dinâmica menor para metaforizar o desenrolar do filme. Deve ter sido bem difícil para o ator cair do cavalo tantas vezes apenas para atingir a perfeição do filme.



A complexidade psicológica dos personagens é um elemento que falta muito em The Big Country, e é uma falha do roteiro. Os personagens são demasiados arquetípicos. A trama se desenrola de maneira lenta demais para a simplicidade da trama, tornando por a atuação difícil e arrastada para os atores. Apesar disso, os atores parecem ter dado o sangue no filme, principalmente Charlton Heston, Jean Simmons e Burl Ives, tendo um ótimo trabalho de elenco no filme, apenas certo estranhamento com o estilo do roteiro e do diretor. 



Entretanto, a direção do filme é muito boa e o prato principal do filme. Com certa simplicidade, conseguida através de uma repetição elaborada dos takes, William Wyler entrega uma faroeste diferenciado, que fala mais sobre si em seus meandros e coisas que deixa ensejado do que de fato por uma grande mensagem final. Seu estilo de direção é lento, episódico, buscando não tornar todo o filme em uma complexa linguagem de sentido único, mas sim buscando elaborar a mensagem um estilo natural de desenrolar a trama. Não há trabalho muito complexo de montagem ou linguagem, sendo a essa essência do diretor muito mais uma técnica de "olhar", algo que exige bastante dos atores em cena, pois a sua direção está focada para o momento da captura das cenas.



A mensagem final do filme o torna um faroeste pacifista, pois ele reflete que, em tempos modernos, o caubói tradicional perde sua função e é preciso se atualizar para não ser um idiota. Mas, ao mesmo tempo, insere a ambiguidade James se vê perante um desafio, e uma vez que a professora parecia não querer, inicialmente, ficar com ele, pois apesar de todo trato e conhecimento, na visão dela ele se comportou como qualquer outro perante os confrontos, demonstrando um lado ambíguo de James: se ele é o mais preparado para lidar com Big Country, isso também não significa que ele é perigoso como qualquer vaqueiro? Assim, no final ele ganhou ou se corrompeu ao se adaptar e duelar pela amada? É certo que ele não mata seu algoz, mas faz ele ser morto pelo próprio pai, gerando toda uma reflexão sobre o que isso significa em termos psicológicos e históricos.



Esse caráter ambíguo do sentido dialético de se "civilizar" foi cuidadosamente inserido pelo diretor, nos levando a um faroeste onde o objetivo não é o final, mas o sentido filosófico do que representou a jornada. A fotografia e som do filme são fantásticos, muito adequados esteticamente e para a proposta do filme. Apesar de alguns deslizes por falta de comunicação entre o elenco e o diretor, a proposta e a mensagem do filme é fantástica, tornando-o um faroeste de tese e diferenciado, similar a Rastros de Ódio e os Brutos também Amam, onde o foco está mais em uma tese complexa em torno da paz e da guerra, do que um retorno ou reconstrução histórica do passado, falando muito mais sobre a realidade e contexto de lançamento do filme, do que sobre o passado em sua perspectiva realística. Sendo assim, é menos histórico, como um No Tempo das Diligências, e mais político e filosófico, como Meu Ódio Será Sua Herança (1969), só que com um estilo e direção mais lento e sem muita violência, como Tesouro de Sierra Madre. Com certeza um dos maiores faroestes de todos os tempos. 




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