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Sem Lei e Sem Alma (Gunfight at the O.K. Corral, 1957): Um faroeste clássico com Kirk Douglas e Burt Lancaster sobre um marco histórico do Velho Oeste



O filme conta uma versão do acontecimento real ocorrido no Velho Oeste dos Estados Unidos: o famoso tiroteio do O.K. Corral, em Tombstone, território do Arizona, ocorrido de 26 de outubro de 1881. Em Fort Griffin, Texas, Ed Bailey vem em busca de vingar a morte de seu irmão nas mãos do pistoleiro John H. "Doc" Holliday. Ao vê-lo em um bar, a garota de Holliday, Kate Fisher, conta para Holliday. O conhecido xerife Wyatt Earp chega a Fort Griffin pensando que levará os fora-da-lei Ike Clanton e Johnny Ringo sob custódia, mas em vez disso descobre que o xerife local, Cotton Wilson, os libertou apesar dos mandados de prisão pendentes. Holliday se recusa a ajudar o homem da lei, guardando rancor contra o irmão de Wyatt, Morgan. Mas Doc mata Bailey com um golpe de faca, quando ele tenta atirar em suas costas. Doc é preso por assassinato, embora Wyatt e Kate permitam que ele escape de um linchamento. Assim Doc vê seu destino traçado com o dos Earp, contra o bando fora-da-lei



Veja aqui onde assistir "Sem Lei e Sem Alma" ou assista em link aberto no final deste artigo


Crítica do filme


Quando se pensa no evento histórico do O.K. Corral, dois filmes se destacam. Primeiro, My Dear Clementine, de John Ford, e Sem Lei e Sem Alma. Os dois filmes se complementam em tentar reproduzir como foi a vida de Wyatt Earp. 


Eu analisei melhor quem foi Wyatt Earp no artigo de My Dear Clementine, Paixão dos Fortes no Brasil. Para resumir, o Tiroteio no O.K. Corral foi uma troca de tiros que durou aproximadamente trinta segundos entre bandidos cowboys e homens da lei. É frequentemente lembrado como um dos tiroteios mais famosos da história do Velho Oeste dos Estados Unidos. 



A luta aconteceu às 15h de uma quarta-feira a 26 de outubro de 1881, em Tombstone, no território de Arizona. Foi resultado de uma longa rixa entre os cowboys Billy Claiborne, Ike Clanton, Billy Clanton, Tom McLaury e Frank McLaury de um lado e o delegado Virgil Earp e os oficiais de polícia Morgan Earp, Wyatt Earp e Doc Holliday do outro. 


Os motivos que levaram a inimizade são complexos e debatidos até os dias atuais. Billy Clanton e os irmãos McLaury foram mortos na troca de tiros. Ike Clanton, que havia ameaçado matar os Earps, afirmou que não foi ferido e conseguiu fugir, junto com Billy Claiborne. Virgil, Morgan e Doc Holliday foram feridos, mas Wyatt Earp não ficou machucado. Esta luta acabou por simbolizar o período da história americana do Velho Oeste quando as fronteiras eram consideradas uma região sem lei, fora do alcance da justiça, com as autoridades policiais, em pequeno número, tendo que proteger uma vasta área no oeste dos Estados Unidos, deixando muitas regiões sem supervisão.



Os dois lados do tiroteio estavam a apenas 1,8 metros um do outro quando o conflito começou. Cerca de 30 tiros foram disparados em aproximadamente 30 segundos. Ike Clanton, cujo irmão Billy foi morto, entrou na justiça contra Earps e Doc Holliday sob acusação de assassinato. Os dois homens da lei foram exonerados por um oficial de justiça local após as primeiras ouvidorias. Um júri garantiu que a exoneração se tornasse permanente.



O tiroteio não acabou com a rixa. Em 28 de dezembro de 1881, Virgil Earp foi emboscado e ferido gravemente por um grupo de cowboys foras-da-lei. Em 18 de março de 1882, outros cowboys assassinaram Morgan Earp em um bar. Ninguém foi processado por estes dois incidentes. Wyatt Earp, apontado como xerife no Condado de Cochise, resolveu fazer justiça com as próprias mãos e seguiu numa missão de vingança. Quatro cowboys foram mortos nisso. O xerife Johnny Behan perseguiu Wyatt mas não o pegou. Ele morreria em 1929 por causas naturais.


Enquanto Paixão dos Fortes foi por uma linha da sátira, que buscou questionar o lado heroico dos Earps e do próprio OK Corral, Sem Lei e Sem Alma tenta ver o lado mais fantástico e gráfico do evento. Utilizando de técnicas muito típicas das que se tornariam regras para Nova Hollywood, o filme busca fazer uma representação mais estética e crocante da trama, com inclusive Kirk Doulas como Doc.



O filme também apresenta Burt Lancarter. O elenco como um todo, mas principalmente seus astros são o mais forte do filme. Toda uma encenação muito bem feita, criando um clima convincente, tornando-o superior a muitos faroestes nesse quesito. A produção dos cenários e as roupas também são fiéis e bem detalhados, tais como as cabeças de alce nas paredes. A Paramount sempre apresenta essa superioridade na produção de cenas e decoração de cenários.



A direção forma um bom par com o elenco. Logo, há cenas muito bem pensadas, onde se explora bem a capacidade dos atores, criando dinâmicas visais bem interessantes. Como esquecer a cena de Doc jogando cartas enquanto o tiroteio acontece? Essa cena, que parece ter influenciado muitos animes em sua linguagem, brinca que o único motivo do envolvimento de Doc, assim como outros, no caso foi por apenas ter seu jogo atrapalhado ´pela confusão. O filme obviamente prefere a visão de doc mais do que de qualquer outro, uma provável escolha do diretor para a sua maneira, anular a figura ambígua dos Earps, heróis de muitos conservadores americanos nos dias de hoje.



O diretor escolhe bem as posições da câmera e os ângulos necessários ao longo dos locais e situações para construir uma ação tensa, com certo suspense em cada interação, culminando em uma batalha de armas altamente emocionante e bem feita, onde filme flerta com os filmes de bang bang, só que com muita classe e estilo. 



O roteiro por sua vez deixa um pouco a desejar, parecendo que foi tudo resolvido na direção e na montagem interna das cenas. Tudo que está ali é o que já sabemos sobre os Earp e o que foi colocado sobre Doc, foi uma visão obviamente do diretor, com cenas mais engraçadas de propósito. O principal defeito do roteiro é o final, que não empolga e não surpreende em nada. Assim, o ápice do filme é o meio dele, sendo daqueles filmes que começam bem, mas vão perdendo o gâs pois o roteiro não foi muito elaborado.


A única coisa que há de mais metafórico no filme é pensar que o sistema dos Earps de segurança, convivia com ilegalismos como da bebida, do saloon, das festas e do jogo. Conforme eles se focaram em vingança, esse universo foi se reduzindo. Assim, Earp e Doc são duplos, tropos, que convivem de maneira separada e nem mesmo gostando um do outro, mas que em eventual ameaça externa se juntam para defender interesses em comum.  



A cena da batalha final é muito bem executada. Lancaster e Douglas demonstram sua superioridade na interpretação ao emularem toda a emoção, drama e caráter mais desesperado do confronto em suas faces e linguagem corporal perfeita nos movimentos de batalha, dando um caráter etnográfico ao filme. Porém, o roteiro é um pouco óbvio aqui em refletir como sem sentido tal disputa e violência, utilizando do aspecto rudimentar dela para pensar pouco em termos de trama e consequências do roteiro. Assim, a cena em sequência a batalha, onde Doc e Earp tomam um drinque antes dele partir, me soa um tanto quanto boba, ridícula para a proporção da trama, sendo totalmente descartável, afinal eles acabaram de matar seus algozes e nunca foram amigos, representando a disputa entre intelectual e força bruta, segurança e saúde, desde o início. Por isso o pacifismo da cena parece forçado em seu heroísmo.



A trilha sonora de Dimitri Tiomkin (mesmo de High Noon) é impactante, com todo o tom necessário para o faroeste, contendo ainda a típica canção que marca os grandes faroestes. Os efeitos sonoros são bem impressionantes para a época também, interagindo com sons e onomatopeias, mais comuns até então ao cinema asiático de Kurosawa ou os filmes italianos. 


É um filme épico em sua temática, interpretações e direção, que soube brincar e misturar os elementos de realismo da trama, com certa visão fantástica e plástica, que buscou tornar os faroestes mais visualmente atraentes. O resultado é um filme arrojado, que diverte e convence, mas que perde para outros western igualmente épicos por terem um argumento mais elaborado, com metáforas mais complexas. Apesar de ser um filme que é uma aula de direção, ainda considerado Paixão dos Fortes uma melhor representação histórica dos acontecimentos de O.K. Corral, principalmente por não se perder noção da historicidade ao abordar a trama. Um filme muito bom, que vale a pena assistir com certeza, sem nenhum arrependimento.



História por trás do filme


Sturges fez partes do filme no set de Paramount Ranch. O roteiro de Leon Uris é baseado em um artigo de 1954 intitulado The Killer in Holiday Magazine de George Scullin. O enredo do filme contém inúmeras imprecisões históricas e toma liberdades com eventos reais no verdadeiro tiroteio no O.K. Corral.


Uma década depois, o diretor John Sturges fez uma versão mais historicamente precisa chamada Hora da Arma (Hour of the Gun, 1967), estrelando James Garner como Wyatt Earp, Jason Robards como Doc Holliday, e Robert Ryan como Ike Clanton. Este filme começa com uma versão mais precisa do O.K. Corral, em seguida, cobre suas consequências.


Assista o filme aqui:





O filme foi indicado para dois Oscars de Melhor Edição de Filme (Warren Low) e Melhor Gravação de Som (George Dutton). Burt Lancaster e Kirk Douglas foram indicados para Golden Laurel na categoria de melhor estrela de ação masculina.






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