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CODA - Ritmo do Coração (2021): Vencedor do prêmio de Melhor Filme trouxe o universo dos surdos, corais e das cooperativas de pesca para o palco principal do Oscar


Um filme suave e verdadeiramente humanista, dirigido pela cineasta Sian Heder, mostra uma mensagem para cima. O título do filme: CODA significa "filho de um guardião, ou pais que sejam surdos", como a garota do filme, o título em português ficou: No Ritmo do Coração. O filme foi uma adaptação de um livro La Famille Bélier, e ganhou Melhor Filme (principal categoria da noite), Melhor Ator Coadjuvante com Troy Kotsur, primeiro ator surdo a ganhar a estatueta, também de Melhor Roteiro Adaptado, com música de Marius de Vries. Em Gloucester, Massachusetts, a estudante filha de pais surdos (CODA), Ruby Rossi (Emilia Jones), é a única da sua família que escuta e ajuda a família a se comunicar com os outros, ela tem um irmão mais velho também surdo Leo Rossi (Daniel Durant). Seus pais são Frank (Troy Kotsur) e Jackie (Marlee Matlin), que não aceitam que a filha vá cursar universidade por ela ser a tradutora da cooperativa de pesca que a família abriu para competir com os preços de venda abusiva em relação aos trabalhadores surdos. Ruby apesar de ser de uma família de surdos, aprendeu a cantar muito bem e quer conseguir crescer no universo do canto e do coral, mas tem que encarar a resistência de seus pais, que pensam na família deles como uma "comunidade fechada" e não querem abrir mão da filha.


Não posso começar esse texto, como fã de CSI e não lembrar do clássico episódio 11x13: The Two Mrs. Grissoms (as duas senhoras Grissom), onde a Martlee Matlin interpretava Julia Holden, que era uma ex namorada do Grissom que entra em conflito com Sara, e além de tudo ainda, amiga da mãe de Grissom. Tinha que lembrar isso antes. 



Em Gloucester, Massachusetts, Ruby Rossi é a única da família que escuta e tem o sonho de usar seu talento musical e de estudar na Faculdade de Berklee, uma faculdade em Boston, Massachusetts, onde a maior área de especialização é em música contemporânea, sendo vista como uma importante escola de formação na área da artes. 



Ela ajuda a família como intérprete de libras linguagem de sinais para o negócio próprio de cooperativa que a filha desenvolveu. Ruby também trabalha no barco e ajuda a família a pescar. Por trabalhar no Porto com a família, ela acaba sempre indo pra escola "fedendo" e os outros acabam a rotulando por isso.  



Quando ela vê seu amigo Miles (Ferdia Walsh-Peelo) entrar no coral da escola, ela faz o mesmo. No primeiro dia ela foge do teste para a aula do professor Bernardo "Mr. V" Villalobos, que fazia testes com todos os alunos cantando a música padrão simples do "parabéns para você". Quando ela foge, ela faz uma "fuga do mundo" e vai para uma paisagem verde para se acalmar de sua crise de ansiedade por conta do teste. 



Depois ela consegue fazer a audição, apesar de não ter conseguido fazer o dueto com Miles por não ter ensaiado antes, o que Villalobos sugere que é o motivo pelo qual a performance não era boa. Ela convida Miles para sua casa, mas acaba flagrante os próprios pais transando, o que torna a situação bem traumatizante para a jovem. Miles acaba contando para alguns colegas sobre a situação, e Ruby fica chateada com ele por isso. 





Miles se desculpa e explica que ele acha a família de Ruby demais e unida, diferente das outras. Eles começam a se encontrar e a se envolver em um namoro enquanto praticam para o dueto. Enquanto isso, Frank anuncia na reunião sindical que ele vai fazer sua própria cooperativa de pescaria por conta das novas taxas e sanções da companhia tradicional. 








Mister V (Eugenio Derbez) consegue uma audição para Ruby na famosa Berklee e ela esquece a partitura da música de Joni Mitchell Both Sides Now, mas ela consegue cantar mesmo assim. Frank convida outros pescadores a se juntar na cooperativa. Sua família luta com fatores financeiros.


Mesmo fazendo aulas particulares para tentar entrar na Faculdade Música, mas o compromisso de ajudar a família acaba atrapalhando os sonhos da menina, e ela ao mesmo tempo, parece ansiosa para conhecer um mundo além de sua família. Mister V, o professor de música fica chateado e não entende o motivo de Ruby priorizar a família, e fala que ela pode perder a chance de ir para a faculdade. 


Frank e o irmão de Ruby, Leo são interceptados pela Guarda Costeira por não ouvirem as sirenes de aviso perto do barco. Eles são multados e tem sua licença cancelada. Eles conseguem a licença, mas tem ter uma pessoa pelo menos que consiga escutar no barco para fazer a interlocução. A família de Ruby vai até o recital de coral e ajuda a filha a relaxar para passar na audição, e Ruby consegue passar e ir embora para a faculdade, esse é o final do filme.  



Os trabalhadores do porto aprendem aos poucos a linguagem de sinal para conseguir se comunicar com sua família. Enquanto isso, no porto, os membros da cooperativa aprendem aos poucos para não precisarem de tradução. Na cena do bar, o irmão Leo briga, mas consegue se comunicar mesmo na briga. Essa parte lembra um pouco a questão das "fases da vida", ou seja, não é por ser um filme sobre surdos que o filme vai ser "careta" ou de direita. 


CODA ganhou por ter uma proposta de emancipação progressista, na visão da nova geração (dos jovens), sendo uma perspectiva pró ciência por abordar conflitos de jovens da classe trabalhadora que são os primeiro jovens de suas famílias a cursar universidade, como no mesmo caso de Ruby. A amiga de Ruby, Gertie (Amy Forsyth) dirige ela para Boston. Ruby faz o sinal na hora de ir embora de "I love you forever (eu te amarei para sempre)" para eles enquanto o carro vai embora. 


Minha Leitura do Filme


O filme dirigido e escrito por Sian Heder, sendo um remake de um filme francês chamado La Famille Bélier (2014), sobre uma família na França rural em uma fazenda de laticínios. Heder disse que se interessou em adaptar o filme para a audiência americana e queria fazer um filme único. Em 2019, a empresa Pathé Films and Vendôme Group  tinha formada uma parceria para desenvolver o filme voltado para linguagem do inglês e da linguagem de sinais. O próprio título do filme é uma referência a situação de Ruby, por ser filha de pais que são surdos. 



No Brasil, por exemplo, e acredito que também nos Estados Unidos a linguagem de sinal foi utilizada na campanha de políticos conservadores, como com Bolsonaro em 2018 para vender uma ideia de necessidade de separação e "respeito" com essas "comunidades fechadas" como os Amishs e tal. Mas não é bem assim. 


Agora também podemos dizer o incrível de CODA, que fez história como primeiro filme independente de Streaming pela Apple Tv a ganhar o Oscar.  A história envolvendo cooperativas podemos observar e comparar aqui com o clássico filme Argentino A Odisseia dos Tontos (2019)que aborda um grupo de pessoas que sofreram perdas com o roubo de poupança na Argentina e que antes queriam abrir uma cooperativa própria na cidade. 



Não necessariamente a pauta dos surdos é exclusiva dos políticos de direita. No filme, o pai de Ruby quer fazer uma cooperativa para evitar a exploração causada pela falta de respeito e pela falta de comunicação. Dentro da estrutura material do filme, lembra a proposta de A Pequena Miss Sunshine, só que um pouco melhor feito do que esse filme. 


Teve grande repercussão e exibição gratuita em fevereiro  e março desse ano. O filme foi visto em 973,000 casas americanas, de acordo com Kotsur que também ganhou o Oscar, o filme foi inicialmente classificado como R (maior de 17 anos), e depois foi modificado como um filme PG-13 meses antes para atrair um maior público, admitindo que a parte do roteiro que era "suja" era apenas uma forma de demonstrar que os surdos vivem vidas normais e não apenas são "certinhos", ou seja, isso foi argumentado como parte importante da forma de conduzir o filme com uma forma de linguagem de sinais mais vulgar e popular. 


 


Essa era a principal intenção do filme, ser uma propagada da nova classe trabalhadora americana através da lógica de um filme coming to age (de envelhecimento) de uma jovem que descobre o amor, o talento e as novas formas associativas da vida, tudo isso em meio a um debate bem atual sobre ir ou não para a faculdade, no filme, a família da jovem não quer que ela vá para a faculdade, eles não tem como saber que ela é talentosa porque eles são surdos, essa questão dos surdos pode ser uma questão em si, como também pode ser uma referência e metáfora de possuir talentos que as pessoas não podem entender por diferenças geracionais e educacionais. 





O fato dos personagens possuírem problemas e desejos reais foi colocado pela comunidade surda como uma diferença da tradicional representação carola que geralmente é feita deles. 



Contexto, bastidores e história por trás do filme

Philippe Rousselet foi um dos produtores originais do filme e ele tinha os direitos para um remake. Ele e o produtor Patrick Wachsberger pediram para Heder dirigir um remake americano do filme francês, mas com uma abordagem que buscava retratar membros da classe trabalhadora. A primeira a ser escolhida foi a veterana Martlee Matlin, que utilizou seus contatos com a comunidade do teatro de surdos em Los Angeles para ajudar a achar os outros atores surdos do filme. 




O diretor comentou que ela sempre fazia o papel de dama bem vestida e que conhecia a atriz por ter um "senso de humor bem sujo" e que isso foi passado pro personagem da mãe de Ruby. Matlin, Kotsur e Durant já se conheciam de uma produção de surdos do musical Spring Awakening. Heder contratou um grupo de intérpretes de linguagem de sinais para facilitar a comunicação no set, possuindo dois diretores de linguagem de sinais o tempo todo no set. 


Para o papel de Emilia Jones, uma atriz inglesa escolhida, houve audição com centenas de garotas para o papel de Ruby. Emilia ficou meses aprendendo linguagens de sinais. O filme é ambientado em Gloucester, Massachusetts no meio de 2019. Houve preocupação em arrumar uma casa de verdade para a família e pediram os moradores para usar para as filmagens. Heder também conseguiu achar o que era uma casa que o diretor tinha ido inúmeras vezes na sua infância, que tinha um estilo vitoriano perto ao mar para ser a casa do professor do coral. 




Por conta da questão da covid-19, CODA foi um filme que colou através da propagada oral, do boca boca mesmo. O filme já havia ganho prêmios importantes, como o U.S. Grand Jury Prize, o U.S Dramatic Audience Award, e o Special Jury Emsemble Cast Award, como também agradou o gosto do sindicato dos atores, o SAG Awards. 


O filme teve a sagacidade de trazer a temática sindical das cooperativas, de retomar a questão do sonho com o estrelato, enfoca na inocência da juventude e na perspectiva da vida em família, onde as fases da vida são refletidas através da visão da menina que está próxima a entrar na faculdade e que antes vinha de um contexto diferente. 


Refletindo o clima da própria política americana, altamente influenciada hoje em dia por uma necessidade de universalismo e de reformas na linguagem e na ideologia em si dos filmes. Vale refletir que há anos os autores e cineastas americanos clássicos parecem receber menos feedback da academia. 


O diretor Heder é novo e já ganhou Melhor Filme, uma categoria bem coringa pra história do Oscar. Falar sobre um elenco quase completo de surdos foi uma forma de inovação sem precedente dentro da restrita fórmula de escolha de "perfeitos" para os filmes e para as temáticas. 


Digamos, que pela primeira vez na história os cineastas americanas estão perdendo terreno pelo medo de tocar de frente nas temáticas sociais e ideológicas, Nomadland ganhou Melhor Filme por falar de uma situação real e complicada, sobre o lugar e não lugar de pessoas que optaram por morar em carros e vãs, CODA também busca falar daquilo que não é muito "cult for school" e não cai facilmente no gosto, pode ser criticado por não ser original, pode ser criticado também pela intensidade da mensagem de superação da jovem em relação a família, já que a família a apoia.




O filme evite os clichês de vilania e plot twist e foca em tentar falar de esperança. Como um "Pequena Miss Sunshine" que tenha entregado realmente a proposta de integração e renovação que norteia a lógica dos filmes independentes. A Apple tv soube conectar a estética da tv com as necessidades do cinema, algo que a Netflix desde de Beast of No Nation não sabia, e ainda não aprendeu exatamente, sendo a ideologia de direita o principal problema da Netflix no Oscar. Mas com certeza, podemos identificar que o filme que está para ganhar os futuros prêmios terá que mexer no lugar comum tradicional do cinema americano e trazer novas estórias para a telona do cinema. 





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