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O Tesouro da Sierra Madre (1948): Clássico que reflete a ganância humana e o sentido da vida foi principal inspiração para Sangue Negro, Breaking Bad e outros

 


Em 1925, na cidade mexicana de Tampico, Fred Dobbs e Bob Curtin, dois americanos falidos, são recrutados pelo empreiteiro Pat McCormick para ajudar a construir plataformas de petróleo por US$ 8 por dia. Quando o projeto é concluído e eles retornam para Tampico, McCormick não paga os homens. Os dois encontram um velho chamado Howard. O sábio e sem dinheiro ex-mineiro fala com eles sobre a mineração de ouro. Quando Dobbs ganha um pequeno prêmio na loteria, ele, Curtin e Howard têm dinheiro suficiente para comprar os suprimentos que precisam para mineração. Partindo de Tampico de trem, os três ajudam a repelir um ataque de bandidos. Ao norte de Durango, o trio vai para as remotas montanhas "Sierra Madre". Os homens trabalham sob condições severas e acumulam uma fortuna em ouro bruto. Mas à medida que o ouro se acumula, Dobbs desconfia cada vez mais dos outros dois, e sua ganancia pode colocar tudo em risco. No Oscar de 1949, O Tesouro da Serra Madre recebeu quatro indicações, e ganhou três prêmios de Melhor Ator Coadjuvante por Walter Huston, Melhor Diretor e Melhor Roteiro para John Huston. Houve controvérsias desde a cerimônia em 1949 por causa da escolha da Academia em não nomear Humphrey Bogart para o Oscar de melhor ator, já que o desempenho de Bogart foi considerado um dos melhores de sua carreira.

 

História por trás do filme


O filme é baseado no romance de 1927 do autor alemão B. Traven, cuja identidade permanece desconhecida. O romance se passa na década seguinte às revoltas globais da Primeira Guerra Mundial e revoluções sociais na Rússia e no México, elementos que influenciaram o autor. Os Estados Unidos eram uma potência econômica e política emergente. As corporações europeias e norte-americanas buscavam agressivamente mercados estrangeiros, recursos naturais e mão-de-obra barata. Elementos dentro da Igreja Católica estão lutando para manter sua autoridade enquanto as administrações liberais mexicanas instituem reformas sociais.



O diretor John Huston leu pela primeira vez o romance de B. Traven em 1935 e sempre pensou que o material faria um grande filme com seu pai no papel principal. Baseado em uma balada do século XIX de um poeta alemão, o livro de Traven lembrou Huston de suas próprias aventuras na cavalaria mexicana. Depois de um sucesso estrondoso com sua estreia na direção, The Maltese Falcon, Huston começou a trabalhar no projeto. O estúdio tinha George Raft, Edward G. Robinson, e John Garfield em mente para os três papéis principais, mas então a Segunda Guerra Mundial interveio. Vincent Sherman estava pronto para dirigir uma versão da história durante os anos da Segunda Guerra Mundial até que seu roteiro caiu em desgraça com o Código de Produção cinematográfica de 1930 por ser depreciativo para os mexicanos. Essa crítica possui certa razão, já que os bandidos do final lembram até as hienas de Rei Leão de tão caricatos, mais descartam que necessariamente a divisões e escolhas são o que pautam o filme.



O Tesouro da Serra Madre foi um dos primeiros filmes de Hollywood a ser filmado em locações fora dos Estados Unidos (no estado de Durango e cenas de rua em Tampico, México), embora muitas cenas tenham sido filmadas no estúdio e em outros lugares dos EUA. As filmagens levaram cinco meses e meio. A primeira cena do filme com Bogart e Holt foi a primeira a ser filmada. As cenas de abertura, filmadas em um plano geral na Plaza de la Libertad em Tampico, mostram carros e ônibus contemporâneos (ou seja, dos anos 1940), mesmo que a história seja em 1925, assim como evidenciado pelo pôster do número da loteria.



Assim como Huston estava começando a filmar cenas em Tampico, México, a produção foi encerrada inexplicavelmente pelo governo local. O elenco e a equipe estavam completamente perdidos para entender o porquê, uma vez que os moradores e o governo de Tampico tinham sido tão generosos nos últimos dias. Acontece que um jornal local publicou uma história falsa que acusou o cineasta de fazer uma produção que não era positiva para o México.


Huston logo descobriu por que o jornal ferrou ele e sua produção. Quando você queria fazer qualquer coisa em Tampico naquela época, era costume deslizar um pouco de dinheiro para o editor do jornal. Felizmente, dois dos associados de Huston, Diego Rivera e Miguel Covarrubias, foram lutar para o diretor com o presidente do México. As acusações caluniosas foram retiradas, e algumas semanas depois, o editor do jornal foi pego em flagrante e morto a tiros por um marido ciumento.



A maioria dos extras mexicanos recebiam 10 pesos por dia, o equivalente a US$ 2,00, uma quantia considerável para uma região empobrecida na época. Havia cenas em que Walter Huston tinha que falar espanhol fluente, uma língua que ele não conhecia fora das câmeras. John Huston contratou um mexicano para gravar as falas.  Então mais velho, Huston as memorizou tão bem que muitos assumiram que ele conhecia a língua como um nativo. Como a maioria dos atores mexicanos selecionados da população local, a pronúncia fortemente acentuada do inglês de Alfonso Bedoya provou ser um problema. Bogart só sabia duas palavras em espanhol, "Dos Equis", uma cerveja mexicana.



A cena da luta na cantina levou cinco dias para ser filmado. Durante as filmagens de todo o filme, John Huston fez brincadeiras com Bennett, Bedoya e Bogart. Enquanto a maior parte do filme foi filmada no México, Jack L. Warner teve a unidade de volta a Hollywood quando o orçamento começou a ultrapassar três milhões de dólares.


Embora as corridas diárias impressionassem a Warner Bros, Jack L. Warner quase ficou furioso com os gastos semanais. Depois de ver uma cena, Warner levantou as mãos e gritou para o produtor Henry Blanke: "Sim, eles estão procurando ouro – o meu!" Durante outra exibição de corridas, Warner viu Dobbs tropeçar no deserto em busca de água. Warner pulou no meio da cena e gritou para um grupo de executivos: "Se não encontrar água logo eu vou quebrar!".



Warner tinha motivos para ficar chateado. John Huston e Blanke o levaram a acreditar que o filme seria um filme fácil de fazer e que eles estariam dentro e fora do México em questão de semanas. Warner era conhecido por não ler roteiros e ele assumiu que o filme era um filme B de faroeste. À medida que toda a extensão dos planos de Huston se tornou aparente, Warner ficou bastante irritado. Ele estava especialmente infeliz com a forma como o filme terminou, argumentando que o público não aceitaria. A expectativa da Warner foi validada na bilheteria inicial, que não foi impressionante. No entanto, o filme foi um grande sucesso de crítica e em seus muitos relançamentos, muito mais do que ganhou de volta seu investimento original de US $ 3 milhões.



Enquanto a produção se arrastava, Bogart, que era um ávido fã de iates, estava começando a ficar cada vez mais ansioso por perder a Corrida de Honolulu, na qual ele normalmente participava. Apesar das garantias do estúdio de que seu trabalho no filme estaria terminado até então, ele começou a se irritar, perguntando repetidamente a Huston sobre se ele seria feito a tempo. Eventualmente, Huston se irritou também e agarrou Bogart pelo nariz e torceu forte. Bogart nunca mais pediu para ele confirmar quando a filmagem deveria ter acabado.


A tempestade de vento na cena final foi criada usando motores a jato emprestados da Força Aérea Mexicana. 


A adaptação do romance de John Huston foi alterada para atender aos regulamentos do Código Hays, o que limitou severamente. A representação original filmada de Huston da morte de Dobbs era mais gráfica – como no livro. Quando o bandido pega Dobbs com seu facão, Dobbs é decapitado. Huston atirou a cabeça de Dobbs (falsa) rolando no poço (um tiro rápido dos cúmplices do Chapéu de Ouro reagindo à cabeça rolando de Dobbs permanece no filme, e na próxima cena pode-se ver a água ondulando onde rolou). Os censores de 1948 não permitiriam isso, então Huston camuflou o tiro com um tiro repetido de Chapéu de Ouro atingindo Dobbs. O departamento de publicidade da Warner Bros divulgou um comunicado que Humphrey Bogart estava "desapontado que a cena não pudesse ser mostrada em toda a sua glória gráfica". A reação de Bogart foi: "O que há de errado em mostrar um cara tendo a cabeça cortada?"



A música "Fools Gold" do Stone Roses (que toca no GTA San Andreas) foi inspirada no filme. O compositor Ian Brown disse: "Três caras que colocam seu dinheiro juntos para obter equipamento para ir à procura de ouro. Então todos eles se traem... É disso que se trata a música." Em 1990, este filme foi selecionado para preservação no Registro Nacional de Filmes dos Estados Unidos pela Biblioteca do Congresso como sendo "cultural, historicamente ou esteticamente significativo". O filme foi um dos primeiros 100 filmes a serem selecionados.  O crítico Leonard Maltin listou O Tesouro da Serra Madre como um dos "100 filmes imperdíveis do século 20". O Directors Guide o chamou de 57º filme mais bem dirigido de todos os tempos. 




O diretor Stanley Kubrick listou O Tesouro da Sierra Madre como seu quarto filme favorito de todos os tempos em uma edição de 1963 da revista Cinema. O diretor Sam Raimi, diretor da saga clássica de filmes do Homem Aranha, classificou-o como seu filme favorito de todos os tempos em uma entrevista ao Rotten Tomatoes e o diretor Paul Thomas Anderson assistiu à noite antes de dormir enquanto escrevia seu filme There Will Be Blood. O diretor Spike Lee listou-o como um dos "87 filmes que todo aspirante a diretor deve ver" e recomentou recentemente o filme para seus alunos da Universidade de Nova York. 


O criador de Breaking Bad, Vince Gilligan, também citou o filme como um de seus favoritos pessoais e disse que Fred C. Dobbs foi uma influência fundamental na criação do personagem de Walter White. Uma cena-chave do filme foi emulada em "Buyout", o sexto episódio da quinta temporada da série onde Walter White, Jesse e Mike não sabem se matam Tody, assim como com Cody no filme. O filme Wet Gold (1984) foi chamado de um remake não oficial de O Tesouro da Serra Madre, pegando emprestado o enredo básico, mas ambientado no Caribe moderno e sobre um tesouro afundado de barras de ouro. Philippe Mora fez uma adaptação vaga em um cenário de ficção científica, Precious Find (1996), também inspirado no filme.






Crítica do filme


O Tesouro de Sierra Madre é um dos filmes mais técnicos, bonitos e divertidos que já vi. Começando pela fotografia magistral de Ted McCord, que parece regular a abertura do obturador para que a luz se destaque e salpique na tela constantemente, dando a sensação de calor e aventura, mas por vezes também tensão. Aqui há de se destacar junto os figurinos muito bem feitos, e o suor dos atores sempre evidenciado nas cenas de tensão. A direção John Huston é bem interessante, pois ele busca vincular sempre fatores naturais com técnicas teatrais, buscando que sua trama seja resolvida sempre pela ideias mais racionais conforme seu desenrolar, demonstrando certo caráter normalizador do diretor. Obviamente sua técnica de dualidade e temática influenciaram cineastas como Glauber Rocha e Scorsese. E a atuação é simplesmente perfeita, com todo o elenco muito bem escalado e desenvolto em seus papéis, principalmente Bogart. 


O filme é frequentemente descrito pelos analistas e críticos como uma história sobre a influência corruptora da ganância. Na verdade, de maneira rasa, é a única opinião que se encontra sobre o filme. Mas acredito que o filme vai muito além, e existem vários momentos a serem analisados. Quarto longa-metragem de Huston e o primeiro que dirigiu após a Segunda Guerra Mundial, O Tesouro de Sierra Madre constrói padrões de história e imagem que se repetem ao longo da carreira de Huston. Explora temas característicos de Huston sobre a escolha pessoal e as possibilidades de viver honesta e satisfatoriamente com outras pessoas. Ao mesmo tempo, perscruta as contingências e os limites da liberdade e encarna uma meditação muitas vezes irônica sobre a riqueza.


Comentando sobre a adaptação de Huston de seu romance, Traven pediu que, depois de ter executado o título de crédito, que o filme falasse para o público a mesma ideia que o livro tem, ou seja: o tesouro real e genuíno que todos estão caçando também, a felicidade ideal, são sempre e para sempre uma eterna busca. Estará sempre do outro lado da montanha. O desejo de Traven de incluir esse detalhe atesta a interpretação do diretor e sua simpatia pela ênfase de Huston no choque do ouro com o verdadeiro tesouro das relações humanas afetuosas. 



Em uma carta subsequente, Traven sugeriu acrescentar a cena em que Curtin hesita antes de entrar na mina desmoronada para resgatar Dobbs. Essa adição, feita por Huston, enfatiza ainda mais o conflito entre o ouro e os compromissos emocionais. As comunidades estendem os laços de famílias e amizades. No filme, a aldeia indígena representa uma sociedade idealizada, quase pré-moderna. 



No filme, vemos isso quando vemos o destino de Howard, deleitando-se em uma rede, com uma jovem que o atende. Atrás, as crianças mergulham em um lago. Essas imagens arquetípicas introduzem temas de inocência primitiva e harmonia humana. 


Há um debate constante ao longo do filme, que é saber reconhecer o real valor das coisas e a dar valor aquilo que é importante. Dobbs e Curtin estão se lavando em uma fonte quando decidem pedir a Howard para se juntar a eles na prospecção. Mais tarde, quando eles ficam eufóricos com ouro de tolo, Howard aconselha seus parceiros novatos, "da próxima vez que vocês ficarem ricos, gritem por mim, antes de começarem a jogar água por aí? A água é preciosa, às vezes pode ser mais precioso do que ouro." Conotações emocionais semelhantes se ligam à água quando os três mineiros se aglomeram esperançosamente ao redor da panela em que Howard está lavando minério de ouro e quando Curtin abre pela primeira vez a comporta da mina.



Howard entre os índios e a memória da colheita de frutas de Curtin dramatiza um ideal de coesão comunitária. Centenas de pessoas, velhas e jovens, famílias inteiras trabalhando juntas. Ele lembra de construir grandes fogueiras e sentar e cantar ao som de violão. A descrição de Curtin é sentimental demais. E o a parte de Howard com os índios é cômica demais para ser levada inteiramente a sério. 


A ironia equilibra o entusiasmo romântico por toda parte. Ao mesmo tempo, tais fantasias se opõem a visões demoníacas igualmente estilizadas. Em algum lugar entre os dois, podemos inferir, está a vida humana comum. A adversidade catalisa a comunidade.


Howard demonstra sempre saber do problema da ganância, tanto pelo fato de ele o ter experimentado antes, afinal ele já era mineiro, quanto porque ele entende que todas as pessoas estão sempre em apuros, mesmo na vida comum, quer percebam ou não, e que são mais vulneráveis ​​na prosperidade do que nas dificuldades. Com boa sorte, desenvolvem ilusões de autossuficiência. Nas dificuldades, eles devem reconhecer seu poder limitado e a necessidade dos outros. O mais socializador dos personagens principais, Howard é também o mais socializado. Ele vota para deixar Cody se juntar ao grupo e depois se oferece para financiar a visita de Curtin à viúva de Cody. Entre os sócios, só ele fala espanhol o suficiente para se comunicar com mexicanos e índios. Barreiras de linguagem nos filmes de Huston normalmente significam lacunas empáticas e culturais que guiam ou travam os personagens. 



Estrangeiros no México, Dobbs e Curtin estão isolados por sua incapacidade de falar espanhol. Howard transita entre os índios, mexicanos e americanos com a mesma facilidade com que transita entre o inglês e o espanhol. Mas Howard não é santo nem altruísta. Embora ele tenha dinheiro suficiente, ele nunca se oferece para investir mais de duzentos de sua participação de trezentos dólares. Mais tarde, ele fica entusiasmado com os lucros que pode esperar de sua posição exaltada entre os índios. Ele aceita a vontade da maioria quando Curtin e Dobbs votam para matar Cody. No entanto, seus defeitos e devoção ao interesse próprio dão à bondade mental fundamental de Howard uma plausibilidade que pode ser mais convincente do que uma figura mais perfeita. A aversão de Huston a personagens implausivelmente nobres está explícita em uma carta que ele escreveu a Traven. 


A fraqueza de Howard lhe permite simpatizar com os outros e ajudá-los. resistir à atração da tentação humana comum. Tal fonte de autoridade moral, em geral, é a única segura nos filmes de Huston. É também o início da esperança. Como Howard se gaba, ele é verdadeiramente "um médico nato". A "riqueza" dele cria raiva, desconfiança e insegurança nos outros, apesar de sua sabedoria evidente. Algo do personagem parece ter sido inspirador para a caracterização de Dersu Uzala de Kurosawa. 



Na sequência de abertura do filme, vemos ganância e raiva. Assistimos Dobbs comparar seu número de loteria com os vencedores anunciados e jogar seu bilhete fora com desgosto. Alguns minutos depois, ele joga água no rosto de um garoto atoa (Robert Blake) que está tentando lhe vender outro bilhete, anunciando de cara que ele não era um cara bom e o destino do personagem não poderia ser bom.


À medida que a mina prospera, a unidade do pequeno grupo começa a desmoronar. Cada homem começa a cuidar de sua própria parte de ouro. Uma vez que os "bens" são divididos, o mesmo acontece com o grupo. A suspeita aumenta. A sequência expressiva em que Dobbs interpreta mal a busca de Curtin por um monstro de Gila resume a ruptura entre eles. Mesmo depois de ver Curtin expor e atirar no réptil venenoso, Dobbs se recusa a admitir que suas suspeitas eram infundadas. A mina poderia ter dado certo também, mas para isso era preciso união e reconhecimento pelo trabalho e companheirismo um dos outros, afinal eles estavam labutando e ganhando juntos.


Dobbs fornece ao filme um emblema para os perigos da riqueza. O dinheiro fornece o poder de comprar sexo e controlar as pessoas, relações tão desfavoráveis ​​à afeição e confiança quanto à hostilidade total. Depois que Dobbs gasta parte do segundo peso que recebe de White Suit, ele olha longamente para uma prostituta que passa. Perto da fogueira, ele imagina usar sua nova riqueza para comandar e humilhar barbeiros, armarinhos e garçons. Em contraste com os devaneios caseiros de seus companheiros, ele termina em um bordel. Dobbs imaginava apenas gastar com roupas e mulheres extravagantes. 



Enquanto ele e Dobbs caminham para a balsa que os levará ao local de trabalho, Huston esvazia a noção de que dinheiro pode comprar amor. Em uma vitrine de loja vemos um manequim masculino e um feminino em roupas de casamento. O amor e a respeitabilidade que estão à venda são tão sem vida quanto os manequins e tão irreais quanto a benevolência de McCormick. Os resultados finais da prosperidade de Dobbs são isolamento e morte. 


Ele tenta persuadir os bandidos de que não estava sozinho. Não convencidos, eles o matam. Com uma ironia típica de Huston, o poder divisor da ganância de Dobbs sobrevive ao seu dono assassinado. Depois que eles o matam, dois dos bandidos começam a brigar por suas botas. A moral embutida de que as conexões humanas são minadas pela riqueza, coloca Huston à esquerda do centro como pensador social. Assim como o fato, de escolher certo realismo dos romances da década de 1930 para adaptar.



A bondade vem do reconhecimento e superação da ganância e da fraqueza em relação a sua incapacidade. Curtis, por exemplo, ao aprender seu trabalho na mina agora está sempre aberto a uma oportunidade, apesar de saber que tudo foi um fracasso. A negação de Dobbs de sua própria vulnerabilidade à tentação, prova ser letal porque ele não consegue superar o que não enfrentará. As possibilidades de que a riqueza se transforme em bem ou mal, ou que seja recusada, levam a um segundo tema fundamental do filme, o das escolhas que moldam o sentido da vida de cada um.


Howard e os índios cavalgam em uma direção, Curtin em outra. Enquanto Curtin passa, a câmera se move para o chão e acompanha um close-up de um pequeno cacto bifurcado. Nele está preso um saco rasgado, uma vez cheio de pó de ouro. Este plano resume o estilo trágico e irônico do filme. O pequeno cacto bifurcado é uma imagem dos dilemas humanos. Se "o Senhor, ou o destino, ou a natureza" tiram algumas escolhas inteiramente das mãos, ainda assim restam esferas de ação para decisões que têm consequências profundas. 



Os resultados do tempo de Howard entre os índios, a esperança de Curtin em Dallas e a morte de Dobbs ressaltam que as consequências seguem os caminhos bifurcados escolhidos. Resultados opostos são frequentemente expressos em Tesouro por meio de um contraste tradicional entre o demoníaco e o inocente(algo que parece inspirador para o filme Deus e o Diabo na Terra do Sol). Devemos esperar tal estrutura dialética em uma narrativa de conto de fadas cuja ação principal consiste em uma aventura maravilhosa que leva da cidade e da civilização a um deserto desconhecido repleto de lendárias "montanhas [que] se elevam acima das nuvens... insetos mortais e enormes cobras e tigres ferozes tão grandes e fortes que podem subir em árvores com burros na boca." As lutas entre o diabólico e o inocente ou divino, entre o alto e o baixo, o bem e o mal, o edênico e o caído, dão forma a praticamente todas as aventuras românticas, qualquer que seja sua agenda política. 


Ao mesmo tempo, há um realismo irônico em Treasure que se opõe ao seu maravilhoso romantismo, e a tensão genérica entre os dois modos energiza conflitos temáticos centrais. Imagens, diálogos, sons diegéticos e trilhas musicais evocam o demoníaco durante ações de interesse próprio e evocam o inocente em relação a ações orientadas para outra pessoa ou comunidade. A inocência ocorre com menos frequência na história mais descendente de tentação e desconfiança de Huston; situa-se ou na aldeia indígena ou em raros momentos, frequentemente associados à água, de serenidade comunal. O demoníaco é evocado pela fumaça, fogo, aprisionamento e ambientes de isolamento e vazio. Imagens da balsa que transporta os trabalhadores de McCormick introduzem imagens que serão associadas à ganância, traição e egoísmo.


Depois que os três protagonistas começam a acumular pó de ouro, cenas escuras, de alto contraste e iluminadas por fogo dominam gradualmente, e Treasure começa a parecer um filme noir selvagem. Imagens infernais de fumaça e chamas se intensificam quando Dobbs se deita perto da fogueira depois de atirar em Curtin. De trás da fogueira, a câmera está focada em seu rosto grotescamente sombreado, barbudo e sujo. Sua ansiedade auto consumidora aumenta, e as chamas expressionistas crepitam e enchem a tela como se fossem parte de sua psique.


Huston evoca uma ideia sacramental antiga: "Conhece-te a ti mesmo", do diálogo entre Alcibíades e Sócrates. Eles são o começo da sabedoria. Neles está a única esperança de vitória sobre o mais antigo inimigo do homem, sua vaidade e ego. Ao se encontrarem, Howard e Curtin conquistam seus lugares entre outras pessoas e descobrem o início da sabedoria. Dobbs ganha o que para ele é o mundo inteiro de oportunidades, mas ao fazê-lo perde sua própria alma, suas amizades e, por fim, sua vida. 


Os momentos finais do filme recuperam a ironia niilista da morte de Dobbs. A piada final é engraçada, pelo menos para Howard e Curtin (e para o espectador), onde sentido de uma parte considerável do final é o da comédia, de fazer você rir de uma trama que passou da alienação ao senso de comunidade, do conflito ao acordo. Howard viverá seus últimos dias "adorado, alimentado e tratado como um sumo sacerdote por dizer às pessoas coisas que elas querem ouvir". Curtin irá para Dallas para se juntar à viúva de Cody na colheita de frutas e, possivelmente, em compartilhar "o verdadeiro tesouro da vida"(metáfora para o amor). 



A maior riqueza para Tesouro de Sierra Madre é a sabedoria, o autoconhecimento. Da última perspectiva oferecida ao público, no entanto, a obsessão pelo poder que levou à loucura de Dobbs cessa misericordiosamente na morte e seu isolamento termina postumamente no perdão daqueles que ele traiu. Howard e Curtin descobrem o que anseiam e parecem propensos a alcançar seus desejos compreendendo e aceitando seu destino e a si mesmos. Mas a vida tem muito pior a oferecer, como os atrativos materiais que matam Dobbs, Cody e os outros, enquanto Curtin e Howard escapam em gargalhadas restauradoras por conseguirem não se levarem tão a sério e rirem de si mesmos e dos golpes que a vida dá. Eles vencem perdendo. Howard e Curtin alcançam o controle de suas vidas ao compreenderem quão pouco controle eles têm. 


Dobbs não foi só ganancioso. Ele parecia ter um certo interesse romântico mal compreendido por Curtin, tanto que na parte que eles falam o que farão com o dinheiro e Dobbs diz que gastará com mulheres, aquilo incomoda Curtin, algo que Howard percebe e fala que é melhor não falar de mulheres para não gerar confusão. Talvez a maior ganância de Dobbs fosse ter aquilo que não pode ter: mais do que apenas a amizade de Curtin. 


No final, quando os bandidos pegam de Dobbs o ouro no saco e acham que é apenas areia e despejam no ar, há uma dupla reflexão aqui. Se por um lado representa o poder que o conhecimento guarda, já que a ignorância dos bandidos faz com que eles ignorem o que mais tem valor e foquem em objetos de menos valor, por outro lado aquilo realmente parece areia. 


Eu refleti comigo mesmo nesse momento que muito provavelmente o diretor de fato usou areia para fazer as cenas. Então, como grande metáfora, parece que Howard estava os esganando o tempo todo para ensinar uma lição. Como nunca comprovado, aquela terra poderia ser ouro ou não, nunca saberemos. Então só temos a palavra de Howard, que contraditoriamente parece já ter vivido aquilo antes. Como não saber se tudo aquilo foi uma fabricação para Curtin e Dobbs aprenderem o valor do trabalho e valorizarem suas escolhas e suas próprias vidas? Ao se engajar em qualquer trabalho ou atividade, seja qual ela for, tornando-a sua "mina", uma filosofia de vida, qualquer coisa é possível, principalmente atingir a felicidade e o sentido da vida. 


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