Pular para o conteúdo principal

O Médico e o Monstro (Jekyll & Hyde, 1990): Estrelando Michael Caine, adaptação de autor escocês ironiza o clássico modelo inglês de investigação


Henry é um médico local considerado um homem problemático nas redondezas. Entretanto, Henry se demonstra sempre solícito para emergências e até mesmo atende de graça a pessoas que não podem pagar. Sua esposa havia morrido de pneumonia e o pai dela acha que seus tratamentos é que a mataram. Surgem então notícias de assassinatos hediondos por Londres, que agitam a todos e fazem circular os boatos de que há um monstro à solta


Assista na Pluto Tv


Em Londres de 1889, durante um passeio, Richard Enfield narra a seu parente, o advogado Gabriel John Utterson, um estranho encontro com uma figura sinistra chamada Mr. Hyde (o monstro). 


Utterson (o advogado que é melhor explorado no livro, o filme acaba sendo sobre o médico) se preocupa, pois recentemente seu cliente, o respeitável médico Dr. Henry Jekyll, tornou Hyde o beneficiário de seu testamento. Alguns dias depois, o advogado consegue se encontrar com Hyde e fica impressionado com sua feiura. Após um jantar em casa de Jekyll, Utterson discute o assunto com o médico, mas este garante que está tudo sob controle e não precisa se preocupar.


Um ano depois Hyde espanca um homem até a morte com uma bengala que Utterson presenteara a Jekyll. Acontecimentos estranhos se sucedem, culminando com a reclusão de Jekyll em seu laboratório, onde começa a estudar sem parar uma fórmula para controlar "seu lado monstro". 


O mordomo pede socorro a Utterson, e os dois arrombam a porta do laboratório. Lá encontram o corpo de Hyde usando as roupas de Jekyll e uma carta deste explicando todo o mistério. O livro acompanha um advogado londrino chamado Gabriel John Utterson investiga estranhas ocorrências entre seu velho amigo, Dr. Henry Jekyll, e o malvado Edward Hyde.


Esse filme não é como qualquer filme, é um filme diferente, que soa rústico, feito com materiais de televisão, mas ao mesmo tempo, soa muito crível para a época retratada com seus truques de direção. Também vale destacar a atuação de Michael Caine como o médico com personalidade dupla.

 

O filme é uma adaptação moderna de um clássico livro que já tinha sido feito diversas vezes nos filmes antigos clássicos, e aquele refeito com esse ar rústico de filme produzido por televisões, com ampla consultoria histórica e aluguel de roupas. Fiquei com a impressão de que O Xangô de Baker Street bebe em muito, tanto o livro de Jô Soares, como o filme de 1999, traziam esse ar parecido, em termos dos dois filmes possuírem essa caraterística de filme de televisão


Já que o filme retrata a Londres de 1889, ano da declaração da República no Brasil, e um ano depois da Lei Áurea (fim da escravidão). Na Inglaterra, começa a crise eterna do modelo do liberalismo não intervencionista, suplantado aos poucos pelos liberais reformistas heterodoxos. 


Falo isso pois a obra levanta importantes questionamentos sobre privilégios dentro da sociedade de classe, do questionamento em relação ao comportamento, aos ditames de moralidade da sociedade de massas que ia cada vez mais se afastando dos ideias de cristandade clássica, é o "Deus está morto" de Nietszche e o começo do processo de apuração das faculdades científicas da sociedade e o começo da ideia de separação do espaço público e espaço privado, tudo isso serve de base para as ideias passadas no livro de Stevenson. 


Inclusive, a obra de Stevenson criou um termo, ao estilo, "essa pessoa é meio Dr. Jekyll and Mr Hyde", significa que a pessoa é dual, dois papos e não confiável. O nome também foi emprestado do reverendo Walter Jekyll, um amigo do escritor Stevenson. O escritor também tinha muitos problemas respiratórios agravados pelo clima frio da Escócia. Ele escreveu o clássico do gênero de aventura, A Ilha do Tesouro(1886) antes da publicação do livro Jekyll and Mr Hyde em 3 anos, é interessante notar que ele muda do gênero de aventura para o gênero de suspense e sátira. 


A maior metáfora literária aqui é a óbvia referência ao debate de criação, ciência e atração proposto por Frankenstein, a ideia original está aqui. Mas há uma reflexão, será que não é o homem o monstro e o médico, enquanto a mulher é seu experimento científico? Um filme parecido com esse debate é o A Noiva de Frankenstein, e essa ideia da criação e invenção do feminino através dos olhos dos homens. O livro se chama O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr Hyde. 


O senhor Hyde (o lado mau do doutor), já tinha sido visto fazendo coisas criminosas, atacando prostitutas, mas sempre podiam "mediar" os conflitos pagando os danos do que faziam. Como se a sociedade compactuasse com esse tipo de dualismo vindo de "autoridades", que não podem ser vistas como erradas, é a separação do público e do privado exatamente aquilo que permite essa dualidade, o Hyde, o monstro, seria o médico fora de seu habitat social democrata, e o doutor seria aquele herói salvador, mas que também tem fatores sobre sua pessoa, como a morte de sua esposa que ficaram sem explicação. 



Tenho que citar a referência do serial killer tropo psicológico do Langston em CSI, essa referência é o nome do médico que vira monstro e o serial killer da série era o doutor Jekyll, que fazia operações sinistras nos corpos e que tinha essa ligação com Langston (personagem do Laurence Fishburne que era médico na série e se transformou em investigador e que tinha o 'DNA recessivo de assassino'), é uma referência óbvia ao clássico literário.


O título em português meio que entregou logo as complexas metáforas já existentes no livro e que marcaram uma geração, o fim do século XIX, o debate político entre o liberalismo clássico inglês comercial e tarifário defendido pelos conservadores, e os liberais de esquerda, conhecidos ou como salvadores ou como são tidos como "monstros", mesmo que não seja, apenas pelo poder da ação individual ser julgado na sociedade e o conservadorismo de não se meter e "deixar morrer" não é julgado, para explicar a metáfora. 


Muito parecido se passa na cena da menina que foi atropelada e o doutor Jekyll  foi requisitado para salvar ela, e ele diz que ela tinha que passar por cirurgia e um jovem leigo fala para ele "você vai matar ela", e ele responde, "se eu não fizer nada, ela morre de hemorragia", e assim ele faz a cirurgia e salva a menina do atropelamento que foi cometido por conta da maldade do "monstro", o mesmo ser deforme que machucou a prostituta que quando foi tentar denunciar, quase que não foi ouvida. Ou seja, será que haveria interesse real ou há em resolução de crimes que abordam a considerada "pária social", esse também é um dos debates de fundo poderosos do file.  


Isso significa que o médico do filme, o doutor Henry ajuda as pessoas e tem esse trabalho, mas é mal visto e o pai de sua antiga esposa acredita que ele "tivesse a matado por testar todos os tratamentos como um curandeiro", mas as metáforas não ficam somente do campo da profissão. da ciência e da religião aqui. Temos um novo nível de debate sobre o surgimento da sociedade dos especialistas em conjunto com o surgimento da mídia personalista que inventada monstros, um exemplo, o clássico caso do Jack Estripador e inventaram uma fórmula de rotular um crime pelo sujeito suspeito de cometer o crime, é o início da criminologia e dos "perfis forenses" que viraram moda após os livros de Sherlock Holmes.  


O maior exemplo histórico do tipo de imprensa e cobertura que estava se referindo o livro, temos o caso do Jack Estripador, que veio 2 anos depois do livro (e muitas teorias achavam que ele tinha que ser um médico pela forma como as vítimas foram desmembradas), estou acusando a imprensa da época de "plágio" do estilo de enquadramento ensinado pelo livro, se podemos analisar assim. Os crimes passaram a ser noticiados no jornal caçando uma figura individual específica, quando ás vezes "o monstro" era fabricado nos jornais para representar uma mancha estatística (uma incidência de casos).


Veio acontecer logo depois de dois anos após a publicação do trabalho do autor escocês Robert Louis Stevenson, que teve um "sonho' que mudou sua vida ao imaginar o monstro, há uma explicação socióloga para os problemas de "não solução" dos casos famosos, ou como a ideia do autor passa, como se fabricam casos famosos e sintomáticos das mazelas das sociedades. 


No filme, a prostituta denuncia o "monstro" que a feriu  e nada acontece, na luz do dia, todos os homens convivem com o monstro, não ligam para ele. Uma forma de sugerir mesmo antes de acontecer, que casos como Jack, o Estripador não podiam ser resolvidos pois já envolvia aquela noção de ser sobre pessoas que o sistema não liga, e por isso podem ser "mortas" sem formal investigação. Esse efeito de alegoria é o grande poder do livro de Stevenson, que provoca muito os pilares sociais democratas da sociedade inglesa e moderna. 


O filme aborda isso através da metáfora do antídoto que o médico toma para se controlar, uma piada com o fato de que como os médicos tem poder de receitar medicamentos, eles também podem se automedicar, como Doutor House, por exemplo, um clássico caso ao estilo só que moderno, o filme debate enfim essa ideia de autoridade moral e discurso, toda vez que o médico é questionado sobre seu comportamento o doutor Jekyll se transforma no monstro, essa dualidade reflete coisas como as duplas personalidades e a moralidade pública. 


Comentários

Em Alta no Momento:

Os Desajustados (The Misfits, 1961): Um faroeste com Marilyn Monroe e Clark Gable sobre imperfeição da obra do artista e o fim fantasmagórico da Era de Ouro do Cinema Americano

Rastros de Ódio (The Searchers, 1956): Clássico de John Ford é o maior faroeste de todos os tempos e eu posso provar

Cemitério Maldito (Pet Sematary, 1989): Filme suavizou livro de Stephen King mas é a melhor adaptação da obra até hoje. Confira as diferenças do livro para o filme

"1883" (2021): Análise e curiosidades da série histórica de western da Paramount



Curta nossa página: