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O Agente Secreto (2025) | Entre o Boneco de Palha e a Perna Humana: A Cultura Popular e a Repressão no Brasil


O filme se passa em 1977. Marcelo é um consultor de tecnologia que vem até Recife para ver seu filho e vira alvo de uma operação que visa o matar. Ele arruma uma identidade falsa mas é espionado em plena semana de carnaval no Recife 


Vamos direto aos pontos principais. Marcelo é um funcionário de uma empresa, chamada Ghirotto (uma metáfora da Gurgel). 


Seria como dizer que ele é um agente secreto pelo nível de trabalhador especializado que ele é. Nacionalista, sensível e de extremo centro político, essa era a época que o Estado desfigurado em anos de ditadura (dita-branda), celebrava de uma maneira horrenda seu culturalismo regionalista (a ideia de formação de milícias privadas dentro do aparato público). 


Isso pode ser visto na metáfora do agente da polícia civil colocando o chapéu de cangaceiro (elemento da extrema esquerda, mas também do culturalismo). 


O porquê? Porque o inimigo, o personagem de Wagner Moura era um nacionalista desenvolvimentista, e o Estado ficava cada vez nas mãos de militares de baixa patente ou grupos (para militares e milicianos que recorrem a matar qualquer um por encomenda), como foi o caso do personagem de Wagner Moura. A medida que o regime relaxava oficialmente para todos, perseguia pessoas que se nosso país fosse pró progresso não perseguiria. 


Através de suas informações sobre carro elétricos e inovações que podiam ser prejudiciais a indústria de tecnologias ele encontra refúgio na casa de Dona Sebastiana, uma senhora arretada que tem uma pensão, lá vemos dois personagens angolanos que falam um português mais similar ao português de Portugal. 



Em uma das parte do filme, a namorada dele pede pra moça ler a notícia do do relato do braço assassino. Um detalhe ótimo que denuncia toda a metalinguística cinematográfica da defesa ao regionalismo mesmo se for um remédio amargo. Como assim? O filme argumenta contra o rótulo regional e diz isso em alto e bom som. 



O filme tem excelente metáfora sobre o cinema. A perna humana encontrada no tubarão é uma crítica as instituições civis submissas completamente ao regime, de corpo e alma. Como a universidade que não tirou nem uma foto da perna humana no cadáver. 


Evidenciado pela crítica leve ao Marcelo que não deixou seu filho ver Tubarão por achar muito pesado. Aqui há uma espécie de crítica a esquerda da Nova Hollywood por relativizar a ideia de crítica política para ser consumido por países latinos, já acostumados com a violência e a crônica do dia a dia. 


O que é mais fácil acreditar? Que um tubarão está pegando banhistas (como o filme de Spielberg fala sobre nos EUA), ou que o tubarão capturado denota toda uma rede de aceitação com a ditadura que vai em todos os serviços.


 Os milicianos confundem o senhor do necrotério e trocam a perna humana (de alguma vítima da ditadura ocultada) por pernas de vaca. Há toda uma crítica de que a passividade culturalista de esperar "o próximo feriado" (como uma aceitação) cultural. Aqui o boneco de palha invade o carro (e ele nada pode fazer), já que aquilo era traquinagem de carnaval. 


Mas é com esse boneco que o surpreendeu que ele sonhou em formato de pesadelo, por já ter desde o início visto o corpo de um assassinato no início, ele compara as duas sensações e é como se fosse um debate sobre Bakhtin e as origens da cultura popular na Idade Média. O boneco de palha gigante é uma figura típica do carnaval local, que é queimado no fim da festa (alusão ao entrudo). 


Em 1977, Marcelo trabalha como professor especializado em tecnologia. Ele decide fugir de seu passado violento e misterioso se mudando de São Paulo para Recife com a intenção de recomeçar sua vida.  O problema é que como consultor, seu trabalho fica evidente como inovador e começa a chamar atenção por isso. Ele trabalhava para uma empresa de inovação tecnológica na época onde isso era de extremo risco. 


O problema que o filme se refere ao carnaval é uma crítica velada. Ás vezes em vez de purificar a sociedade pela catarse coletiva, o carnaval no filme serve de cortina de fumaça para a repressão. O boneco queimado no final simboliza a destruição do indivíduo dissidente, não do mal social.


Marcelo chega na capital pernambucana em plena semana do Carnaval e percebe que atraiu para si todo o caos temporal e de cultura popular possível. 


O filme é muito bom mesmo, mas há críticas. Mais uma vez falamos sobre a ala mais rics e estudada, mas poucos são os filmes como Cidade de Deus que conseguiram falar da ditadura e a pobreza, remoções forçadas, as primeiras habitações em novas favelas. 


Mas aqui há uma crítica e reflexão sobre o efeito boomerang da cultura popular, que serve ora para orgulho ufanista, ora para ocultar o luto no povo, fazer ele ter um destino em comum festivo, quando a realidade ainda era de ditadura. 


Kléber Mendonça é o mesmo diretor de Aquarius e de Barucau, duas estéticas e estórias completamente diferentes. O diretor também fez recentemente um filme sobre a história do carnaval de rua em recife, chamado Retratos Fantasmas. 


A trilha sonora é marcante nos nacionais, com Waldick Soriaano, Pífaros de Caruaru, Orquestra Nelson Ferreira, ainda com Lula Côrtez a Angela Maria. 


As internacionais: Guerra e Pace, Pollo e Brace. Escrita por Ennio Morricone e Audrey Nohra (as Audrey Nohra Stainton) por Ennio Morricone. Love to Love You Baby.   Música por Donna Summer. If You Leave Me Now,  do Chicago. Retiro (Tema de Amor N. escrita por Barrét.  Só músicas marcantes. 


O fim do filme é marcante e vemos que teve sucesso (ou não) o plano para matar Marcelo, sabemos disso pelo seu filho, agora um médico que tem sua identidade levantada por uma serie de levantamentos de uma faculdade interessada em fazer "justiça histórica". 


Aqui há um debate válido, se a ditadura não acabou, revelar a identidade de sujeitos que se tornaram neutros não seria para continuar a opressão nas novas gerações. As pessoas tem direito a memória, mas o filme aborda o direito ao esquecimento e felicidade individual e pessoal, e aí voltamos mais uma vez no manifesto cultural.


 O cinema da infância vira hospital e as agendas da esquerda moderna se atualizam ou são esquecidas em sua essência militante e lembradas como um passado de ouro. Mas a realidade é que o regime militar era tão organização criminosa quanto essas que tantos falam hoje em dia. 


Wagner Moura não precisa dizer quem é, já foi de o Capitão Nascimento a Pablo Escobar, passando por diretor e até substituindo Renato Russo em um tributo da banda Legião Urbana. Além de agora estar entre os mais cotados para o próximo Oscar. O ator deu uma entrevista recente onde disse que não tentaria explicar Lei Rouanet (lei criada no governo Collor) para quem não tinha entendido a Lei Áurea (lei que libertou os escravos no Brasil). 


No sentido geral, é uma reflexão válido mesmo que as rendas locais da Lei Rouanet atender mais a músicos sem apreço com a verdadeira cultura popular, só ver quem são os campeões de rendas em shows de pequenas prefeituras, mas isso pensado a parte, é verdade sim que no Brasil temos que lutar 5 vezes mais para ás vezes ter até menos no fim, especialmente no campo da cultura e é por isso que o filme ainda passa uma mensagem pessimista sobre a cultura, apesar de entender e legitimar esse lugar de identidade histórica e nacional.  



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