Quem foi Jane Austen (1775-1817)? Ela foi uma importante escritora inglesa, considerada uma das maiores romancistas da literatura inglesa do século XIX. É autora de obras como "Orgulho e Preconceito" e "Razão e Sensibilidade" e "Emma". Jane nasceu em Steventon, Hampshire, na zona rural da Inglaterra, no dia 16 de dezembro de 1775. Era Filha de George Austen, um reverendo anglicano.
Jane Austen marcou época em um período onde as mulheres passaram a publicar com mais regularidade, não apenas como registro de memórias mas o começo do mercado editorial e a nova fome por romances que empurrou Austen ao sucesso absoluto.
É difícil falar sobre Jane Austen sem falar de todo o marco na cultura em geral, ou marcos recentes em forma de citação em filmes, como em Patricinhas de Beverly Hills com Emma, e O Diário de Bridget Jones (que discorre várias referências a obra de Austen), mesmo no universo diverso e pop.
Existem duas recentes adaptações da obra Orgulho e Preconceito (existe toda uma série de adaptações anteriores também), uma de 1995 com o senhor Darcy sendo interpretado pelo Colin Firth, trazendo um senhor Darcy mais solto e dominador. O contrário do estilo da adaptação de 2005 que é mais romântica e foca na inabilidade de Darcy mais do que no seu charme. Sendo aqui uma volta ao ideal do romance clássico. Estávamos mais "realistas" nos anos 1990.
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| Adaptação de Orgulho e Preconceito, 1995. |
Outra adaptação é a de 2005, 10 anos depois, com Keira Knightley e Matthew Macfadyen. Uma adaptação que variou o final na sua versão americana para uma cena não canônica dos dois juntos. Algo que foi criticado como "fora do escopo" por vários fãs da forma implícita que o romance é escrito por Austen. Por isso a crítica de se fazer uma cena extra. Mas a adaptação se sustenta e foi a mais recente versão de grande orçamento da obra.
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| Adaptação de 2005. |
Embora Jane Austen seja a grande estrela dos 250 anos que celebramos, ela não surgiu isolada, houve todo um caminho de evolução da escrita feminina.
Sua voz literária foi possível porque, desde o século XVII, a Inglaterra reunia fatores sociais, econômicos e culturais que abriram espaço para as mulheres escritoras que passaram que mero passatempo para grandes modas de publicação que são sucesso até hoje em dia. Criando uma fórmula, além de um amplo mercado consumidor. Os romances passaram a ser janelas de compreensão para diversas mazelas e costumes arcaicos denunciados pouco a pouco pelo "sexo frágil" .
Há aqui um fator crítico se a gente for analisar a origem da opressão na Inglaterra, se pensarmos o certamente dos campos e a expulsão dos camponeses das terras comuns, vemos que a família Bennet de Orgulho e Preconceito apesar de não ser nobre, possuía terras e a Inglaterra foi de ignorar terras a entender sua função estratégica em um amplo império.
Vemos que a escolha "romântica" aqui é a nobreza antiga que tem que se adaptar aos novos tempos após o governo de Elizabeth I. Jane Austen aqui facilmente descreve os percalços da nova classe média, que ao reproduzir as formas autoritárias da elite soam como bregas ou forçados, ou mesmo como "sem etiqueta".
Interessante notar esse imbricamento de um modo de produção de granjas e fazendas que cruzavam com uma rudimentar indústria têxtil doméstica. Essas novas famílias tentariam fazer parte da elite através do casamento através de arranjos e dotes obtidos através de empréstimos e muito esforço.
A realidade era bem distante da forma descrita nos romances. Casamentos eram mera mercadoria como o livro mostra, se a moça tivesse beleza ou algum dote facilitava os arranjos, mas senão, elas teriam que se casar "antes de ficar muito velhas" para não se peso para sua família.
Após anos de puritanismo, o teatro volta a ser permitido, e a gentry rural passa a ser o braço do governo no período elisabetano, ou seja, na transição Tudor-Stuart. O poder era colocado na mão da nova classe de proprietários que não eram nobres mas trabalhavam na terra. Dessa posição surgiram os primeiros liberais, uma classe intermediária de médicos, clérigos e funcionários que regia os problemas fundiários. Isso também fala sobre a função das pessoas na sociedade.
Surge nomes na sociedade moderna como Aphra Behn (1640–1689), espiã, dramaturga e romancista, torna-se a primeira mulher inglesa a viver de sua escrita. Seu romance "Oroonoko (Royal Slave)" (1688) já mistura crítica social ao sistema escravocrata da época.
O primeiro romance de Austen é "Razão e Sensibilidade (1811)". Seu primeiro romance é o mais biográfico de todos, e já é um questionamento sobre males da época, como a impossibilidade de mulheres herdarem propriedade, ia sempre ao filho mais velho da família. Uma condição da Inglaterra georgiana denunciada por Austen que viveu algo parecido na sua própria vida.
As irmãs Dashwood, que perdem o pai no início do romance e ficam dependentes do meio-irmão, refletem exatamente esse sistema de herança (primogenitura). Jane Austen também viveu algo parecido: após a morte do pai, ela, a mãe e a irmã Cassandra dependeram financeiramente dos irmãos.
Jane e a irmã Cassandra tiveram paixões frustradas, semelhantes aos impasses românticos de Elinor (sensata, contida) e Marianne (impulsiva, romântica). Há registro de um “amor perdido” de Jane (o jovem Tom Lefroy), que ecoa no destino incerto de Marianne antes de se casar com o coronel Brandon.
O contraste entre as duas irmãs entre a razão (Elinor) e sensibilidade (Marianne) também reflete a dualidade entre Jane e Cassandra: Cassandra era mais racional e equilibrada, enquanto Jane era mais emotiva e espirituosa. Mostrou algo importante, a falta de segurança jurídica para jovens que viravam órfãs e perdiam sua propriedade, já que a propriedade tinha que ser herdada por homens.
O livro foi iniciado em 1795 com o título Elinor and Marianne, escrito em forma epistolar (cartas). Austen revisou-o até 1811, quando publicou com o pseudônimo de “By a Lady” "por uma mulher".
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| Adaptação de 1995 com Kate Winslet e Emma Thompson |
A insegurança financeira das mulheres sem dote e a necessidade de “bons casamentos” era uma realidade. O romance mostra isso de forma crítica, mas também delicada, expondo como os sentimentos das jovens eram constantemente atravessados por cálculos econômicos.
O século XVIII mostrou a ascensão da escolarização dessa nova massa transformada em classe média em ascensão. A gentry rural de classe média passava a ser menos excluída, através de casamentos, por exemplo. Como é o caso descrito em "Orgulho e Preconceito". A velha aristocracia representada por Darcy parecia enferrujada e sem graça demais para se manter procura em alguém da gentry o seu lado rural, idílico e utópico de pureza e verdade.
Entre 1700–1750, houve a era da imprensa e da leitura doméstica, uma constante expansão da imprensa, dos cafés e das bibliotecas circulantes torna o livro acessível para a classe média. Mulheres começam a ser educadas em leitura, música e francês, o que as prepara não só para “serem boas esposas”, mas também para consumir literatura.
Outras escritoras foram Eliza Haywood (1693–1756) escreve romances sentimentais populares, muitas vezes vistos como “escandalosos” pela ousadia em retratar desejos femininos. 1778 – A voz das diários e memórias femininas. Fanny Burney publica *Evelina*, romance epistolar que faz enorme sucesso.
Sua narrativa sobre os desafios de uma jovem no mundo social antecipa o terreno que Austen vai cultivar. Burney prova que o romance feminino podia ser um gênero de prestígio e circulação ampla.
O feminismo filosófico Mary Wollstonecraft publica "A Vindication of the Rights of Woman", um manifesto dos direitos humanos da revolução francesa, mas com a versão das mulheres. O texto não é um romance, mas inaugura uma defesa racional da igualdade entre homens e mulheres.
Austen não menciona Wollstonecraft diretamente, mas suas heroínas, como Elizabeth Bennet, refletem o espírito de independência que já circulava na época. Se pensarmos que o ponto central do livro é que o luxo que Elizabeth quer é apenas se casar por amor, em uma época onde isso era proibido para as mulheres.
Entre 1790–1815, a Revolução Industrial e as Guerras Napoleônicas deixaram a Inglaterra a beira de um colapso, que só não existiu pela dominância sobre Portugal, Brasil e das próprias terras colônias inglesas. A aristocracia perde centralidade, enquanto cresce a gentry (proprietários de terras sem título nobre) e a burguesia urbana desponta como fundamental.
Esse contexto social alimenta romances como Razão e Sensibilidade (1811), e Orgulho e Preconceito (1813), onde Elizabeth Bennet representa a ascensão da gente da terra frente à aristocracia.
Depois ela publica Mansfield Park (1814) e Emma (1816), um livro satírico com heroínas em estórias vazias de enlaço de pegadinhas e de modas inquietantes e reflete um amadurecimento e certo estranhamento com o que abordava, nesses últimos livros de Austen ela soa mais como uma escritora profissional do que alguém que deu certo por sorte. Se Orgulho e Preconceito carrega aquele peso de Romance Histórico como poucos, Emma sabe aflorar o tom de abordar um universo distante. Muito mais do que em seus romances anteriores.
Suas protagonistas eram mulheres inteligentes e críticas, são a culminação de um processo de dois séculos em que mulheres conquistaram espaço como autoras e personagens. Em 1818, outro salto foi a publicação de Frankenstein de Mary Shelley. Inventando a era da ficção científica.
Jane Austen não foi a primeira escritora inglesa, mas sua obra é o ponto alto de um processo histórico chamado de "período regencial". Isso envolve transformações sociais (Revolução Industrial, ascensão da classe média), da filosofia iluminista, do próprio mercado editorial dinâmico e a trilha aberta por pioneiras como Aphra Behn, Eliza Haywood, Fanny Burney e Mary Wollstonecraft. Muito foi produzido por escritoras mulheres que escreviam tentando provar que mulheres poderiam vender tanto quanto os escritores homens.
Assim, ao celebrar Austen, celebramos também o caminho coletivo que permitiu que uma mulher pudesse, finalmente, escrever sobre amor, classe e destino com tanta ironia e liberdade e ser lida até hoje, possuindo um legado amplo, como também fiel clube de leitores que se dispõe sob seus diálogos ávidos para ver nas entrelinhas.




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