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Oppenheimer (2023): As ambiguidades do Pai da Bomba Atômica perante a estupidez das guerras

Dirigido por Christopher Nolan, acompanhamos a vida do físico J. Robert Oppenheimer e uma equipe de cientistas durante o Projeto Manhattan, levando ao desenvolvimento da bomba atômica, jogada contra o Japão ao final da Segunda Guerra Mundial e mudando para sempre a história dos conflitos e guerras pelo mundo e a visão sobre o papel da ciência



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Segundo o sociólogo Bourdieu, em artigo homônimo publicado em 1986 na revista Actes de la recherche en sciences sociales, a ilusão biográfica é uma espécie de ficção de si, apoiada em instituições de totalização e de unificação de si que direcionam a atribuição de sentidos e a busca de coerência aos acontecimentos considerados, pelo narrador, como mais significativos na história de sua vida.


É sempre difícil dar uma visão sincera sobre algo que está em alta. Se você não gostou e todos amaram, você é do contra. Se todos odiaram e você gostou, você será acusado de ser "diferentão". Estou começando assim para refletir que não há recompensa em ser mais do mesmo. Se você quer ler uma opinião básica, mais do mesmo, que endossa o que você já pensa, tem vários sites que falam assim de cinema na internet: endossando exatamente o que todo mundo já pensa sobre o filme. Neste blog os filmes são analisados se são bons em técnica e principalmente se são bem escritos, uma visão realista ou não. O gosto pessoal sempre acaba entrando na análise, mas acredito que é possível fazer análises neutras, que julgam se o filme é bom para além do "view" e do que vão achar. 


O primeiro ponto a se destacar é que Oppenheimer em si, em questão de técnica audiovisual, é muito simples. Eu já tive que colocar na análise de Amnésia, primeiro longa de Nolan, um quadro para explicar a edição do filme em relação a sua trama. Em Tenet, basicamente ele usou a ideia de manipulação do tempo para manipular a edição do filme em si, onde ela era instrumento extra para a explicação do filme. Em Oppenheimer temos apenas uma trama biográfica, com narrativa linear e comum. Conseguiu atrair e se vender para um público mais amplo, mas está muito longe da ambição geral de Nolan de ser um "cineasta do tempo", de ser visto como técnico. 



O que chamou atenção do público para Oppenheimer foi o fato de ser baseado em um figura real, controversa e com debates políticos atrelados a sua biografia. Isso cria uma forma sedutora de abordar questões políticas de maneira incipiente, apenas pincelando debates sem se envolver de fato pois, só podemos saber daquilo que está atrelado a figura do Oppenheimer.



Sendo bem sincero, o Oppenheimer foi uma das pessoas mais sem ética da História da Humanidade. Um crápula. Um falso ídolo do conhecimento que não tinha razão ideológica: apenas queria se dar bem. 



Era a época da ascensão da política e da economia na solução dos conflitos, como provou o New Deal. Assim, os físicos e teóricos de exatas se refugiaram nas guerras como forma de defender a batuta do "iluminismo contra as trevas". O problema é que dizer que para parar os fascistas você precisa usar recurso de milhões para criar uma arma de aniquilação em massa, parece um debate em iguais, entre "parças". Oppenheimer que era comum, sem graça, sem um real projeto científico para ajudar a humanidade ou pelo menos o Estado, viu a oportunidade de usar o Estado e seus recursos, junto com a histeria coletiva das pessoas causada pela guerra, para se destacar, ter fama e poder.



Aqui o filme pode ser elogiado em mostrar isso, onde fica claro que Oppenheimer sempre foi um párea, era zoado pelos professores, pegava namorada dos amigos e traia a esposa. O filme é sincero, afinal é a adaptação de uma biografia. O problema é que desde a escolha de um cara carismático como Cillian Murphy para ser Oppenheimer, toda essa proposta de neutralidade em mostrar uma figura controversa, converteu-se em tornar mais humano, mais "gente como a gente". 


O principal problema de Murphy é que o ator se tornou muito popular perante a cultura "Red pill" e "neocon". Há vários memes e vídeos cortados de momentos da série Beaky Bliders, reafirma sua postura de masculinidade como "sigma". Logo, obviamente o ator foi escalado para ter uma melhor recepção aos conservadores. 




Entretanto, contraditoriamente, é Murphy quem está melhor no filme. Se algo de fato merece ser assistido em Oppenheimer é sua atuação, que soube passar a ambiguidade do personagem de maneira primorosa. Há um certo distanciamento ao personagem que fica evidente em sua atuação: ele não se vê como parecido com Oppenheimer, algo que ele fez questão em enfatizar ao mandar uma mensagem a todos os pacifistas do mundo no Oscar. 


Sua que está mais contraditória no filme é Christopher Nolan. O diretor, que sempre foi visto por sua técnica em mexer na edição do filme desta vez fez um trabalho sóbrio, focado na direção dos atores em cena técnica que é muito utilizada por vários diretores mas não era o foco de Christopher Nolan até então. Aqui ele desligou completamente a tarefa da edição aí editora do filme, o que Inclusive a rendeu um Oscar. Porém isso significa uma mudança significativa na forma como Nolan realiza seus filmes, perdendo sua característica autoral em detrimento de uma forma comercial de dirigir os filmes. É como se ele estivesse fazendo de novo um filme do Batman porém sobre Ciência. Há vários momentos do filme que tem realmente essa pegada de quadrinho, botando realmente a figura do cientista como um herói ou um anti-herói.


É talvez a direção mais trivial do diretor, mas que contraditoriamente foi premiada pela academia. Isso manda uma mensagem muito negativa para as pessoas uma vez que quando o diretor tentou ser técnico ao máximo, não foi reconhecido mas quando ele fez algo narrativo, com muitos planos americanos, foi justamente quando ele ganhou um prêmio. Assim parece que pensar menos e se esforçar menos seria melhor.


Agora de fato o que deve mais ser criticado no filme, é o seu péssimo roteiro que segue um ritmo maçante com duração longa e desnecessária. Daria para refazer o filme em uma edição de apenas 45 minutos. Tudo que separa os momentos mais interessantes dos filmes são longos diálogos arrastados que buscam apenas dar o tom de filme épico. Entretanto o roteiro não desenvolve, não tem uma grande mensagem.


O que acontece é que depois que o projeto de Oppenheimer é posto em prática, de maneira desnecessária já que a guerra estava praticamente acabada, a falta de ética e valor a vida humana é tão grande, que os próprios conservadores se voltam contra ele. Oppenheimer nunca foi comunista, apenas acusaram ele disso pois depois da Segunda Guerra, como dito por Truman e destacado no filme, os comunistas passaram a ser a "principal ameaça". Logo, marcá-lo com a imagem de comunista era a forma de marcá-lo como uma ameaça. Afinal, de fato ele era culpado pela bomba, por jogá-la no Japão e por transformar o conhecimento em arma de guerra. 



Esse é o ponto alto do filme: representar bem os pontos históricos e políticos da época através da biografia do Oppenheimer, buscando refletir de maneira crítica a beligerância da época, para questionar a beligerância dos tempos atuais, como pudemos ver na Ucrânia e em Gaza. Porém, tenho sérias dúvidas se todos entenderam isso ou se grande parte passou a admirar Oppenheimer por causa do filme. 



Dizer que Robert Downey Jr. foi o melhor ator coadjuvante do ano é uma piada. Ele está bem no filme e seu personagem é crucial para a trama. Mas ele está se interpretando, sem distanciamento algum. Seu Oscar foi puro lobby. 



O som do filme, que por sua vez é incrível, técnico, muito bem detalhado e minucioso em cada ruído, com uma trilha que vai galgando junto com o ritmo do filme, foi totalmente esnobado nas premiações. Não dá para entender.



Oppenheimer tem um ritmo provocante. Ele vai galgando e aos poucos ganhando mais dimensão. Exemplo disso foi a participação de Einstein. A primeira cena dele é a do futuro. Detalhe eles tornaram as cenas do futuro e preto e branco para marcar a diferença temporal e a sensação trágica do pós-guerra. Einstein aparece conversando com Oppenheimer na beira do lago. Ele sai, passa pelo personagem de Downey Jr. que o cumprimenta, mas Einstein não fala nada, apenas saiu puto. Depois tem a cena que Einstein conhece Oppenheimer a primeira vez, na metade do filme. 



Eles tem um ótimo debate e essa cena é legal. Na última cena do Einstein, a cena final do filme mas também é a cena da primeira vez que vimos Einstein, mas agora dá perspectiva da conversa dele com Oppenheimer que o fez sair chateado. Nesse momento Oppenheimer diz mais ou menos: "Lembra quando disse que ao jogar a bomba poderíamos gerar uma reação em cadeia e destruir o mundo? Então, acho que destruímos". Com isso, o filme reflete se a forma como se encerrou a guerra através de uma resposta violenta não gerou mais violência, a mensagem principal do filme. Toda a violência geralmente é justificada contra a ameaça nazista, porém para o filme não deveria ser assim, uma vez que assim se justificaria o uso da violência dentro do pensamento intelectual e burocrático. 



Entretanto não é nada demais, não é mesmo?! Esse é uma mensagem meio óbvia, algo que se pode refletir até em Godzilla. O filme faz uma longa e arrogante jornada de afeição em torno do arrependimento, do erro e como isso seria humano. Porém, não convence, soa pedante e a única forma de ver o filme é achando a figura de Oppenheimer intolerável. Seu carisma vem do ator que é bom, e representa bem como o povo americano da época reagiu a sua solução para guerra. Mas apenas para negar tudo no final de maneira ambígua. 



No resto, o filme é apenas mediano, um pouco arrastado e mediano. Não exatamente um filme inesquecível, entretanto também não é mal feito e possui um debate atual. Só que o filme se perde. Fica estendendo e focando em pontos irrelevantes para o que é apenas um eco histórico, não abortando de fato os temas que deseja, apenas refletindo por metáforas não muito bem elaboradas do passado a sua relação ao presente. Mas a História não é exatamente cíclica apesar das semelhanças superficiais. Além disso caiu naquilo que Bourdieu chamou de ilusão biográfica, ou seja, que é possível de fato entender uma época pela história da vida pessoal de alguém importante, ou até mesmo que é possível resumira vida de uma pessoa a um livro. 


Há um certo louvor a cultura ocidental também, tratando a cultura de países como a Índia ou qualquer outro que não os anglo fônicos como exóticos e sexualizados, e a inteligência está apenas com os brancos ocidentais.


Oppenheimer é  um filme muito simplório e cheio de vícios narrativos e históricos. Se isso está convencendo o público é primeiro pelo marketing do filme, que realmente foi muito bom. Mas denota que estamos com uma certa carência intelectual, medo de pensar por nós mesmos, onde precisamos de heróis, intelectuais que pensem por nós para não termos que pensar. Por isso o filme tem que mastigar a ciência, a política e o debate sobre a violência para torná-los "cult", transantes, assuntos bacanas e apreciáveis para as pessoas debaterem durante um chá, que justamente escapa da visão e consciência real necessária para o debate sobre a questão nuclear e a relativização da violência, principalmente contra aqueles que consideramos "inferiores".


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