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Winchester '73 (1950): A lenda do rifle amaldiçoado e a história de como as armas mudaram o Velho Oeste para sempre



Lin McAdam e Frankie Wilson estão procurando um holandês, com quem Lin tem uma questão pessoal para resolver. Eles chegam em Dodge City, Kansas, onde o xerife Wyatt Earp força a garota do saloon, Lola Manners, a sair da cidade em uma diligência. Ele diz a Lin que armas de fogo não são permitidas na cidade e devem ser entregues ao irmão de Earp, Virgil. Lin e Dutch então colocam os olhos um no outro no saloon, mas não podem lutar devido à presença dos Earps. Lin entra no centenário concurso de tiro da cidade, que tem como premio o rifle Winchester 1873. Competindo contra muitos, ele e Dutch acabam como finalistas. Depois de igualar o tiro com o holandês, Lin vence apostando com sucesso que pode atirar através de uma moeda



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Dutch então diz que está deixando a cidade e Lin, ansioso para persegui-lo, recusa a oferta de Earp para gravar o nome seu nome no rifle e vai para seu quarto na pensão para fazer as malas. Lá, Dutch o embosca, rouba o rifle, e foge. Sem o nome gravado, não há como saber quem é seu dono.


Crítica do filme


Este é um dos faroestes mais profundos em sua mensagem, entretanto, simples em sua linguagem, que já assisti. Todo o filme, principalmente o que envolve o rifle, apresenta como as armas podem ser nocivas, alimentando os egos e acirrando as disputas.


Esse é de longe o papel mais pessimista de James Stewart. Em Destry Rides Again, tinhas um Stewart esclarecido e otimista. Aqui, seu pessimismo e neutralidade, o tornam praticamente mau. Por exemplo, o olhar que ele faz quando entorta o braço do homem no final, é talvez o olhar mais sinistro que Stewart já fez no cinema.



Porém, seu personagem meio que é secundário na trama perante o principal protagonista do filme: o rifle. 



Rifle Winchester é um termo abrangente que descreve uma série de rifles de repetição por ação de alavanca, fabricados pela Winchester Repeating Arms Company, que foi usado extensivamente nos Estados Unidos durante a última metade do Século XIX.


No caso, o rifle do filme é o Winchester 1873. O Modelo 73 é mundialmente renomado como "A Arma que Ganhou o Ocidente". Uma das armas mais populares da era dos cowboys, foi produzido em modelos de carabinas, rifles e mosquetes. O Modelo 1873 é amado porque dispara a mesma munição de revólveres. Várias características do Modelo 1873 são o que o diferenciam há mais de 140 anos, e ainda fazem dele um rifle muito vendido até hoje.



Em uma viagem que lembra as ideias de Walter Lippman, antes do rifle todos estavam em paz, foi o rifle que fez todos brigarem. Em algumas poucas viradas, o rifle gerou roubo, mortes e abandono. 


Outro detalhe, é a presença dos Earps no filme. Além de personagens históricos do famoso evento de OK Corral, eles estão presentes nos filmes Paixão dos Fortes e Gunfight at Ok Corral, são colocados aqui como os inimigos do saloon. Ou seja, na tese do filme, são inimigos do estilo dos faroestes de violão, ao estilo Johnny Guitar.




Primeiro, até os índios se interessam por ele. Ou seja, com o rifle você se torna um alvo vulnerável, sendo obrigado a usá-lo para se defender e logo gerando mais estima pelo mesmo. 



Além disso, há a cena onde o homem abandona sua mulher por causa de um ataque, preferindo fugir sozinho no cavalo do que continuar conduzindo a charrete com ela. Ou seja, ele deixou a mulher como isca. 




Quando a moça passa a ser motivo de disputa junto com o rifle, o filme ganha um caráter de screwball. A mulher é a arma, pelo menos no tratamento que todos dão a ela, mesmo quem quer salvá-la. 



No final, não só o rifle, que parece amaldiçoado pelas encrencas que ele leva por onde passa, mas todas as armas no filme, ganham uma profunda conotação negativa, ao mesmo tempo que são o foco principal do filme. O filme tem uma perspectiva claramente antiarmamentista, uma pauta que nos Estados Unidos é dos democratas. As armas são colocadas como os elementos que basicamente acabaram com o velho oeste, transformando-os em elementos que transformam o gênero. O que define o velho oeste são o gado e o cavalo, não exatamente a arma. O bom cowboy pode não saber atirar, mas não pode não saber montar. 


Isso funciona também para refletir o elemento do gênero western. Os filmes de bang bang, como também o subgênero do spaghetti, trouxeram para o foco do faroeste a violência, o tiro e as armas. Só que além de isso afastar grande parte do público que prefere representações mais gerais sobre o velho oeste, historicamente o aumento e proliferação de armas no meio oeste e sul dos Estados Unidos representou justamente o fim daquilo que chamamos "western" ou faroeste. 



As armas estavam presentes no passado, mas em menor quantidade, fazendo quem as tinha logo ser considerado logo um homem da lei ou bandido. Isso é muito bem mostrado em Rio Bravo, onde o xerife John Wayne pedia para os pistoleiros deixarem suas armas na delegacia quanto chegavam na cidade. Quem recusava, era suspeito. Por que? Porque armas eram caras e escassas. Ou na maioria dos faroestes de John Ford, onde as armas geralmente estavam associadas a Guerra Civil, militares ou policiais, logo a arma estava presente. Tudo encaixa. 



Porém, os filmes de spaghetti, até mesmo os bons, pelo princípio de entregar o que audiência queria ver em termos estéticos e psicológicos, ou seja, o que agrava a todos, passou a fazer filmes onde a arma estava mais presente e a violência era mais vibrante de se ver, criando uma sensação de filmes "crocantes", a visão histórica foi abandonada de muitos filmes. As armas passaram a ser mais populares na década de 1900 e 1910, mas aí o oeste já não era tão "velho" assim. Em 1880 ou 1890, ter um rifle desse era coisa de rico ou de quem trabalhava com aquilo e se esforçou muito para ter. Fora isso, só tendo sorte em uma competição como a do filme.


Essa contradição é genial do filme, pois ele demonstra aos pouco o faroeste, por causa das armas, se tornando o romance e os filmes de ação de gênero. Por isso o final romântico, meio água com açúcar, ultrapassando um pouco o tom do gênero. 



A fotografia merece certo de destaque. Seu aspecto iluminado e brilhante, até mesmo nas cenas noturnas, dá um aspecto bonito e realista a trama, expressando bem a intensidade das cenas e situações. 


A atuação do filme é genial, principalmente a de James Stewart, no que talvez seja seu papel mais sombrio. Mas de uma maneira engraçada, nenhum dos personagens tem muita profundidade. O grande foco da trama e viradas é o rifle, pois ele se coloca quase com uma tese do problema do processo armamentista e de como ele enterrou o Velho Oeste. Assim, a arma não seria a fonte da solução civilizacional dos problemas, e sim a causa dos problemas e acabando com o nostálgico tempo do faroeste. Com certeza um dos maiores faroestes de tese de todos os tempos, que merece ser visto e revisto.


História por trás do filme


O filme foi originalmente planejado para ter sido dirigido por Fritz Lang mas a Universal não queria que Lang produzisse o filme através de sua própria empresa Diana Productions. 


A ideia de Lang era ter o rifle sendo a única fonte de força do personagem de Stewart e sua única desculpa para viver, tornando a busca por seu rifle uma questão de vida ou morte. 


Com Lang fora do filme, a Universal produziu o filme em si com o diretor em ascensão Anthony Mann, que foi a escolha de James Stewart. Mann fez Borden Chase reescrever o roteiro para fazer do rifle uma semente de discórdia, mostrando-o passando contenciosamente pelas mãos de uma variedade de pessoas.



Stewart queria fazer Harvey para a Universal-International mas, quando o estúdio não pagaria o salário de US$ 200.000 que ele queria, o chefe do estúdio William Goetz ofereceu-se para permitir que Stewart fizesse harvey e Winchester '73 por uma porcentagem dos lucros, espalhados por algum tempo e com uma taxa de imposto de ganho de capital menor do que um único pagamento para Stewart seria. O então agente de Stewart, Lew Wasserman, conseguiu 50% dos lucros de seu cliente, totalizando 600.000 dólares do sucesso inesperado do filme. 


Stewart já estava no papel de Lin McAdam e passou muito tempo praticando com o rifle para que ele parecesse um autêntico ocidental. Como Mann mais tarde relatou, "[Stewart] foi magnífico andando por uma rua com um rifle Winchester embalado em seu braço. E ele era ótimo também disparando a arma. Ele estudou muito. Seus dedos estavam crus com a prática... Foram esse tipo de coisas que ajudaram a fazer o filme parecer tão autêntico, deu-lhe seu senso de realidade." Um atirador especialista da empresa Winchester, Herb Parsons, fez o truque necessário para o filme e ajudou Stewart em seu treinamento.


Shelley Winters foi escalada como uma garota do salão de dança. Winters não entendeu o filme, nem pensou muito da parte dela nele, dizendo: "Aqui você tem todos esses homens... correndo por aí para colocar as mãos neste maldito rifle em vez de ir atrás de uma loira bonita como eu. O que isso te diz sobre os valores dessa foto? Se eu não estivesse nele, alguém teria notado?


O papel de Wyatt Earp, o mesmo de Paixão dos Fortes e de Gunfight at OK Corral, foi dado a Will Geer, que não estava sozinho em sentir que ele estava errado para o papel. 


Millard Mitchell foi escalado como High-Spade Frankie Wilson. No mesmo ano, Mitchell apareceu em The Gunfighter, estrelando Gregory Peck. Ele apareceria em outro faroeste Stewart-Mann, The Naked Spur (1953), como um velho garimpeiro grisalho.


Jay C. Flippen apareceu como sargento de cavalaria Wilkes. Ele também apareceria no segundo Stewart-Mann Western, Bend of the River (1952), juntamente com Rock Hudson, que aparece em Winchester '73 como um nativo-americano.


A colaboração Stewart e Mann estabeleceu uma nova persona para Stewart, mais violento e desiludido do que nunca. O filme se baseia na história dos rifles Winchester. 



Em 1848, Walter Hunt patenteou o seu "Volition Repeating Rifle" incorporando um carregador tubular, que era operado por duas alavancas e um mecanismo complexo. O rifle de Hunt disparava o que ele chamava de "Rocket Ball", uma forma antiga de munição sem estojo, onde a carga de pólvora ficava contida numa cavidade na base da bala. Esse projeto, era frágil e não funcional, mas em 1849, Lewis Jennings comprou a patente de Hunt e desenvolveu uma versão funcional, apesar de ainda muito complexa, que foi produzida em pequena quantidade pela Robbins & Lawrence até 1852.


Horace Smith e Daniel Wesson, adquiriram a patente de Jennings da Robbins & Lawrence, mantendo o encarregado da fábrica, Benjamin Tyler Henry. Smith fez várias melhorias no projeto de Jennings e, em 1855, Smith e Wesson, juntamente com vários investidores, fundaram a Volcanic Repeating Arms Company, para fabricar a versão modificada por Smith do projeto "Hunt-Jennings", a pistola e o rifle por ação de alavanca "Volcanic". O maior acionista desse empreendimento era Oliver Winchester.


Para o rifle "Volcanic", Smith juntou uma carga de espoleta à "Rocket Ball" de Hunt e criou um dos primeiros cartuchos metálicos fixos que incorporavam bala, espoleta e pólvora em uma unidade autocontida. Enquanto ainda estava na empresa, Smith foi um passo além e adicionou um cilindro de cobre para segurar a bala e a pólvora transferindo a carga da espoleta para a borda do estojo, criando assim uma das invenções mais significativas da história das armas de fogo, o cartucho metálico de arma de fogo que conhecemos hoje como cartucho de fogo circular. O cartucho de Smith, o .22 Short, seria lançado comercialmente em 1857 juntamente com um outro marco da indústria de armas, o revólver Smith & Wesson Model 1.


O rifle "Volcanic" teve sucesso limitado, parcialmente devido ao desenho e ao fraco desempenho do cartucho "Volcanic". Embora o desenho do mecanismo de repetição do "Volcanic" ser muito superior a dos rivais, a potência e a confiabilidade insatisfatórios das "Rocket Balls" de calibre .25 e calibre .32 eram pouco competitivos com os calibres maiores dos concorrentes. Wesson havia deixado a "Volcanic" logo após sua formação e oito meses depois, ele criou a Smith & Wesson Revolver Company. A "Volcanic" mudou-se para New Haven em 1856, mas no final daquele ano tornou-se insolvente. Oliver Winchester comprou os ativos da empresa falida dos acionistas restantes e a reorganizou como a New Haven Arms Company em abril de 1857.


Benjamin Henry continuou a trabalhar com o conceito de cartucho de Smith e aperfeiçoou o cartucho muito maior e mais poderoso .44 Henry. Henry também supervisionou o redesenho do rifle para usar a nova munição, mantendo apenas a forma geral do mecanismo de culatra e o carregador tubular. Este se tornou o Rifle Henry de 1860, fabricado pela New Haven Arms Company, e usado em número considerável por certas unidades do Exército da União na Guerra Civil Americana. Quando a produção foi encerrada em 1966, cerca de 14.000 unidades haviam sido produzidas. Os confederados tinham uma frase que definia o Rifle Henry: "aquele maldito rifle ianque que eles carregam no domingo e disparam a semana toda".


Assista o filme aqui: 









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